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No RS, pais e professores também tomam lados durante ocupações de escolas

Alexandre Cardoso (à esq) participou do movimento estudantil na sua época. Agora, ele apoia a filha Gabriela Bitencourt Cardoso que participa de ocupação de escola - Lucas Azevedo/UOL
Alexandre Cardoso (à esq) participou do movimento estudantil na sua época. Agora, ele apoia a filha Gabriela Bitencourt Cardoso que participa de ocupação de escola Imagem: Lucas Azevedo/UOL

Lucas Azevedo

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

07/06/2016 19h18

Está enganado quem pensa que a onda de ocupações das escolas gaúchas pelos alunos, que entrou na sua quarta semana, é uma ação isolada dos estudantes. Pais e professores também participam da mobilização, tanto apoiando a causa em prol das reivindicações a serem atendidas pelo governo do Estado, quanto contra o fechamento dos portões e a suspensão das aulas.

Na Escola Estadual Agrônomo Pedro Pereira, no bairro Agronomia, na zona leste de Porto Alegre (RS), vem de casa o exemplo que estimula a aluna Gabriela Bitencourt Cardoso, 17 anos, a lutar pelo que acredita ser uma maior qualidade no ensino. Presidente do grêmio estudantil, ela conta que o pai, o vidraceiro Alexandre Cardoso, foi bastante atuante em sua época de aluno.

"Hoje ele faz parte do Conselho Escolar e apoia muito a nossa ocupação. Assim como outros pais, eles vêm pra cá, dão dicas, atuam nas rodas de conversas, tomam chimarrão e estão nos auxiliando muito", conta Gabriela, a estudante da 2ª série do Ensino Médio. Seu pai, ela conta, foi um dos primeiros a levar um rancho com mantimentos para os alunos na noite de ocupação.

Cardoso se diz surpreendido com o amadurecimento e envolvimento da filha. "No ano passado teve eleição na escola e ela decidiu fazer uma chapa e concorrer ao grêmio. Eles crescem muito rápido, hoje em dia. E eu dou liberdade."

Cardoso se vê na filha quando adolescente. "Eu estudava no Julinho [Colégio Estadual Júlio de Castilhos, também em Porto Alegre] no início da década de 1980 e participava ativamente em passeatas e paralisações. A gente lutava por coisas básicas. A a luta, hoje, está bem mais profunda. Eles estão brigando por lei, por direitos da Educação que estão no papel mas não são cumpridos. A ocupações podem ser um problema, mas fazer o que? Se não incomodar, também não adianta."

Outro estímulo dos ocupantes é a presença dos professores, que também estão em greve. Exemplo desse apoio é o sociólogo Jorge Nogueira, 35 anos, que sempre que possível fica na escola, inclusive durante a madrugada, para participar das atividades propostas pelos alunos.

O docente comemora o espírito ativo, pois, segundo ele, os estudantes estão desconstruído a imagem errada de que são uma geração apática e virtual, porque todos têm muita consciência política. "Outro viés importante é que eles estão transformando a escola de dentro para fora, pois farão com que os docentes repensem o formato das aulas e as abordagens propostas."

A ocupação da Pedro Pereira, que tem 1.120 alunos, deve completar um mês no próximo dia 11. Mesmo com o aceno e a proposta do governo do RS, a desocupação das escolas parece estar longe de acontecer.

"Há muita precarização na educação brasileira. Aqui, por exemplo, faltam professores, desde o início do ano de História, Geografia, Matemática, os banheiros masculinos estão estragados há meses e têm canos d' água estourados", quantifica Gabriela, que pretende cursar a faculdade de Moda.

Para garantir a viabilidade da ocupação, os militantes se revezam nas funções de limpeza, comunicação, segurança e atividades diversas. Segundo eles, a direção, dentro do possível, tem dado liberdade. Mas, sobretudo, o maior apoio vem da comunidade, dos pais e dos acadêmicos da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e da Pucrs (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

"Apesar de estarmos na periferia, também estamos localizados entre as duas instituições e eles vêm aqui para dar aula sobre política como no Golpe de 1964, feminismo, comunicação, esporte e identidade de gênero. São aulas em círculo, não no formato professor-aluno. Há mais participação de todos os lados. Além disso, há ajuda com mantimentos não perecíveis, cobertores e colchões", destaca Gabriela.

Contra ocupações

Por outro lado, existem professores que não aderiram à greve da categoria - iniciada em 16 de maio - e que gostaria de retornar às aulas. Durante a produção desta matéria, a reportagem do UOL presenciou alguns docentes tentando voltar às escolas, mas não conseguindo devido às ocupações.

Mas há também pais inconformados com o fechamento das instituições por parte dos alunos. Após inúmeras tentativas de diálogo com os alunos que ocupam o Colégio Estadual Paula Soares, no centro de Porto Alegre, Rosângela Lenz, juntamente com outras mães, recorreu à Justiça para garantir que a filha e os professores grevistas tenham acesso à instituição.

"Eu já não trato mais como ocupação, mas como invasão. As reivindicações, que eram justas, perderam a legitimidade quando impediram que docentes e estudantes pudessem estudar. Alguns já não sabem por que estão participando do movimento. Eles extrapolaram e por isso acionamos o Poder Judiciário para que uma liminar garanta, pacificamente, o direito de todos", diz a mãe da aluna do 7º ano do Ensino Fundamental.

Rosângela comenta que o conteúdo que deixou de ser dado por quase um mês não será recuperado em tempo hábil. Ela sustenta que menos de duas dezenas de alunos do Paula Soares, de um universo de 900, fazem parte da manifestação. Além disso, há muitos docentes que desejam dar aula e são impedidos.

"Pela lei, somos responsáveis pela educação de nossos filhos, somos cobrados juridicamente por isso. Minha filha tem o direito de ter aula, assim como o pessoal do Ensino Médio e de cursos técnicos que querem fazer Enem e o vestibular. Eles também precisam ser respeitados. Tentamos conversar, mas não tivemos êxito, agora é com a Justiça", reclama, ao declarar que tem o apoio de grande parte da comunidade, principalmente dos que participam do Conselho Escolar e visitam periodicamente as escolas para finalizar o embate que tem prejudicado a todos.

Até a tarde desta terça-fera, a Justiça não havia se manifestado sobre a liminar requerida pelos pais contra as ocupações.

Já na tarde dessa segunda-feira, estudantes entraram na Justiça para impedir uma possível reintegração de posse, manobra não descartada pelo governo estadual. A ação foi protocolada na Vara Adjunta de Conciliação Pré-Processual pela Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), pela Uges (União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas) e pela Umespa (União Metropolitana dos Estudante Secundaristas de Porto Alegre).

A Secretaria de Educação informa que, nesta terça, o secretário Luís Alcoba de Freitas visitou algumas escolas da capital entregando uma carta-compromisso, do governo do Estado,na qual esclarece sete pontos principais da pauta apresentada pelos estudantes. Entre os itens está o compromisso de depositar 40 milhões de reais na conta das escolas que precisam de reparos urgentes. Os recursos são provenientes de empréstimos tomados junto ao Bird (Banco Mundial). "Com esta ação demonstramos a boa vontade do governo do Estado de conversar com os alunos e realizar a entrega formal das propostas", afirmou Alcoba.