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Marxismo, a disciplina na qual todo universitário chinês deve ser aprovado

Karl Marx - Wikimedia Commons
Karl Marx Imagem: Wikimedia Commons

Javier Borràs

Em Pequim

19/06/2016 08h09

Ser aprovado na disciplina obrigatória sobre marxismo é essencial para obter um titulo universitário na China, onde o socialismo teórico perde fôlego entre os jovens, mas continua sendo a base ideológica da legenda no poder, o Partido Comunista da China (PCCh).

"É chata, não é útil e é uma perda de tempo" afirmou categoricamente um estudante de primeiro ano de Guangzhou, que prefere se manter no anonimato. "Quase 99% dos estudantes pensa igual. Não tem outra utilidade que não memorizar para o exame".

Muitos estudantes chineses ignoram esta disciplina: aceitam que devem fazê-la para terminar a universidade, mas não veem nela utilidades práticas.

Nas aulas, segundo os estudantes, os alunos prestam pouca atenção e repassam conteúdos de outras disciplinas em seus aparelhos eletrônicos, enquanto o professor explica história chinesa e ideologia marxista, conceitos com os quais os alunos estão familiarizados desde o ensino médio.

"Para ser honesta, não acredito que seja uma disciplina útil. Simplesmente é obrigatória", opinou uma aluna de primeiro ano de uma importante universidade de Pequim, embora, em seu caso, a aprendizagem sobre teoria marxista não vá terminar tão cedo. "Quero ser parte do PCCh, portanto tenho que estudar as leituras políticas essenciais", destacou.

Para outro estudante entrevistado pela agência de notícias Efe, Huang Yuwei, que faz mestrado na Universidade Normal de Xangai, o fator principal é o professor.

O seu, por exemplo, gera interesse entre os estudantes e Huang considera que, graças a esta matéria, agora se preocupa mais com "o que meu país está fazendo e por que" e com as mudanças sociais em processo.

Um ponto de vista com o qual concorda Irene Torca, estudante espanhola da Universidade de Finanças e Economia de Xangai. "É uma das disciplinas mais interessantes que fiz", contou, assegurando que lhe serviu para entender melhor a sociedade chinesa: "Às vezes aprendo mais sobre China nesta aula que lendo na imprensa".

Irene explicou que nas aulas se fomenta o debate - especialmente sobre assuntos econômicos - e há espaço para criticar à China, embora o professor lhes peça para fundamentar suas opiniões em artigos acadêmicos, com rigor.

Apesar de tudo, o conteúdo desta disciplina obrigatória é sensível: só um aluno chinês dos entrevistados quis publicar seu nome e os dois professores de uma universidade de Xangai com os quais a Efe falou também preferiram o anonimato.

Ambos acreditam que esta disciplina deve continuar sendo obrigatória e um deles considera, além disso, que o desapego dos alunos não deve ser um critério a ser levado em conta.

"Todos têm pouco interesse em disciplinas difíceis que requerem tempo e energia, como a matemática. Apesar disso, devem estudá-las", ressaltou.

Os dois concordam que a disciplina serve para ensinar a ideologia do governo, mas não em termos doutrinários.

Os acadêmicos marxistas na China são cada vez mais raros. Segundo o jornal oficial "Global Times", cada vez há menos pessoas com os conhecimentos essenciais de filosofia, economia e idiomas (alemão ou russo, por exemplo) para poder estudar o marxismo, mas há bastante dinheiro disponível para investir nestes estudos.

Pequim, por exemplo, lançou no ano passado o primeiro Congresso Mundial de Marxismo, com 400 acadêmicos de todo o mundo, e atualmente constrói o fundo acadêmico Ma Zang de textos sobre marxismo, com um investimento de 152 milhões de iuanes (cerca de R$ 83 milhões).

O fenômeno vai além da China: a universidade Tsinghua lançou um curso gratuito pela internet através da famosa plataforma virtual EDX, no qual - segundo dados de há um ano - 100.000 pessoas em todo o mundo estudavam "Introdução ao pensamento de Mao Tsé-tung".

Marxistas chineses alertaram para a marginalização desta teoria nas universidades do país, em uma batalha entre a ideologia legitimada pelo partido no governo e correntes de outro tipo, sejam conservadoras liberais ou religiosas, que ganham força e questionam o relato socialista.

No começo do ano, o ministro da Educação chinês, Iuane Guiren, garantiu que os livros que promovem "valores ocidentais" ou "difamam" o PCCh não seriam aceitos nas salas de aula universitárias.

Pouco antes, a agência oficial de imprensa "Xinhua" publicou um decreto do PCCh que pedia para as universidades "fortalecer a convicção nos ideais adequados".

A China, à sua maneira, continua sendo marxista.