Crise na Uerj faz alunos bancarem estadia no Rio para não se formarem
Sem aulas desde dezembro do ano passado, devido à falta de recursos para manutenção do campus e ao atraso no salário de professores e terceirizados, alunos da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) relatam como a crise da instituição tem atrapalhado o ingresso no mercado de trabalho com expressões como "revoltante" e "muito chato", além de lamentarem não saber quando irão se formar.
É o caso da estudante de relações públicas Ana Clara Camardella, 23. Ela entrou na Uerj no primeiro semestre de 2013 e deveria ter se formado em dezembro do ano passado. No entanto, por causa das paralisações, não conseguiu concluir a faculdade e diz estar muito preocupada com a possibilidade de encerrarem seu contrato de estágio.
"Faço estágio em uma start-up de cursos online. Ainda preciso da ajuda dos meus pais para pagar o aluguel e as contas do apartamento onde moro com outras estudantes. Minha família é de Teresópolis (RJ) e tem que ficar mandando dinheiro para mim", conta. "Já podia ter sido efetivada no trabalho e ganhar um salário melhor, mas o governo do Rio não deixa eu me formar."
"Amigos avançando, e a gente continua estagnado"
A história de Ana Clara se repete na família de Thais Goulart, 22, que também faz relações públicas. Ela morava em São José dos Campos, no interior de São Paulo, e deixou a casa dos pais para estudar na Uerj. A estudante gasta por mês cerca de R$ 1.500 para se manter no Rio. Ela calcula que, desde que a faculdade paralisou as aulas, já foram gastos mais de R$ 10 mil para não conseguir estudar.
"O gasto para morar numa cidade grande é muito alto. A minha família me ajuda a me manter no Rio para estudar, mas eu não tenho aula desde o ano passado. O descaso do Estado é revoltante. É triste ver a Uerj chegar a este ponto. Não tem água, não tem papel higiênico, não tem o básico. Estamos vendo a Uerj definhar diante dos nossos olhos. "
Aluna do curso de direito, Mariana Costa, 21, estava com a formatura prevista para o final deste ano. "Nem sei mais quando vou me formar. Não tenho mais previsão. Se continuar assim, talvez só ano que vem. É muito chato isso. A gente vê amigos de outras faculdades avançando e a gente da Uerj continua estagnado. Já perdi várias aulas por causa de falta de luz. Não temos estrutura", disse ela, que cursa o sétimo período.
Caio Miranda, 23, é mais um aluno que sofre com as incertezas. Ele deveria concluir a faculdade até agosto deste ano. No entanto, como as aulas não foram retomadas, ele diz que é preciso ter paciência. "Eu divido as contas da casa com a minha mãe. Fica 50% das despesas para cada um. Com o atraso na formatura, não consigo deixar de ser estagiário. Preciso me ajustar de acordo com a Uerj."
Por causa da crise da instituição, 700 alunos já pediram transferência da universidade. Caio de Mello, aluno do terceiro ano do ensino médio e que vai fazer o Enem neste ano, sonhava em ingressar na Uerj, mas agora tem dúvidas.
"Eu não sei mais se é um bom negócio passar no vestibular da Uerj", afirma Mello. "Eu acompanho pelo jornal, a situação está um caos por lá. Pessoal sem aula. Meus pais não têm dinheiro para bancar uma PUC, então o que me resta é tentar pelo menos as federais. Não que elas estejam 100%, mas acho que a Uerj está pior."
170 dias sem aula
A crise da Universidade Estadual do Rio vem se estendendo há anos e encontrou seu ápice em 2016, quando começou a adiar as aulas por falta de condições mínimas de funcionamento.
No ano passado, os alunos chegaram a ficar 170 dias sem aula devido à falta de verbas de manutenção e de custeio da instituição. Empresas terceirizadas responsáveis por infraestrutura, limpeza, segurança e coleta de lixo deixaram de receber os valores previstos em contrato, o que afetou o funcionamento da universidade, segundo a reitoria.
Professores e técnicos administrativos passaram a receber os salários parcelados. Até hoje, não foram pagos o 13º salário nem os vencimentos referentes aos meses de fevereiro e de março. O governo do Estado do Rio ainda está concluindo o pagamento do mês de janeiro, parcelado em seis vezes.
Desde dezembro, a universidade também não faz o repasse das bolsas estudantis de 7.500 cotistas que dependem do auxílio para a compra de material e pagamentos com alimentação e transporte. O "bandeijão" da instituição também parou de funcionar.
Segundo a Uerj, o governo deixou de repassar à instituição R$ 350 milhões do ano passado. O orçamento da universidade é de R$ 1,1 bilhão. Até agora, nenhum repasse referente ao orçamento de 2017 foi realizado.
Procurada, a Secretaria de Fazenda disse, por meio de nota, que neste ano não houve repasses para a universidade, pois o Estado ainda concentra esforços para quitar os salários do funcionalismo. Segundo a pasta, a Uerj recebeu no ano passado 76% do orçamento total previsto para a instituição, ou seja, R$ 767,4 milhões. "O restante dos repasses não ocorreu devido à crise nas finanças estaduais provocada pela queda na receita de tributos", diz a nota.
No comunicado, o governo do Estado do Rio de Janeiro disse ainda que reconhece a importância da Uerj e tem concentrado esforços para superar as dificuldades que atingem a instituição.
Próxima do recomeço
Após adiar cinco vezes o retorno às aulas neste ano, a reitoria, juntamente com o Fórum de Diretores de Unidades da Uerj, decidiu que a universidade está mais próxima de recomeçar.
"O que se decidiu na semana passada é que, se a firma de manutenção colocar todos os elevadores funcionantes e se até quarta-feira (22) tivermos a limpeza de volta numa quantidade maior do que a atual, na quinta (23) já teremos um novo Fórum de Diretores e discutiremos a possibilidade de retornarmos às atividades na segunda-feira, dia 27", afirmou o reitor da Uerj, Ruy Garcia.
A universidade também informou que pretende entrar na Justiça para garantir os valores para funcionamento da instituição.
No entanto, os docentes da Uerj decidiram em assembleia nesta quarta-feira (22) que, até o momento, não há condições para o retorno às aulas. A decisão dos professores levou em consideração os serviços como a manutenção, limpeza, segurança e o funcionamento do restaurante universitário que ainda não foram garantidos. Os educadores também repudiaram a nota divulgada pela reitoria da universidade que não considera o pagamento de bolsas e salários como fundamentais para o retorno às aulas.
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