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Escola da zona rural de Alagoas supera pobreza e tem maior Ideb do país

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Coruripe (Al)

06/09/2018 04h00

São 5h30 da manhã de segunda-feira (3), e Deivison Henrique dos Santos, 12, já está acordado e pronto para esperar o ônibus que o leva à escola Vereador José Wilson Melo Nascimento, em Coruripe (100 km de Maceió), onde ele cursa o 6º ano. A viagem pelas estradas de terra zona rural do município dura em torno de 40 minutos, quando ele enfim chega ao povoado de Areias.

Com estrutura modesta e alunos que ainda enfrentam a fome no dia a dia, a escola rural conseguiu um feito inédito na educação do país: teve média 9,9 no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). A avaliação foi a melhor entre todas as escolas de ensino fundamental inicial avaliadas pelo indicador. Para se ter ideia, a média do Brasil foi de 5,8 em 2017.

Fincada em um prédio às margens de uma estrada de terra, a escola oferece ensino da creche ao 9º ano. Ao contrário de tantas instituições, a José Wilson tem merenda em dia, o quadro de 35 professores é qualificado e os projetos ajudam complementar o aprendizado dos 698 alunos.
A escola é a única rural do município, e todos os alunos são transportados em cinco ônibus escolares em boas condições.

Mas os desafios existem. Um deles é a pobreza, que atinge a família de muitos alunos. Por isso, quando os alunos chegam à escola, uma equipe pergunta a cada um deles se está com fome. "Caso digam que sim, eles tomam café, no caso do turno da manhã; ou almoçam, se estudarem à tarde", conta a diretora da escola Silvânia Gouveia da Silva.

crianças balé - Beto Macário/UOL - Beto Macário/UOL
No contraturno, os alunos podem participar de aulas de reforço e até mesmo balé
Imagem: Beto Macário/UOL

Cientes da necessidade de ajudar a comunidade escolar, os funcionários e pais com mais poder aquisitivo ajudam. "Nós temos aqui realmente alunos que passam fome fora da escola, aí nós ajudamos de todas as formas. As refeições, damos na escola, mas muitas vezes colaboramos com cestas básicas. A gente sai pedindo a funcionários, e pais de alunos com condições melhores ajudam. Fazemos gincanas, e uma das provas é arrecadar alimentos, que doamos para aquelas famílias que têm dificuldade. Escola e comunidade precisam atuar nessa parceria", conta Lhays Aroeira, professora de português do 9º ano.

“Não inventamos a roda; fizemos a roda girar”

Filho de agricultores, Deivison dos Santos foi um dos 36 estudantes que fizeram a Prova Brasil em 2017 e deram à escola uma nota quase perfeita. “Acho que acertei tudo na prova, a escola me preparou bem demais. Mas eu gosto de estudar também”, conta jovem. Ao contrário do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), a Prova Brasil não informa notas individuais. Deivison também treina futebol na pequena quadra de cimento da unidade.

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José Deivison leva cerca de 40 minutos de ônibus até a escola
Imagem: Beto Macário 3.set.2018 /UOL

Professora de português dos 4º e 5º anos, Bartyria Barbosa afirma que a “turma de ouro” que alcançou a maior nota sempre se destacou. “Eles chegam no 4º ano como alunos fluentes. Alguns tinham certas dificuldades, mas que foram sanadas. Houve todo um planejamento, tivemos estratégias que realizamos, com aulões, simulados. Não inventamos roda, fizemos a roda girar com muito planejamento, amor e dedicação”, diz. 

Além de estudarem em um turno, os alunos passam pelo menos um dia de semana no contraturno na escola. Nesse horário alternado, o estudante pode participar de aulas de reforço, projetos de leitura, futebol e balé para as meninas. 

Aposta em habilidades

Mas nem sempre a escola teve bom desempenho. Em 2009, primeira vez que fez a Prova Brasil, a escola pontuou apenas 4,1. Para chegar à nota 9,9 no Ideb 2017, houve uma reformulação de conceitos em 2013, justamente quando a turma que fez a prova Brasil em 2017 ingressou no ensino fundamental. Uma das novidades implantadas em 2013 foi a formação dos professores pelos colegas.

“Além da parte pedagógica, notamos que precisávamos de professores formadores, e uma formação continuada. Às vezes um professor tem suas dificuldades, então quanto melhor formado, melhor passará [o conteúdo aos alunos]”, conta a diretora Silvânia Gouveia da Silva, ressaltando que o resultado é fruto de “trabalho árduo”. “Sempre fiz questão, faço de tudo para manter a mesma equipe, a continuidade também é muito importante.”

A coordenadora pedagógica, Heline Batista, conta que um dos diferenciais foi a criação de cinco projetos que são desenvolvidos na biblioteca, ideia também colocada em prática em 2013. Entre os projetos, está um em que os alunos leem livros e sugerem novos trechos e títulos. “Fizemos isso para aprimorar a leitura. Isso é um ponto X, porque trabalha a oralidade, o desenvolvimento corporal, a imaginação. Isso tudo é para que tenhamos um resultado de qualidade”, afirma.

Larissa Lesas, 29, é mãe de três alunas que estudam na escola e afirma que tem muito orgulho do ensino ofertado às filhas de 5, 10 e 12 anos –que, além das aulas regulares, fazem balé na unidade. “Todos trabalham com muito compromisso e qualidade. Eu tenho certeza que elas vão sair daqui para uma universidade federal”, acredita.

Já a filha dela, Maria Clara, 10, dança balé nas pontas dos pés, mas tem um sonho de trocar as sapatilhas pelo bisturi. “Já escolhi e decidi: quero ser médica quando crescer”, diz a menina que estuda o 4º ano e, em 2019, fará a Prova Brasil.

Cidade de bons resultados

Coruripe fica no litoral sul de Alagoas e, além da escola com melhor média, teve outra que foi a quarta melhor nota do país, a José Buarque da Silva, na zona urbana, que tirou nota 9,6. Com os bons resultados, Coruripe aparece entre as 10 cidades brasileiras com melhor nota do Ideb entre os anos iniciais: 8,5.

A cidade tem 17 escolas do ensino fundamental. No município, um professor ganha, em média, R$ 1.688 por 25 horas. Se tiver doutorado e tiver carga de 40 horas semanais, esse salário pode chegar R$ 3.268.

Até 2005, o município tinha várias pequenas escolas em povoados e fazendas, com turmas que estudavam de forma seriada. Desde então, foi a escola José Wilson que passou a congregar todos os alunos que moram na zona rural.

Fabiana Silva Rocha, gerente de ensino do município, afirma que um dos projetos do município foi melhorar os índices do Ideb. Para isso, foram feitos projetos que alavancaram vários tipos de ações. “Tivemos um trabalho coletivo, com troca de experiência entre as escolas, inserindo ações lúdicas, fazendo ‘aulões’ e simulados. Apostamos na uniformização desse ensino. Mensalmente nos reunimos com os articuladores designados para as escolas, e cada um deles posiciona como está o andamento e trocamos informações. Isso ajudou muito também”, destaca.

Veja a melhora da escola nas notas do Ideb:
2009 - 4,9
2011 - 5,2
2013 - 5,0
2015 - 7,6
2017 - 9,9