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Nome social é curativo, e tentam nos tirar esse direito, diz aluno trans

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Glauber Gonçalves

Colaboração para o UOL, no Rio de Janeiro

08/06/2016 14h25Atualizada em 08/06/2016 17h25

Ao receber a lista de presença para assiná-la, o estudante trans A. R., 16 anos, constatou, mais uma vez, decepcionado, que o nome com o qual se identifica há quase um ano não estava lá. O que aconteceu em seguida, porém, deixou-o surpreso. Ao perceberem a frustração do colega, os demais alunos do 9º ano do ensino fundamental do Colégio Pedro II, na Tijuca, Zona Norte do Rio, resolveram protestar: assinaram todos a lista de presença com o nome do amigo.

“Fiquei muito feliz e emocionado. Não esperava tanto apoio de uma turma. Mas eles me ajudaram muito”, diz o estudante. Após o episódio, o colégio federal emitiu um comunicado na semana passada informando que passou a reconhecer o uso do nome social. Depois de finalmente receber a caderneta - documento utilizado pelos estudantes da instituição - com seu nome grafado, A. se considera vitorioso, mas comemora a conquista com comedimento.

“Essa não é mais do que a obrigação deles [da escola] porque os direitos humanos são universais. A partir do momento em que eu não me identifico com o meu nome de registro, e eu desejo ser chamado por outro, o meu nome é esse outro. Não atenderem a isso é muito desumano e cruel, é praticamente dizer que eu não sou uma pessoa”, comenta.

O estudante passou a exigir o reconhecimento do nome social após tomar conhecimento da Resolução nº 12 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, da Secretaria de Direitos Humanos, de março de 2015. O texto determina que instituições de ensino garantam a adoção do nome social àqueles “cuja identificação civil não reflita adequadamente sua identidade de gênero”.

Apoio dos professores e colegas

Embora a obtenção do reconhecimento do seu nome social não tenha sido tão simples, A. diz ter recebido apoio da maioria dos professores e colegas desde que, em junho de 2015, assumiu sua nova identidade de gênero. De imediato, de um total de 12 docentes, 11 passaram a chamá-lo pelo nome social, relata. Emocionalmente abalado, o estudante chegou a abandonar a aula do único professor que resistia em reconhecer sua identidade masculina. Com o apoio dos colegas, porém, ele conta que o problema foi resolvido.

Para trocar o uniforme prescrito às meninas - saia três quartos e blusa decotada -, que tanto o incomodava, pela calça e camisa com gola comum, A. não teve empecilhos: a direção da escola prontamente externou consentimento. No entanto, o nome que já não o representava mais, continuava lá, na caderneta escolar.

“É como se te chamassem e você não soubesse que é você. Porque eu desliguei a minha imagem do meu nome antigo completamente, eu não consigo me chamar por aquele nome [...]. Eu pensava: ‘Quem é esta pessoa? Ela não está aqui’. Eu ficava vários minutos diante da prova, pensando em como eu deveria assiná-la”, lembra.

O estudante chegou a fazer um requerimento formal à escola, escrito com o apoio de professores, no qual pedia o reconhecimento do nome social. Diante da demora em obter uma resposta, a turma de A. respondeu com o protesto na lista de presença, que parece ter surtido efeito. “A direção entrou em colapso e no dia seguinte já tinham mudado [o nome]”, diz o estudante, explicando que não precisou de autorização dos responsáveis para ter a requisição atendida pela instituição. “Eu passei a utilizar [o nome social] e minha mãe só percebeu depois que já estava tudo certo.”

“Tentam nos tirar esse minidireito”, diz aluno

As ameaças aos avanços na garantia dos direitos da população LGBT, no entanto, preocupam o estudante. Este mês, deputados de dez partidos apresentaram um projeto para suspender o direito de transexuais e travestis a usarem o nome social nos órgãos públicos do governo federal, conforme estabelecido por decreto assinado em abril pela então presidente Dilma Rousseff, afastada temporariamente por conta do processo de impeachment.

“O nome social é como um bandaid em uma ferida enorme porque o ideal seria facilitar o processo de mudança de documento, que é uma burocracia enorme. E ainda assim tentam tirar da gente esse minidireito, uma carteira com um nome social que não é nem uma identidade”, afirma. “Eu fico muito assustado com isso: é 2016 e eu tive que lutar para assinar o meu nome na prova, que é uma coisa muito básica.”

Para o professor de Geografia Thiago Bogossian, do Colégio Pedro II, o reconhecimento do nome social garante mais inclusão e respeito à diversidade no ambiente escolar e aumenta a possibilidade de estudantes transgêneros concluírem os estudos. “A taxa de evasão dos alunos transgêneros no Brasil é muito elevada. Muitos alunos transgêneros, quando ficam adultos, acabam escolhendo o caminho da prostituição e do uso de drogas. Diversos não terminam a escola porque não são aceitos”, afirma.

Na avaliação dele, a luta dos estudantes e dos professores pela garantia do uso do nome social abre espaço para que outros alunos transgêneros possam assumir sua identidade. “É uma porta que se abriu. Outros alunos que estão na mesma situação vão olhar para esses casos. A escola está dando um passo no sentido de reconhecer a existência dessas pessoas e o direito de elas serem quem elas querem ser”, diz