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Professora de história antifeminista processa orientadora por "perseguição"

Trecho de vídeo antifeminista - Reprodução/YouTube - Reprodução/YouTube
No seu canal Vlogoteca.com, Ana gravou uma trilogia de vídeos criticando o movimento feminista
Imagem: Reprodução/YouTube

Aline Torres

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

31/03/2017 04h00Atualizada em 31/03/2017 10h22

A professora de história Ana Caroline Campagnolo, 26 anos, busca na Justiça de Santa Catarina desde julho de 2016 uma indenização de mais de R$ 17 mil de sua ex-orientadora por alegar que foi discriminada por ser antifeminista e cristã. O caso tem causado polêmica. Enquanto a ala conservadora, como a Escola Sem Partido, apoia Ana, importantes entidades do Ensino Superior publicam moções de repúdio.

Ana leciona história em escolas de Chapecó, no oeste de Santa Catarina, desde 2010. Conta que sua família é “conservadora e religiosa, mas que nunca se opôs a estudar ideologias que não são suas”.

Em 2013, ela foi selecionada no mestrado da Udesc, universidade pública do Estado de Santa Catarina, em Florianópolis, com o projeto "Virgindade e Família: Mudança de Costumes e o Papel da Mulher Percebido Através da Análise de Discursos em Inquéritos Policiais de Chapecó".

A orientadora selecionada pela banca foi Marlene de Fáveri, que ministra a cátedra "História e Relações de Gênero".

No entanto, na primeira semana de aula, já houve um desentendimento. Ana disse que seus colegas de mestrado começaram a entrar em sua página do Facebook, que atualmente conta com mais de 34 mil seguidores, e fazer denúncias a Marlene, alegando que os comentários da colega eram machistas e preconceituosos.

Marlene, então, a procurou por e-mail:

“Ana, bom dia. Estou recebendo muitos e-mails com esses links do Facebook, onde você se mostra antifeminista e etc, e eu estou sendo cobrada por seres minha orientanda. Você tem todo o direito de ser conservadora, antifeminista, etc..mas não combina com o teu tema de pesquisa, nem com as práticas que temos acerca das conquistas feministas. Vamos conversar sobre isso, e peço a gentileza de analisar melhor as coisas que faz compartilhar, ok? Está se expondo de forma equivocada, talvez. Ou seria mesmo assim que pensas? Não sei. Respeito tuas ideias, mas vamos dialogar sobre elas”.

A estudante também conta que deletou as postagens e pedido da professora e que elas só voltaram a ter conflitos no semestre seguinte.

“Eu dei entrevista de duas horas para o canal Conexão Conservadora e comentei, baseada nas minhas crenças, que o lugar social da mulher não é igual ao do homem. Isso virou um escândalo em sala de aula”, contou Ana.

O Facebook da professora é aberto e traz uma série de publicações contrárias ao movimento feminista, como "toda vez que uma mulher é empoderada, a civilização é enfoderada". Ela também afirma que o movimento “só faz merda”, que o voto feminino é "irrelevante ", que no fundo as "mulheres gostam de apanhar".

Orientadora acusa racismo, sexismo e homofobia

Ana Campagnolo explicou que suas publicações começaram a ser cada vez mais questionadas pelos colegas e pela orientadora em sala de aula, e que se sentia constrangida.

“Não estou processando a professora Marlene por ela ser feminista. São três os meus motivos. A intimidação velada, a humilhação que passei e a tentativa sutil de me prejudicar me dando uma nota inferior a que eu merecia, que consegui aumentar com recurso.”

“Ela [Marilene] me disse que eu era uma vergonha para o curso. E meus colegas me falaram que meus argumentos eram pobres, que não tinham fundamentação. Também ouvi que uma conservadora jamais seria aceita”, complementou.

A pedido da orientadora, Ana foi desligada da cátedra de História e Relações de Gênero em 2014. Ela disse que, sem opção, foi obrigada a aceitar trabalhar com violência urbana, tema com o qual não tinha afinidade. “Nenhuma orientadora feminista me aceitou. Então mudei o tema e o orientador”, conta.

Após apresentação de um trabalho de 181 páginas em julho de 2016 sobre violência em Chapecó, ela foi reprovada e, no mesmo mês, protocolou o processo.

Na sua concepção é “perseguida por professores totalitários não aceitam pensamentos diferentes”. Ela também acredita que sempre receberá críticas de “universitário, jovens e de áreas das ciências humanas”, mas que o “povo está ao seu lado”.

Ana foi convidada a ir a Brasília, no dia 15 de fevereiro, para participar de uma comissão especial do Escola Sem Partido, ideia que ela apoia. Na ocasião, gravou um vídeo de duas horas justificando porque é a favor da proposta.

Criado há 12 anos por um pai indignado com o professor de história da filha, o Escola Sem Partido começou a ganhar um protagonismo maior no ano retrasado. O projeto de lei é do deputado Rogério Marinho (PSD), e defende a proibição de ideologias em sala de aula, inclusive “ideologias de gênero”. A proposta é questionada por educadores, que a batizaram de “Lei da Mordaça”.  Procurados pela reportagem do UOL, representantes do Escola Sem Partido não responderam ao e-mail enviado.

A Udesc não quis se manifestar. O departamento de história e o programa de pós-graduação em história da mesma instituição, além do Instituto de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Santa Catarina e o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior e a Associação Nacional de História saíram publicamente em defesa de Marlene.

A professora Marlene avalia a possibilidade de publicar uma nota oficial, mas ela não quis conversar com a reportagem do UOL.

No processo, a docente justificou que “a autora mantém em seu nome um blog Vlogoteca, no qual valoriza torturadores confessos durante a ditadura militar no Brasil, posta vídeos que desqualificam o feminismo, o Marxismo, o Gênero, bem como os mais conceituados das áreas humanas acentuando conceitos racistas, sexistas e homofóbicos”.