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Apuração liga servidora que fraudou bolsas de estudo a novo desvio na UFPR

Manifestação de estudantes contra fraude na escadaria da Federal do Paraná - Rafael Moro Martins/UOL
Manifestação de estudantes contra fraude na escadaria da Federal do Paraná Imagem: Rafael Moro Martins/UOL

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

20/03/2018 04h00

A operação Research, iniciada em fevereiro de 2017 para investigar fraudes que, segundo o MPF (Ministério Público Federal), desviaram ao menos R$ 7,3 milhões do dinheiro reservado para pagar bolsas e auxílios-pesquisa na Universidade Federal do Paraná (UFPR), deverá ajudar as autoridades a esclarecer outro possível crime na instituição.

Foram comprados materiais para os laboratórios de pesquisa, mas pelo menos uma parte desses insumos não chegou à universidade.

A empresa fornecedora pertence a Jorge Luiz Bina Ferreira, marido de Gisele Roland, uma das acusadas de comandar o esquema de fraudes nas bolsas de pesquisa, que atuou pelo menos entre 2013 e 2016.

A mãe dela, Maria Áurea Roland, é servidora aposentada da UFPR e comandava justamente o departamento responsável pelos pagamentos a fornecedores. Foi sucedida, no cargo, por Conceição Abadia de Abreu Mendonça, tida pelos investigadores como outra das mentoras das fraudes com bolsas de pesquisa.

As suspeitas de fraude em compras de materiais da empresa de Ferreira, a Reagen Produtos para Laboratórios Ltda., já haviam sido, inclusive, alvo de uma ação penal movida contra Mendonça em 2009. Mas ela acabou absolvida, à época, por falta de provas. Em março de 2017, na segunda fase da Research, a PF (Polícia Federal) apreendeu notas fiscais emitidas na sede da Reagen.

"De 2007 a 2016, a Reagen recebeu R$ 1,45 milhão da UFPR", anota a Controladoria-Geral da União (CGU) em relatório em que analisou material apreendido no inquérito que colocou a empresa de Bina novamente sob investigação. "Até o final de 2012, a empresa já havia recebido 95% desse montante. De 2013 em diante, recebeu apenas R$ 69 mil", diz o documento.

"Há uma acentuada queda nas vendas da Reagen à UFPR após iniciada a fraude na concessão de bolsas", anotou a CGU --o que pode, segundo os investigadores, indicar que um esquema foi substituído por outro. E prossegue: "Na PRPPG (Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação) não existe almoxarifado nem laboratório para armazenar os materiais adquiridos [da Reagen]. Mas no recibo de 98 notas fiscais emitidas entre 2010 e 2012 consta a assinatura de Conceição Abadia de Abreu Mendonça [certificando a entrega dos produtos]".

Fachada da UFPR - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

Essas notas somam R$ 542 mil, em valores da época, e representam 77% do que a Reagen recebeu da UFPR no período. A PF e o MPF suspeitam que pelo menos parte dos produtos que constam delas nunca foi entregue à universidade.

Algo que a própria Conceição confirmou, em depoimento à PF prestado em março de 2017, dias após ser presa na primeira fase da Research.

Ela disse, então, que em uma a cada duas notas de compras realizadas sem licitação os produtos não eram entregues.

O dinheiro recebido pela Reagen era, então, dividido. Ferreira embolsaria a metade; ela, Maria Áurea Roland e Tânia Catapan, outra servidora presa pela PF, dividiam o restante.

Outro documento anexado ao inquérito, produzido pelo TCU (Tribunal de Contas de União), indica que Conceição Mendonça nem poderia ter assinado as notas fiscais. "Os recebimentos foram irregulares posto que ela não dispunha de competência normativa para ser a responsável pelo atesto das notas fiscais em tela, visto exercer função administrativa não relacionada com projetos de pesquisa."

Mais uma empresa é suspeita

O inquérito que investiga a Reagen também revela a suspeita de que outra empresa, a Ermex Comercial Ltda., também fornecedora de materiais à UFPR, pertença a Bina Ferreira e tenha sido usada nas fraudes.

Um carimbo da Ermex foi encontrado na sede da Reagen e ambas as empresas compartilhavam o mesmo estoque no endereço em que funcionava a Reagen.

A Ermex vendeu R$ 697 mil em produtos à UFPR entre 2007 e 2016, o que eleva o valor das compras sob suspeita para R$ 2,1 milhão, em valores desatualizados. 

A suspeita de que os crimes atribuídos a Conceição Mendonça, Gisele Roland, Tânia Catapan e Jorge Luiz Bina Ferreira fossem anteriores a 2013 já fora antecipada pelo UOL.

"Esse inquérito [que trata de possíveis crimes no fornecimento de materiais pela Reagen] foi revitalizado pelo processo [da Research]", disse o procurador Alessandro José Fernandes de Oliveira, responsável pelo caso no MPF.

"Conceição admitiu que simulava recebimento de material [da Reagen] que não era de fato entregue. Vamos tentar buscar os elementos que comprovem as fraudes."

Servidoras foram demitidas da universidade

A UFPR informou, na última quinta-feira (15), que demitiu Conceição Abadia de Abreu Mendonça e Tânia Catapan após um processo administrativo disciplinar. Uma comissão interna concluiu que existem "provas bastantes a demonstrar, acima de qualquer dúvida razoável", que ambas são culpadas pelos desvios de bolsas de pesquisa. 

Quandos os crimes ocorreram, Mendonça era chefe da Seção de Controle e Execução Orçamentária da PRPPG. Catapan, por sua vez, comandava a Secretaria Administrativa do Gabinete da unidade. 

A mesma comissão absolveu, após indiciar, os professores Edilson Sérgio Silveira (ex-pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação) e Graciela Inês Bolzón de Muniz (ex-coordenadora de pesquisa da PRPPG).

Para a comissão, ambos "não poderiam ter agido de outra forma, pelo volume excessivo de atribuições desempenhadas [e] pela confiança depositada nas servidoras de carreira que os assessoravam e sobremaneira pelo conluio dessas mesmas servidoras, destinado precisamente a ludibriá-los no intuito de proceder à fraude dos pagamentos em questão".

Bolzón é, atualmente, vice-reitora da UFPR. Outros seis servidores também foram absolvidos no processo interno.

A UFPR move uma ação de improbidade administrativa contra Mendonça e Catapan, visando o ressarcimento dos valores desviados ao erário. O MPF também pretende buscar a devolução do valor desviado.

Outro lado

Questionada sobre a investigação das compras com Reagen e Ermex, a UFPR informou que "constituiu no ano passado uma comissão interna para apurar irregularidades".

"A instituição está trabalhando em conjunto com a Polícia Federal e com os órgãos de controle no sentido de assegurar uma apuração rigorosa do caso e a responsabilização de quem de direito, e não se manifestará enquanto o processo estiver em andamento."

Paulo Gomes de Souza, advogado de Conceição Abadia de Abreu Mendonça, disse que irá "analisar o período em que as notas fiscais foram assinadas e tomar as medidas necessárias dentro do inquérito".

Falou, ainda, que a cliente "não foi beneficiada por notas assinadas a partir de 2012, e o que é anterior [é crime que] já prescreveu".

Sobre a demissão da UFPR, disse que o trabalho da comissão foi "dirigido" e que irá recorrer à Justiça para preservar o direito à aposentadoria da cliente.

Marlon Bizoni Furtado, advogado de Tânia Catapan, informou que aguarda intimação para analisar os fundamentos da demissão da sua cliente. Ainda assim, disse considerar a punição "desproporcional", uma vez que Catapan nem "sequer tinha poderes para realizar qualquer abertura de processo".

Marco Antonio Gonçalves, que defende Jorge Luiz Bina Fernandes, disse que não iria comentar o caso.

O UOL não conseguiu localizar os defensores de Gisele e Maria Áurea Roland.