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Justiça suspende regra que dá zero na redação do Enem para quem desrespeitar direitos humanos

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Imagem: iStock

Ana Carla Bermúdez e Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

26/10/2017 11h41Atualizada em 07/11/2017 21h22

A Justiça Federal determinou a suspensão da regra do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que dá nota zero, sem direito à correção de seu conteúdo, para a prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos. A decisão já vale para a edição deste ano e foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido, tendo em vista a proximidade da realização das provas, que acontecem nos dias 5 e 12 de novembro.

Em julgamento nesta quarta-feira (25), a 5ª turma do TRF-1 (Tribunal Federal da 1ª Região) acolheu o pedido da Associação Escola Sem Partido por 2 votos a 1. 

A assessoria de imprensa do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) afirmou que quando for notificada, vai recorrer da decisão.

O item 14.9.4 do edital do Enem 2017 estabelece que será atribuída nota zero à redação “que apresente impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação, bem como que desrespeite os direitos humanos, que será considerada ‘anulada’”.

Nos dois últimos anos, os temas das redações do Enem alimentaram polêmica nas redes sociais e entre organizações ligadas à educação. Em 2015, o candidato precisou dissertar sobre violência contra a mulher. No ano passado, o episódio se repetiu com o tema "Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil".

Na ação, a Associação Escola Sem Partido sustenta que “nenhum dos candidatos deveria ser punido ou beneficiado por possuir ou expressar sua opinião” e que não existe um referencial objetivo sobre os parâmetros adotados, “impondo-se aos candidatos, em verdade, respeito ao ‘politicamente correto’”.

Zero sem correção

No decorrer do processo, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) argumentou que não cabe ao poder Judiciário estabelecer regras e critérios de correção de processos seletivos.

Para o desembargador federal Carlos Moreira Alves, relator do processo, não se trata de critério de correção de prova, mas, sim, de negativa de correção dela, “mediante atribuição de nota zero sem que se faça tal atribuição mediante a avaliação intelectual de seu conteúdo ideológico”.

Ao analisar o caso, portanto, o magistrado afirma ter invocado dois fundamentos que sustentariam a ilegitimidade do item 14.9.4 do edital do Enem: a ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião e a ausência de uma referência objetiva no edital do exame.

Ele afirma que esses fatores resultariam na "privação do direito de ingresso em instituições de ensino superior de acordo com a capacidade intelectual demonstrada, caso a opinião manifestada pelo participante venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.

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A reportagem entrou em contato com o advogado Miguel Nagib, um dos coordenadores da Escola Sem Partido. Ele afirmou, no entanto, que "não dá entrevista para o UOL".

Na página da associação no Facebook, a decisão foi comemorada. "Sob a aparência de “respeito aos direitos humanos”, o Inep está impondo aos estudantes uma verdadeira censura prévia. Diante da ameaça de zerar na prova de redação --a mais importante do exame--, os participantes se veem forçados a abjurar de suas crenças e convicções", diz o trecho de uma postagem.

O que é um texto que fere direitos humanos?

Muitas vezes, um texto é considerado ofensivo aos direitos humanos por fazer uso da "Lei de Talião". Um exemplo de texto que zerou na redação do Enem por esse motivo é este:

“A continuidade de práticas de práticas violentas contra a mulher é favorecida pelo que é definido como violência simbólica. Nesse tipo de violência, a sociedade passa a aceitar como natural as imposições de um segmento social hegemônico, neste caso, o gênero masculino, causando a legitimação da violação de direitos e/ou da desigualdade. Nesse contexto, deve-se adotar a prática de “olho por olho, dente por dente” para que a violência contra a mulher não fique impune. O agressor deve sofrer a mesma agressão que cometeu.”

Escrever que a pena do criminoso deve ser idêntica ao crime que cometeu é um desrespeito aos direitos humanos, segundo as regras do Enem.

Em nota, o Inep comunicou que estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação do Enem 2017 tal como divulgados em seus documentos oficiais, como a Cartilha do Participante. "Aos participantes do Enem 2017, o Inep reafirma que está tudo organizado com segurança e tranquiliza a todos quanto à realização das provas", diz.

Para especialista, decisão é um "equívoco"

A regra punitiva sobre direitos humanos na redação do Enem existe desde 2013, apesar de a prova de redação do Enem sempre ter assinalado a necessidade de o participante respeitá-los, conforme explica a Cartilha do Participante.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, classificou a decisão do TRF1 como “um equívoco” e disse que ela não é uma vitória para a Associação Escola Sem Partido.

“A decisão ainda está nebulosa, porque a redação pode ser zerada, mas não pode deixar de ser corrigida. Parece-me que não foi uma vitória do ESP [Escola Sem Partido], foi uma interpretação para não prejudicar os candidatos. Ainda assim, é um equívoco”, disse.

Para Cara, a decisão do TRF1 é apenas o último episódio de uma série de retrocessos relacionados aos direitos humanos no âmbito da educação.

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