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De Cleópatra a cachorro destruidor: veja as mentiras que os alunos contam

Daniel Neri / Arte UOL
Imagem: Daniel Neri / Arte UOL

Janaina Garcia

Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/04/2016 06h00Atualizada em 01/04/2016 21h12

Você já inventou alguma desculpa para não entregar o trabalho na data marcada pelo professor, ou, por que não, para faltar a uma prova? Já caprichou na fantasia para convencê-lo de que aquelas duas últimas aulas de sexta-feira à noite não foram meticulosamente banidas em vão? Em caso de respostas afirmativas, sejamos francos: você já mentiu para o mestre, isso sim. Aliás, estaria ele próprio, o professor, imune à mentira – contada ou ouvida? Neste 1º abril, o UOL conversou com profissionais de escolas públicas e particulares de São Paulo sobre esse assunto que parece ser tão velho quanto alguns dos macetes (ainda) usados dentro e fora da sala por quem se julga tão (ou mais?) sabido quanto o professor.

Um desses casos é o do professor Claudio Bertolli Filho, de 59 anos, que leciona antropologia na Faculdade de Artes, Arquitetura e Comunicação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru (interior paulista).

Bertolli tem duas décadas só na instituição, mas está em atividade desde 1975 – tempo razoável, admitiu, para ouvir toda uma coleção de “mentiras sociais”, ele faz questão de destacar, dos alunos.

“Eu lecionava nas noites de sexta na turma em que uma aluna sempre faltava nas duas últimas aulas. Ela me dizia que era espírita e que, bem naquele dia, costumava ‘receber’ o espírito da Cleópatra ou alguma outra personalidade – eu reclamava que só baixava espírito de gente fina, nunca de um desconhecido ou de um escravo pobre”, contou.

Aluna baladeira e faltona alegava 'fobia social'

Sina ou não, anos depois o problema se repetiria com outra aluna, também na sexta, mas com outra, por assim dizer, ‘desculpa’ – até porque, eram as duas primeiras aulas da manhã. “Uma aluna faltava muito: de 15 aulas no semestre, por exemplo, atingiu incríveis 12 faltas. No último dia de aula, ela apareceu e pediu que eu abonasse as ausências. Alegou que sofria de fobia social e não podia ver gente”, lembrou o professor. “Mas acho que ela tinha uma desavença com a sala, porque a classe, em coro, começou a dizer que era mentira – ela ia para a balada e não aguentava...”, completou. Ela acabou reprovada.

E professor: mente?

“Ah, mente. Já vi professor que faltou em aula 8h alegando que estava doente, quando, na real, estava dormindo. Muitos anos atrás eu dava minhas desculpas, mas não na Unesp, quando estava muito apaixonado”, confessou o professor para emendar, rapidamente: “Mas a sociedade funciona inclusive a partir dessas mentiras sociais – que é o tipo de mentira que predomina, no ambiente acadêmico. Todo mundo sabe que o outro está mentindo, mas todo mundo finge que acredita – muito diferente das ditas mentiras maliciosas, tão presentes na política –para que uns possam ter uma vantagem em relação às demais pessoas”, comparou.

Trabalho não feito sobra até para o avô e o cachorro

Orientador vocacional de pré-vestibulandos no Colégio Bandeirantes, na capital paulista, e professor de história do Brasil, Roberto Nasser, de 66 anos, disse que já ouviu muita mentira relacionada a trabalho. Principalmente a trabalho não feito.

“É aluno que já me disse que o avô pediu para conferir a tarefa de casa e não devolveu – acredite: sobra até para o pobre do avô –, ou então aluno que pôs a culpa no cachorro que teria destruído o trabalho... Esse é o tipo de desculpa mais comum na faixa dos 12 aos 14 anos”, citou.

Agora, com os jovens pré-vestibulandos de 16, 17 ou 18 anos, o vilão da atenção e do professor é justamente quem atualizou os conceitos da mentira: o celular. “É aluno que jura que precisa ir ao banheiro, mas que sai, na verdade, para falar ao telefone; aluno que diz precisar ir ao ambulatório, quando vai, na verdade, falar no WhatsApp com amigo... Isso é uma praga: todos estão dependentes dessa tecnologia, que, quando se percebe que é mentira, é tarde, o aluno já saiu da sala.”

Uma muleta de anos a fio: o caderno ‘molhado’

Professora de geografia em duas escolas municipais do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo, Tereza Cristina Bessa, de 36 anos, está há 12 anos na ativa com alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental – meninos e meninas de 11 a 15 anos, em geral.

No caso dos mais velhos, de acordo com a professora, a malícia já impregnou as mentiras relacionadas à não apresentação de um trabalho no tempo definido. Mas impregnou, por assim dizer, de um jeito minimamente organizado: “Normalmente, se falta uma pessoa do grupo que apresentará o trabalho, os que comparecem delegam ao faltoso essa responsabilidade e ele assume isso depois. É algo combinado entre eles, sabemos disso”, constata.

Com os mais novos, a solução é um pouco mais ‘radical’: o próprio aluno falta quando chega a hora-agá da entrega. “Eles ainda não têm coragem, ou melhor, a malícia para elaborar a mentira em grupo”, disse Tereza.

Por outro lado, ela observou que o instrumento-chave de trabalho e de avaliação dos alunos é também a muleta preferida, nesses anos todos, de praticamente todas as turmas de alunos mais velhos em que lecionou.

“É um tal de ‘o caderno molhou’ bem no dia de avaliação das atividades. O caderno sempre molha e me dizem que vão passar tudo a limpo em um caderno novo – aí no dia seguinte vem o caderno antigo, com a lição feita, e uma capa que tenta transformar o dito cujo”, comentou Tereza. “Isso com os mais velhos. Os mais novos dizem que a irmã mais nova arrancou as folhas e foi aquela tragédia – mas eu mando um bilhete para os responsáveis dando ciência do ocorrido e estabelecendo prazo de entrega da tarefa, e, não raro, eles me escrevem de volta dizendo que, sim, o filho mentiu.”

Projeto na periferia aborda responsabilidade sobre as mentiras

Na Emef (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Sócrates Brasileiro, uma das unidades em que Tereza dá aula, a mentira e a responsabilidade sobre ela estão entre os nortes, por sinal, de um projeto político pedagógico que busca construir valores de cidadania nos alunos.

“Por essa iniciativa, os alunos aprendem que, por pior que seja, a verdade sempre deve ser dita. Isso permeia os conceitos de democratização que eles aprendem – e que envolvem ética, valores e moral no sentido de que devemos assumir nossas responsabilidades, e não jogá-las em outras pessoas”, explicou a professora.

Se a iniciativa tem dado resultados? "A prefeitura nos prometeu um terreno ao lado da escola para fazermos ali uma espécie de barracão cultural com um coletivo de alunos e professores que já temos. E é tudo de verdade, não só sonho."