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Crise política é chance de discutir conceitos e incitar alunos à reflexão

Alunos do Colégio Mopi, no Rio, participam do projeto para discutir corrupção  - Divulgação/Mopi
Alunos do Colégio Mopi, no Rio, participam do projeto para discutir corrupção Imagem: Divulgação/Mopi

Marcelle Souza e Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

28/03/2016 12h41

Os debates políticos inflamados chegaram à sala de aula. No Paraná, uma professora foi hostilizada por pais de alunos depois de manifestar o seu posicionamento nas redes sociais. Em São Paulo, uma criança que usava uma camiseta com a bandeira da Suíça foi xingada e ameaçada na escola. Mas como discutir política na sala de aula em meio a tanta polarização?

Escolas ouvidas pelo UOL dizem que a crise política tem gerado muitas dúvidas e curiosidades dos alunos. Então, a saída mais comum dos professores é aproveitar para discutir conceitos, fatos históricos e incentivar os alunos à reflexão e à construção de argumentos mais consistentes.

É o que tem acontecido nas aulas do ensino médio do Colégio Humboldt, em São Paulo. “Os alunos querem saber, por exemplo, qual a posição política do professor, se ele concorda ou não com as manifestações, se é a favor do impeachment. Diante disso, defendemos que o professor promova a construção da reflexão, oferecendo ao aluno condições para fazer seu próprio itinerário intelectual. Para isso, se faz necessário desconstruir discursos rasos, polarizados e maniqueístas”, afirma Erik Hörner, coordenador do ensino médio.

Na escola, a crise política já foi tratada em disciplinas como história, sociologia, geografia e redação, com diferentes abordagens. “Em sociologia, por exemplo, o professor ensina e analisa a estrutura do Estado, o conceito de democracia e seu funcionamento. Em História, temos a história sobre política no Brasil, a trajetória da República, o momento atual”, explica Hörner.

O Colégio Mopi, no Rio, aproveitou a oportunidade e implantou um projeto transdisciplinar sobre corrupção, que prevê discussões e a elaboração, pelos alunos, de uma proposta de intervenção sobre o problema.

“Os alunos têm percebido ainda mais que não é possível aceitar ações de corrupção. Por exemplo, quem cresce raciocinando diferente disso, no futuro, vai achar normal desviar do orçamento público. Quem suborna o porteiro da balada, vai achar normal corromper de outras formas. O projeto discute onde nasce a corrupção, evitando que ela seja banalizada”, diz André Luiz Chaves, coordenador de projetos da escola.

Menos bate-boca e mais reflexão

Na rede estadual de SP, o professor de história Pedro Ramos de Toledo foi procurado por alunos do ensino médio que queriam entender melhor a crise. “Um dos grandes problemas que temos para lidar na escola é tentar desarmar a polaridade quanto à discussão da crise política brasileira”, diz. “No ensino médio, a situação fica muito mais complicada porque eles já têm as próprias considerações, convicções. Sem contar que a discussão é mais exaltada, mais inflada”.

Com alunos do fundamental, ele resolveu tomar a iniciativa e dedicou duas aulas para explicar conceitos. “Os menores geralmente trazem a opinião dos pais, de casa. Então resolvi fazer uma discussão evitando lados partidários. Usamos conceitos básicos, como o que é corrupção, o que é a coisa pública, o que é a privada. E começamos a dar exemplos”, diz Toledo.

No Colégio Franciscano Pio XII, a professora de história Eline Souza aproveitou os questionamentos dos alunos, que insistem em saber a sua opinião sobre os fatos políticos, para fazê-los pensar sobre os argumentos usados em cada um dos lados. “Trazemos para o centro da discussão o repertório que os próprios alunos assimilaram dos meios midiáticos, das discussões com os familiares, com os colegas”, diz.

Tais argumentos são reforçados ou desconstruídos pelos alunos, a partir da análise das fontes, da pesquisa em classe e de conceitos da história e da política. “Desta forma, acreditamos que o debate tende a ser mais qualitativo, menos dominado pelas tendências acaloradas e mais dotado de senso crítico”, afirma a professora.

Enem e vestibulares

O professor de história Marcos Veiga, do Colégio Mary Ward, diz que o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e vestibulares podem cobrar neste ano conceitos relacionados à política, mesmo sem referência direta à crise. “Temas como a corrupção e a ética no cotidiano, o papel dos meios de comunicação e a ética da informação, a ética no debate político (como discutir política sem perder amigos e parentes) podem aparecer”, diz.

“O Enem tem exigido nos últimos anos uma postura humanista dos alunos, cobrando um posicionamento ao lado da legalidade, dos direitos humanos, do conhecimento a respeito de tratados internacionais, de preservação dos direitos individuais essenciais e da preservação da vida. Preparo os meus alunos para que se posicionem desta forma, com distanciamento crítico e com uma serenidade política”, afirma Veiga.