Topo

Estudante rebate crítica a cotas na UFMG: "Sou uma preta lacradora"

Lorena passou em letras na UFMG - Arquivo pessoal
Lorena passou em letras na UFMG Imagem: Arquivo pessoal

Rayder Bragon

Colaboração para o UOL, em Belo Horizonte

22/01/2016 15h27

“Sou uma preta lacradora, inteligente e cotista que entrou em letras no seu lugar” -- com essa frase, Lorena Cristina de Oliveira Barbosa, 20, rebateu crítica ao sistema de cotas feita por uma jovem, nesta semana, em sua página do Facebook. O comentário viralizou na internet.

A moça que fez o comentário pesado e contrário ao sistema se referiu ao vestibular da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) em que disse ter concorrido também a uma vaga no curso de letras. Ela disse que havia conseguido a 239ª colocação, mas não seria aprovada por causa dessas "merdas de cotas" -- havia um total de 260 vagas.

A discussão sobre cotas acontece toda vez que tem vestibular. Sempre alguém vira protagonista da discussão sobre cotas. Eu fiquei extremamente feliz de ser a protagonista desta vez”, disse.

Reprodução comentário contra cotas; Lorena Barbosa passou em letras na UFMG - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Lorena conta que foi avisada sobre o comentário por amigos em comum e resolveu se manifestar. 

“Na verdade, eu não a conheço. Ela é amiga de amigos meus. Eles me marcaram na postagem que ela tinha feito. Eu compartilhei a postagem dela. Em seguida, várias pessoas fizeram comentários sobre a postagem dela, e eu fui uma delas", explica a moça.

Reprodução do comentário de Lorena:

“Só te digo uma coisa: eu sou uma preta LACRADORA, inteligente e cotista que entrou em Letras no seu lugar. E pode ter certeza que vou fazer jus à minha 15ª colocação neste curso. Vou ser uma aluna excelente e uma ótima profissional que, futuramente, vai roubar o seu emprego também”

Segundo a caloura de letras, a proporção que o caso tomou foi inesperada.

“De repente, eu comecei a receber inúmeras solicitações de amizades [no Facebook], várias mensagens de apoio. Daí eu fui ver que tinha print [screen, reprodução da postagem] do meu comentário rolando para todos os lados”, conta.

Lorena afirmou que a motivação para a resposta ao texto foi a maneira usada pela autora para se referir às cotas. “Foi um tom bem pejorativo”, afirmou.

A jovem disse ter tentando entrar em contato com a candidata que fez a publicação, mas afirmou não ter conseguido. A autora da mensagem, após a repercussão, apagou o texto da sua página.

“Ela fez outra postagem depois, tentando se redimir, mas ela foi infeliz novamente nas suas declarações”, disse.

Lorena disse, por outro lado, que a repercussão do seu comentário foi benéfica uma vez que colocou o assunto em debate.

Ela ainda afirmou que, caso depare com outro comentário semelhante, não deixará de se posicionar sobre o assunto.

Primeira da família na UFMG

A agora universitária, que afirmou ter estudado somente em escolas públicas, disse ter sido a primeira da família a conseguir uma vaga em uma universidade federal. Moradora de bairro da zona norte de Belo Horizonte, a jovem disse ter tido total apoio da família quando o caso ganhou repercussão.

A estudante declarou entender, no entanto, que as cotas ainda são tidas por algumas pessoas como “privilégio” que gera “desconforto”.

“A gente fala de uma classe desfavorecida, que veio de escolas públicas. É a primeira vez que a gente tem reserva para entrar em um espaço teoricamente privado e ocupado por pessoas da elite. Quando a gente tem um mecanismo que nos insere lá, feito exclusivamente para nós, isso gera um pouco de desconforto para as pessoas”, declarou.

Segundo ela, os críticos do sistema de cotas pessoas não conseguem contextualizar o sistema atual como sendo uma maneira de quitar uma “dívida histórica’ com as classes menos abastadas.

“Isso é visto como um privilégio dado de mão beijada. As pessoas não conseguem fazer um contexto social de uma dívida histórica, de uma retratação social”, disse referindo-se ao sistema de cotas.

Segundo ela, a UFMG está se transformando em razão das cotas implantadas no vestibular da instituição de ensino.

“As pessoas que sempre frequentaram as melhores escolas, tiveram a melhor preparação, entravam na UFMG. Porque é um vestibular extremamente concorrido e difícil. Agora, com o sistema de cotas, está cada vez mais acessível. Temos mais negros nas salas, menos carros zero quilômetro nos estacionamentos e mais pessoas entrando a pé”, declarou.