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Aluno de enfermagem em situação de rua consegue emprego em hospital de SP

O estudante de enfermagem Alderico Ferreira de Jesus começa a trabalhar semana que vem em um hospital privado em São Paulo - Arquivo pessoal
O estudante de enfermagem Alderico Ferreira de Jesus começa a trabalhar semana que vem em um hospital privado em São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

18/08/2016 18h55Atualizada em 24/08/2016 13h00

No último dia 9, o UOL contou a história de Alderico Ferreira de Jesus, 57, formando de enfermagem em São Paulo que vive em situação de rua há pelo menos cinco meses. Na ocasião, o estudante baiano pediu ajuda na forma não de dinheiro, mas de um emprego que, segundo ele, o ajudasse a “viver” – especialmente para pagar por um lugar onde pudesse morar. Alderico cola grau no próximo dia 28, e, ao que parece, um pouco mais aliviado: ele começa a trabalhar nos próximos dias.

O estudante contou que logo depois que o caso dele veio a público – primeiro, nas redes sociais do padre e militante de direitos humanos Júlio Lancelotti; em seguida, pela reportagem –, algumas propostas de seleção para vagas começaram a aparecer.

Em uma delas, foi chamado para conversar no hospital de alta complexidade Igesp, da rede privada, e ali passou por uma seleção a um cargo de técnico administrativo. Como ainda não se formou e não tem inscrição no Coren (Conselho Regional de Enfermagem), ele não pode pleitear vaga de enfermeiro.

“Passei por todos os trâmites de um processo seletivo – da chefia de enfermagem à psicóloga e ao advogado da empresa. Expliquei os problemas que me levaram à situação de rua, como cheguei à faculdade e como venho tentando me manter”, disse Alderico.

Ele conseguiu vaga em universidade privada, há cinco anos, graças ao Fies (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior). Durante o curso, trabalhava em uma entidade filantrópica como agente de acolhida e encaminhamento de pessoas em situação de rua a serviços públicos, mas foi demitido após sete anos de trabalho -- e a mais de cinco meses do fim da faculdade. Quando o dinheiro do acerto acabou, ele tentou outros empregos, não conseguiu e foi despejado da casa onde morava, no extremo leste de São Paulo.

O que ele espera daqui em diante? “Eu fico um tempo em casas de assistência até conseguir o suficiente para pagar um aluguel – acho que em dois ou três meses, no máximo, eu consigo. Um emprego era tudo do que eu precisava; de repente eu estava em uma situação ruim, e agora me vejo mais seguro e preparado para a vida. Até minha autoestima subiu um pouquinho”, contou.

Alderico recebe hoje pouco mais de R$ 80 pelo programa federal Bolsa Família, mas é pelo emprego novo que ele vai pagar os mais de R$ 260 da inscrição do Coren assim que se formar. “Já tenho conhecimento teórico, agora, é hora de, aos poucos, eu aprender na prática. É o começo de uma nova fase como profissional, uma realização – e isso mostra para mim, eu acho, que valeu a força ter lutado até aqui.”

"Só pela luta dele até aqui, já é um vencedor", diz médico

Presidente do hospital onde Alderico vai trabalhar, o médico Julio César de Machado Lobato contou que o estudante começa na semana que vem, em área administrativa, até estar apto, perante a lei, a exercer a enfermagem – só então ele poderá participar de seleção para esse tipo de vaga.

“Vimos a oportunidade de introduzir socialmente um cidadão. Quando a pessoa vai para a rua, a principal coisa que ela perde é a dignidade – e com o Alderico vimos que era possível fazer essa conquista de volta”, justificou.

Lobato disse que lamenta a falta de oportunidades, mesmo no meio empresarial, a pessoas em situação de vulnerabilidade como Alderico.

“Infelizmente, no nosso país, não se dão muitas oportunidades a essas pessoas; seria nossa chance de conseguir uma ‘medalha de ouro’ por outros méritos. No caso dele, nos chamou a atenção que era alguém disposto a entrar na área da saúde sem oportunidade alguma – só pela luta dele até aqui, já é um vencedor. Ele tem que ter uma chance”, definiu Lobato, que concluiu: “Para o nosso hospital, ter o Alderico vai ser um ganho, como vai ser para ele. Como ser humano, é a oportunidade também que a gente tem de botar o pé no chão e olhar para quem está embaixo – muita gente na rua só precisa de uma oportunidade, mas o preconceito, infelizmente, ainda é muito grande.”

De manhã, Alderico ainda estava em busca de um conjunto com blaser e sapatos para participar da colação de grau no final do mês. No final do dia, ele experimentou algumas peças que já haviam sido doadas há tempos à Paróquia São Miguel Arcanjo, na Mooca (zona leste), e conseguiu superar mais essa etapa. Agora, só falta o canudo nas mãos.