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Em SC, gari vira professor de reciclagem nas horas vagas

Prefeitura de Florianópolis
Imagem: Prefeitura de Florianópolis

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

12/05/2016 06h00Atualizada em 12/05/2016 15h33

Sátiro dos Santos, 50, não cursou pedagogia. Mas suas aulas são as mais concorridas da Escola Básica Adotiva Liberato Valentim, uma escola pública em Florianópolis.

O gari ensina as crianças a transformarem o que foi descartado em brinquedo, caderno, acessório.

A Prefeitura de Florianópolis divulgou que as crianças fazem fila para se inscreverem.

Sátiro é o último de 33 irmãos. Nasceu em umas das favelas da capital catarinense. Órfão de mãe e pai aos noves anos precisou se virar.

Lavou carros, fez bicos. Na escola pisou descalço. E quando buscou distração, espiou a televisão do vizinho pelas frestas da casa de madeira. A infância foi dura. 

“Eu me sentia ultrajado, sabe? Ia para escola sem ter sapatos, sem ter comida. Riam do meu nome. Muitas crianças da Adotiva têm histórias parecidas. Sou amigo delas. Estou aqui para ensinar sobre a preservação do planeta, mas também para trabalhar a autoestima, para ouvi-las ”.

Há cinco anos, Sátiro corre o dia inteiro atrás do caminhão de lixo e no contraturno vira professor.

Leciona de camisa e sapato social, sinal da importância de seus alunos. Já ensinou mais de mil crianças.

Seu retorno financeiro serve para comprar material artístico.

Sua mulher parece feita da mesma essência. Rose trabalha 12 horas e à noite faz faculdade de psicologia. Os dois são casados há 30 anos, têm cinco filhos e cinco netos.

Sátiro - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Na comunidade onde vive atualmente, a Costeira do Pirajubaé, Sátiro é conhecido como Baleia, apesar de ser um homem pequeno e magro.

No ano passado, cada escola da Ilha escolheu um artista do Estado para homenagear durante a gincana. Quando foi trabalhar na Liberato Valentim a surpresa: todos vestiam camisetas “Tio Baleia”.

A arte veio antes do lixo. Na juventude, quando auxiliava as empreitadas como pedreiro, descobriu o mosaico. Coletou cerâmica pela cidade, fez pequenos quadrinhos de futebol até virar um artista sofisticado, que já estampou importantes edifícios em Florianópolis.

“Na minha casa eu tenho quatro mil revistas de arquitetura e design. Elas vieram do mundo inteiro. Dali tiro as minhas inspirações. São as minhas faculdades”.

A diretora da escola, Karla Christine Hermans da Silva defendeu que em Sátiro está a conjunção de qualidades que buscava.

“Ele é um personagem da Ilha, um artista e um agente ecológico. Além disso, é um parceiro da escola, ajuda nas feiras de ciências, nas festas juninas, está sempre de bom humor, sorrindo. Sua presença só agrega”, disse.

Nos conselhos de classe são definidas quais crianças serão encaminhadas para Sátiro. “Enviamos as com mais dificuldades porque percebemos que as oficinas são terapêuticas”, disse a diretora. 

Sátiro aprendeu duas lições fundamentais no seu meio século.

A primeira com o pai, quando se queixava de ser chamado como o fauno zombeteiro da mitologia romana. “Ele me dizia, não é o nome que faz o homem. É o homem que faz o nome. E é verdade”. A segunda foi com a vida. “Aprendi que a gente não perde nada sendo bom. Mas ganha amigos”. 

Jamile, 8 anos, é amiga de Sátiro. Na aula da semana passada, estava preocupada porque viu as propagandas publicitárias na televisão sobre o dia das mães. "Eu não tinha presente, mas o tio Baleia me ensinou a fazer esse bloquinho", disse.

A aluna foi a primeira a terminar a lição, correu para mostrar ao gari, quando ele exclamou "está muito lindo!", ela o abraçou e guardou o feito cuidadosamente na mochila, depois foi ajudar os colegas.

Sátiro a olhou com orgulho. "Essa menina é uma joia. É artista", concluiu.