Serei o primeiro da família a me formar, diz bolsista do Prouni
Gerson Saldanha, 26, está na correria para finalizar o seu trabalho de conclusão de curso. A tensão e a corrida contra o tempo o acompanham na busca pela entrega da “monografia perfeita”. Quem já passou por isso --ou acompanhou de perto o processo-- sabe que o período é complicado. Apesar disso, o jovem nascido em Mesquita, região metropolitana do Rio de Janeiro, não tira o sorriso do rosto.
Logo mais, Saldanha vai comemorar a formatura em relações internacionais. Mais que isso. O jovem considera que vai materializar a conquista de toda sua família. “Vou ser o primeiro a se formar. Minha avó teve nove filhos e tem dez netos. Mas eu sou o único que vai concluir o ensino superior”, disse, orgulhoso.
Chegar até aqui só foi possível por causa da própria teimosia e de um pouco de sorte, brinca o estudante. Depois estudar em escolas públicas, seguir carreira militar e ficar mais de três anos longe dos livros escolares, o jovem retomou os estudos para o vestibular e, em 2012, conseguiu obter uma média suficiente no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para receber uma bolsa integral do Prouni (Programa Universidade para Todos).
“Acho que nunca ia desistir do meu sonho. Sou meio teimoso. Mas, se não fosse a bolsa, eu demoraria muito para entrar na faculdade. Consegui entrar já com 22 anos, imagina se tivesse que esperar ter dinheiro para pagar”, comenta.
Conselho de pai e de mãe
Saldanha foi aluno de escolas públicas durante toda a vida escolar e ouviu muito de seus pais que deveria persistir nos estudos. O pai trabalha há anos como pedreiro e só pôde estudar até a quinta série (hoje quarto ano) do ensino fundamental. Já a mãe, hoje dona de casa, trabalhou por anos como cuidadora de uma senhora do bairro, mas só estudou até o segundo ano do ensino médio.
Meus pais sempre me incentivaram. Eles diziam: você vai ter que fazer faculdade! Vamos estudar. Cheguei até aqui por causa deles.
“Quando era bem mais novo, não tinha muito talento com o futebol. Aí, minha mãe dizia: ‘Se não tem talento para o futebol, vai estudar! Ser alguma coisa na vida’. Foi o que eu fiz”, lembra o jovem, dando gargalhadas. “Meus pais sempre foram incentivadores. Eles diziam: ‘Você vai ter que fazer faculdade, vamos estudar’. Se estou aqui hoje, é por causa deles. Minha mãe sempre foi aquele tipo que exigia o calendário de provas e pendurava na geladeira.”
O incentivo mostrou resultado. Logo no primeiro ano do ensino médio --aos 15 anos--, Saldanha colocou na cabeça que precisaria fazer cursinho pré-vestibular se quisesse passar em uma universidade. Então se matriculou num curso comunitário oferecido pela igreja da região em que morava e começou a maratona de estudos. “Não sei se sou meio doido, mas sempre pensei muito na frente.”
Depois de três longos anos de preparo, Saldanha não conseguiu ser aprovado. O fato de ter “tomado bomba” em todos os vestibulares em 2008, ao final do ensino médio --como Uerj, UFRJ, UFF-- fez com que ele visse na carreira militar uma oportunidade de poder contribuir com as contas de casa. O sonho de fazer faculdade estaria adiado, pelo menos por ora.
No mesmo ano, fez a prova da Marinha e passou. Morou no Espírito Santo por cerca de um ano e foi trabalhar num porta-aviões. Apesar de feliz no cargo e com um salário que conseguia ajudar os pais, a vontade de fazer relações internacionais não o largava. “Lá tinha uma galera da França e eu tentava falar inglês com eles. Achava massa.”
Saldanha achou melhor continuar na carreira militar. Concluiu o tempo mínimo como soldado, fez o curso de formação de cabo especialista em barbearia e começou a trabalhar como barbeiro na Escola de Tenentes da Marinha, em 2009.
Naquele mesmo ano, decidiu que o momento de retomar o desejo antigo havia chegado. Apesar de determinado, surgia um novo desafio: a falta de tempo para se preparar para as provas dos vestibulares. “Antes eu não tinha dinheiro, mas tinha tempo para estudar. Na Marinha, eu tinha salário, só que não sobrava tempo.”
A solução? Foi começar a estudar por conta própria em todo o tempo que sobrava entre uma atividade e outra. Os anos seguintes foram de tentativa atrás de tentativa. Só em 2012 Saldanha conseguiu uma média suficiente para ser aprovado no curso de relações internacionais de uma faculdade particular no Rio de Janeiro.
De lá para cá, foram só realizações e muito trabalho, considera Saldanha. “Estou quase me formando e não estou acreditando nem que consegui entrar na faculdade. Almejei tanto esse sonho. Tenho voltado muito no tempo, refletido muito. Só tenho a agradecer.”
O que você leva na bagagem?
A ideia de desbravar o desconhecido e aprender coisas novas sempre esteve presente na vida de Gerson Saldanha. Ele cresceu ouvindo a mãe falar sobre o significado de seu nome: estrangeiro. E por que não viajante?
Talvez tenha sido esse motivo que fez com que o rapaz ainda criança começasse a se interessar por outras línguas. O inglês foi o primeiro idioma que chamou a atenção do estudante. Viajar para fora do Brasil não era uma opção na época, mas isso não o desanimou.
“Eu não podia pagar um curso de inglês, mas eu queria saber mais. Então estudava com livros do pessoal do bairro, dos filhos dos patrões do meu pai. Aí ganhei um curso num concurso de jornal. Você colecionava 30 selos e podia fazer 30 dias de aula. Juntei e estudei os 30 dias”, lembra.
Foi só aos 23 anos que o jovem pode fazer um verdadeiro curso de inglês. Graças a sua habilidade com a escrita, Saldanha ganhou uma das etapas de um concurso de um jornal local. O prêmio foi uma viagem para Seattle, nos Estados Unidos, com tudo pago.
“Queriam que respondesse da forma mais criativa possível o que você leva na bagagem. Pensei e resolvi tentar. Naquele dia, cheguei em casa quase meia-noite e escrevi minha redação”, lembra. “Fiquei três semanas em Seattle (EUA) fazendo um curso de inglês. Foi incrível. Tudo o que eu sempre sonhei. Conversar com gringo, falar inglês, viajar.”
Saldanha voltou da experiência diferente. Começou a pesquisar uma forma de fazer intercâmbio de graça.
Passou a visitar escolas do seu bairro e contar sua história. Com base na experiência pessoal, escreveu um livro e o disponibilizou gratuitamente na internet, com o título “O que Eu Trouxe na Minha Bagagem”.
“Em uma semana, teve mais de 5.000 visualizações. Fiquei muito feliz. Foi aí que decidi sair da Marinha. Dei baixa e foquei no projeto. Comecei a dar mais palestras em escolas e a usar o livro como porta de entrada.”
Agora, com a proximidade da formatura, Saldanha quer continuar com o projeto e realizar outros projetos de educação. “A educação representa tudo. É como uma pecinha de Lego. Você pode pegar uma e montar o que você quiser. A educação transforma você em qualquer coisa. Olha o que ela fez comigo.”
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