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Comerciante vende churros para pagar curso de direito no DF

 Maria Odete Silva vende churros para realizar o sonho de se formar em direito - Alessandra Modzeleski/UOL
Maria Odete Silva vende churros para realizar o sonho de se formar em direito Imagem: Alessandra Modzeleski/UOL

Alessandra Modzeleski

Colaboração para o UOL, em Brasília

21/12/2015 10h17

De domingo a domingo, das 8h às 20h, a mineira Maria Odete Silva, 46 anos, vende churros há sete anos na plataforma inferior da Rodoviária do Plano Piloto, na região central de Brasília, no Distrito Federal. O dinheiro sustenta os dois filhos e também um sonho da comerciante: ser advogada. Os churros podem ser com recheio de doce de leite, goiabada, chocolate ou misto. O valor varia de R$ 1 a R$ 1,50, o que garante o pagamento da mensalidade de R$ 907 do curso de direito.

A comerciante nasceu em Araçuaí (MG), onde morou com a mãe solteira e dois irmãos mais novos na roça. Aos 7 anos, mudou-se com a família para São Paulo em busca de uma vida melhor. A mãe ficou na cidade por quatro anos, mas resolveu voltar para Minas Gerais. A pedido da tia, Maria Odete, ainda menina, ficou e a mãe levou os dois irmãos. Um acidente trágico na volta para casa resultou na morte da mãe. "Nós acabamos sendo criados pelo mundo. Eu falei para mim mesma que iria trabalhar, estudar e ser alguém na vida", relembrou Maria Odete.

O sonho de estudar ficou cada vez mais distante. A mineira começou a trabalhar como doméstica e não sobrava tempo para os estudos. "Eu ficava sempre muito cansada. Fui largando e parei no 9º ano". Após mais de 30 anos vivendo em São Paulo, a comerciante precisou mudar da cidade por causa da saúde do filho mais novo, na época com 5 anos. "Meu filho tinha um problema no pulmão e a poluição de São Paulo fazia com que ele ficasse mais tempo na UTI do que em casa".

Assim, a convite do irmão, Maria Odete veio para Brasília. A oportunidade de uma vida nova despertou também o sonho antigo de retomar os estudos, aos 39 anos. "No primeiro ano aqui eu já me matriculei em uma escola e conclui o 3º ano do ensino médio". Mas para começar a cursar direito, a comerciante precisava de uma renda extra.

Trabalhando na Rodoviária do Plano Piloto, na loja de calçados do irmão, Maria Odete conheceu uma comerciante que a ajudou a abrir a barraca de churros. "A Cida me convidou para a casa dela, me ensinou a fazer a massa e fritar. Ela que me impulsionou a ter um negócio só meu", lembra.

Atualmente, na barraca movimentada, Maria Odete não tem tempo para estudar. "Às vezes eu fico aqui fritando e olhando a plataforma. Quando o ônibus estaciona, eu corro, com touca no cabelo e tudo, e entro. Não dá para parar um minuto, mas também não posso perder o horário da aula" A comerciante conta com a ajuda de uma funcionária, que fica no período da manhã, enquanto Maria Odete está na faculdade, e do marido Marcos, que faz a massa dos churros em casa e traz ao longo do dia.

No período da tarde, a filha, Mayara Silva, 16 anos, também ajuda a mãe. "Eu pago escola particular para os meus dois filhos, também com a renda dos churros. Eu digo todos os dias para eles: 'estudem, porque a única herança que eu posso deixar para vocês é o estudo'", conta.

Para conquistar o sonho, faltam apenas quatro matérias. "Às vezes é difícil. Eu já pensei em desistir muitas vezes, principalmente por falta de tempo para estudar. No domingo, é o único dia que o movimento está mais tranquilo e eu consigo ler alguma coisa. Uma vez, choveu tanto que eu não sabia o que salvava, meus livros ou o carrinho. Molhei todas as apostilas", lembra.

A um passo de se formar, Maria Odete não hesita ao ser questionada sobre o novo passo: "Quero ser promotora. Passar em um concurso público e garantir estabilidade. Tenho certeza que estudar vale a pena", garante.