Topo

Polícia investiga 'trote' em aluno que fez vaquinha para estudar no Canadá

Denis e a família antes de embarcar pela primeira vez ao Canadá, quando foi selecionado num programa de intercâmbio do governo de PE - Ademar Filho/Governo de Pernambuco
Denis e a família antes de embarcar pela primeira vez ao Canadá, quando foi selecionado num programa de intercâmbio do governo de PE Imagem: Ademar Filho/Governo de Pernambuco

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

12/07/2016 13h27Atualizada em 15/07/2016 16h11

A Polícia Civil de Pernambuco vai investigar um suposto trote recebido por um estudante do ensino médio de Ribeirão (a 88 km do Recife). Depois de se inscrever para tentar vaga em universidades do Canadá, Denis José da Silva, 17, recebeu um e-mail, no final do mês passado, com a suposta confirmação da aprovação e concessão de uma bolsa de estudos para o curso de medicina na "Manitoba University". Nessa segunda-feira (11), foi descoberto que o e-mail era falso.

Ex-morador de rua, Denis lançou uma campanha para pedir recursos e custear a passagem, alimentação durante o trajeto e roupas de frio no Canadá. Por um site de doações, o “Vakinha”, foram arrecadados R$ 29.602,71 até o meio dia desta terça-feira (12). A meta do estudante era arrecadar R$ 8 mil. Ele diz que vai devolver todo o dinheiro doado.

O pedido de investigação policial do caso foi feito pela Secretaria Estadual de Educação, que percebeu incoerências nas informações do e-mail recebido pelo estudante que confirmaria a aprovação.

“Quando fizemos a primeira pesquisa sobre a universidade, para ver qual a qualificação dela, percebemos que o nome no e-mail não tinha nenhuma referência nenhuma no Google. Aí acendeu uma luz de alerta. Havia uma com nome parecido, mas com logotipo diferente”, explicou Renata Serpa, superintendente do programa Ganhe o Mundo, da secretaria estadual de educação. Foi por esse programa de intercâmbio que, ano passado, Denis foi o único da escola e passou cinco meses (entre setembro de 2015 e início de fevereiro de 2016) na cidade de Killarney, no Canadá, para estudar inglês. As despesas foram custeadas pela secretaria.

Polícia investiga 'trote' em aluno que fez vaquinha para estudar no Canadá - Reprodução - Reprodução
Denis trocou emails com uma suposta representante da universidade. À esq., ela fala sobre a aprovação. Na imagem ao lado, ela revela "brincadeira"
Imagem: Reprodução

No e-mail, havia o nome “Manitoba University” – mas a instituição que existe, no Canadá, é a “University of Manitoba”. Denis contou que, durante intercâmbio patrocinado pelo governo no Canadá (entre setembro de 2015 e início de fevereiro de 2016), fez inscrição em duas instituições quando participava de uma feira da escola onde estudava, na cidade de Killarney, no Canadá: na Brandon University e na University of Manitoba.

Mais suspeitas

Ainda segundo Serpa, outros fatores chamaram a atenção dela, como o valor informado da bolsa, de 180 mil dólares canadenses, muito acima da média de outras bolsas concedidas, bem como o nome da instituição que concederia o benefício - que seria de um fundo que atua nos EUA, e não no Canadá.
A história começou a ser esclarecida na sexta-feira (8). Serpa foi a Ribeirão procurar o jovem. Junto com os gestores da escola onde estuda, a superintendente pediu para que ele acessasse o e-mail. Na sequência, enviaram uma resposta, em inglês, pedindo dados complementares da instituição e informações como o número de matrícula –necessário para solicitar um novo visto de estudos no Canadá, já que, ano passado,

"Quando foi ontem [segunda-feira, 11], ele me procurou e disse: 'eles mandaram resposta. Fui enganado, o que eu faço agora?' Foi um choque essa resposta, que foi até grossa, disse que ele era bobo por ter acreditado. A primeira providência que orientei foi que ele não usasse esse dinheiro doado e informasse que vai devolver tudo. Foi aí que a secretaria decidiu buscar ajuda em um órgão competente [a Secretaria de Defesa Social], para saber se alguém foi lesado e que havia uma suspeita de fraude”, disse.

Logo após a conversa com a gerente, Denis publicou um comunicado na página do Facebook que criou, “Rumo ao Canadá”, informando que teria sido enganado e que vai devolver o dinheiro arrecadado com doações para sua viagem. Nesta terça, ele publicou instruções de como cancelar a doação no site.

Segundo Renata Serpa, o caso do estudante é inédito e “muito inusitado”. Ela conta que o programa já enviou 4.500 estudantes ao exterior para intercâmbio em quatro edições. Para ser selecionado, é preciso passar por uma rigorosa avaliação e ter excelentes notas no ensino médio.

A superintendente diz ainda que é comum estudantes participarem das feiras em escolas dos EUA ou do Canadá, como fez Denis, para tentar vagas em universidades; e que já houve casos de aprovação após os intercâmbios do programa. “Temos cinco casos específicos. Umas das jovens está cursando medicina em Harvard, nos EUA. Mas isso foge do nosso escopo, pois as inscrições são atos dos próprios estudantes”, contou.

Serpa diz que o episódio deixa uma lição, caso tenha sido realmente um trote com o jovem. “Fica o alerta para que os estudantes procurem informações, chequem tudo antes de tomar as decisões. São milhares de universidades fora do país. Ao se inscrever e receber e-mail, a primeira coisa que deve procurar saber é sobre a reputação daquela instituição”, disse.

Devolução e nova tentativa

Procurado pelo UOL, Denis afirmou que foi vítima de uma "brincadeira” e prometeu devolver todos os recursos recebidos por doações. “Eu queria pedir que divulgassem o link da página e pedir para quem doou entrar em contato para informar como devolver o dinheiro”, explicou.

Questionado se teria a suspeita de quem faria uma brincadeira com ele, disse não ter qualquer pista. “Não sei. Eu falo a muitas pessoas que tenho essa vontade, também divulgo meu e-mail em sites para receber material de estudo e faço inscrição em várias universidades”, mencionou.

Após o episódio, o jovem disse que pretende continuar tentando ingressar em uma universidade para estudar medicina, seja no Brasil ou no exterior. “Não vou desistir. Vou tentar ainda no Canadá e, se não der, vou tentar o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio] aqui”, finalizou.

A reportagem fez contato com administradores do Vakinha -- uma funcionária disse que a plaforma já tinha "conhecimento sobre o caso" de Denis e afirmou que a empresa se manifestaria sobre o assunto. Até esta sexta (15), porém, não houve um posicionamento -- nem novos telefonemas feitos pelo UOL à empresa foram atendidos. 

A University of Manitoba também foi contatada e informou na terça que analisaria o suposto comunicado de matrícula junto à Faculdade de Medicina. Até esta sexta, porém, também a instituição não se pronunciou a respeito.