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Sem mordaça ou sem partido? O que 2 deputadas propõem para escolas do país

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

18/02/2019 04h00

Duas deputadas federais de "primeira viagem", duas visões sobre a educação. As estreantes Bia Kicis (PSL) e Talíria Petrone (PSOL) são autoras de projetos de lei que discutem doutrinação em sala de aula. Enquanto Bia Kicis fala em instituir o programa Escola Sem Partido, Talíria Petrone defende o Escola Sem Mordaça, proposta que foi apresentada em conjunto com outras deputadas do PSOL.

Bia Kicis é advogada e Talíria Petrone, professora. As duas protocolaram seus projetos na primeira semana de trabalho na Câmara dos Deputados. Ambos os textos falam em liberdade de aprender e de ensinar, em pluralismo de ideias e de concepções ideológicas, além de tratar da possibilidade de os alunos gravarem as aulas. 

As semelhanças, no entanto, não vão muito longe. Enquanto o projeto da deputada Bia Kicis fala no direito de os estudantes gravarem as aulas, por exemplo, o projeto da deputada Talíria Petrone diz que os alunos podem gravar vídeos mediante o consentimento de quem será filmado.

Para entender melhor o que propõem e como pensam as deputadas, o UOL fez as mesmas quatro perguntas a cada uma delas. Talíria e Bia também aceitaram enviar uma pergunta à outra. Confira abaixo.

O que a motivou a apresentar um projeto de lei para discutir doutrinação nas escolas do país logo na primeira semana de trabalho legislativo?

Bia Kicis: Venho acompanhando esse projeto anterior há dois anos [no ano passado, projeto semelhante acabou arquivado] e é um tema que está na boca das pessoas, nas ruas, nas escolas, nas câmaras municipais, assembleias, e no Congresso Nacional. É uma cobrança muito grande da sociedade e era uma promessa minha de que, tão logo eu assumisse, eu apresentaria esse projeto, que é do movimento Escola Sem Partido. 

Talíria Petrone: Eu acho que, por um lado, a gente tem um momento no Brasil de muito retrocesso democrático e isso se expressa em iniciativas na educação que se mostram em duas formas. Há um desmonte da educação pública com redução de investimentos, precarização do ensino, da condição de trabalho dos professores, e há, por outro lado, um silenciamento da educação, que é um ataque pedagógico a uma educação crítica, uma educação da diversidade, da pluralidade.

Isso para nós é, de alguma maneira, uma expressão desse retrocesso democrático. E, por outro lado, em resposta também ao projeto apresentado pela deputada Bia Kicis, que para nós é inconstitucional e vai na contramão da concepção de escola que a gente acredita.

Que objetivo a senhora busca ao incluir a gravação de aulas no texto do seu projeto? Qual a diferença prática entre filmar com e sem consentimento?

Bia Kicis: O Supremo já disse que não tem diferença. Quando a pessoa que faz parte da conversa filma, grava, ela pode fazer sem nenhum consentimento. A gravação de aulas sempre foi permitida, nunca teve problema nenhum. Eu mesma já gravei como aluna, e como professora meus alunos gravam as aulas, eu nunca tive problema nenhum com isso. 

A gravação de aula ajuda na fixação do conteúdo e serve também para garantir ao consumidor do serviço, que é o aluno, ou os pais do aluno, possam aferir a qualidade do serviço prestado. Isso é uma coisa que tem abrigo na Constituição, na lei, não tem problema nenhum. 

De onde surgiu a polêmica? Quando uma professora lá do Sul, de Santa Catarina, que agora é deputada estadual, sugeriu aos alunos que gravassem os professores que estão praticando doutrinação. Então, começou a haver uma resposta por parte de sindicatos, de professores e até de alguns estados que começaram a baixar medidas proibindo a gravação.

A gravação tem previsão legal, nunca houve problema com isso, e ninguém está pregando que os alunos fiquem com celular em sala de aula de forma que se desconcentrem, ou de forma que perturbem a aula. O que eles devem e podem fazer é gravar a aula para a fixação do conteúdo.

Se, por acaso, acontecer de um professor começar a infringir as normas, começar a fazer doutrinação, que é algo que é ilegal, tem como provar que aquele fato ocorreu. Então, a gravação vai ser boa em todos os sentidos: tanto para ajudar na fixação do conteúdo, [para] quem quiser repassar a aula, como para comprovar um ato que seja infracional. 

Talíria Petrone: Quando se filma um professor sem consentimento, nesse contexto que estamos vivendo, há uma possibilidade muito grande de perseguição desse profissional de educação. A gente recebe muitas denúncias de profissionais de educação preocupados e com medo de tratar de um conteúdo importante, relevante, previsto em legislações como a LDB [Lei de Diretrizes e Bases], por medo de ser perseguido por um aluno, como acontece muitas vezes.

Tem professor impedido inclusive de falar de ditadura, porque querem que diga que tem duas versões, que também houve uma revolução de 64 --tema histórico já superado cientificamente. Então, para nós, é muito importante garantir a liberdade de cátedra e garantir que a escola seja um espaço pleno para diversas opiniões e para se concretizar plenamente esse processo de ensino e aprendizagem.

O Brasil tem alcançado desempenhos ruins nas principais avaliações da educação. Um projeto de lei para discutir doutrinação nas escolas do país é importante para melhorar a aprendizagem dos alunos?

Bia Kicis: Primeira coisa, esse projeto não visa tratar de educação. O projeto visa a garantir a preservação de princípios constitucionais, como a liberdade de consciência e a liberdade de crença. Não tem nada a ver com educação, só que esses princípios estão sendo violados em escolas, e por isso o conteúdo do projeto acaba se referindo à escola.

Quem tem que tratar de educação é o MEC [Ministério da Educação], com a questão de lei de diretrizes, bases, outras coisas. Agora, a gente sabe que a educação chegou ao lixo onde está hoje exatamente como uma consequência da má qualidade de ensino, porque os professores, ao invés de se dedicarem a ensinar a matéria, estão mais preocupados em doutrinar as crianças. Existe essa relação. Mas o objetivo do Escola Sem Partido não é tratar sobre educação, é tratar sobre liberdade de consciência e de crença.

Talíria Petrone: De jeito nenhum, porque na verdade não há doutrinação nas escolas.

Se houvesse doutrinação, a maioria do povo não teria eleito um presidente que diz que tem saudade da ditadura, que defende tortura. Esse é um primeiro ponto. Segundo, porque a gente tem um problema grave na educação que é a precarização. Foi aprovado um congelamento de investimentos por 20 anos em várias áreas, entre elas a educação. A gente tem profissionais da educação que precisam trabalhar em um monte de escolas, não conseguem nem preparar aula, com sua vida, seu salário, suas condições de trabalho precarizadas.

Eu sou professora. Tem escola que não tem pilot [caneta] para escrever no quadro. É preciso, antes de tudo, garantir condições estruturais. Essa precisa ser uma prioridade orçamentária. E, segundo, é preciso que esse profissional, com boas condições de trabalho, tenha a possibilidade de exercer essa profissão com liberdade, conforme previsto na LDB. Isso significa garantir que esse profissional possa fazer da escola um instrumento de transformação dessa realidade tão brutal e desigual. Essa é a concepção pedagógica que eu acredito para as escolas.

Qual o principal problema, hoje, das escolas brasileiras?

Bia Kicis: Aí a gente tem uma série de problemas, como a má remuneração de professor, despreparo de professor. Agora, para mim uma das coisas que mais atrapalha é a falta de foco do professor em ensinar. O professor deveria estar focado em ensinar o aluno, e não em preparar futuros militantes.

Talíria Petrone: A gente ainda não universalizou a educação no Brasil. O índice de analfabetismo no Brasil é altíssimo, então esse é um problema gravíssimo por um lado. E esses profissionais, sejam professores, sejam merendeiras, cozinheiras, trabalham em condições muito precárias. 

A gente tem, na contramão dessa realidade --que é uma realidade de insuficiência da escola pública por falta de recursos--, a redução de investimentos para universalizar a educação e garantir condições de trabalho para esses profissionais. Esse é um grande problema, sem dúvida, para a educação brasileira hoje. 

Para se somar a isso, porque a educação é precarizada por dois caminhos que se cruzam: o primeiro, do desmonte, e por outro um silenciamento, que é o reforço de uma escola da instrução, a escola que forma mão de obra barata, para seguir sendo explorada num mercado já tão escasso.

E não de uma escola que construa a possibilidade de um aluno autônomo, de um aluno pensante, de um aluno sujeito da sua própria trajetória. Eu acho que são esses dois grandes problemas que a gente tem hoje. 

Talíria Petrone pergunta para Bia Kicis: Qual é a proposta do partido que ela para melhorar a vida dos profissionais de educação, já que o campo que ela faz parte votou pelo congelamento dos investimentos na educação na última legislatura?

Bia Kicis responde: Em primeiro lugar, o Brasil é um dos países que mais investem em educação. E o congelamento se voltou não só para a educação, mas para tudo, porque nós ultrapassamos o teto há muito tempo. Então nós temos que ser realistas, no Brasil a gente está quebrado. Agora, a nossa proposta para melhorar a vida dos educadores, o partido vai ter muitas, mas não é o foco do Escola Sem Partido.

Quando eu falo em Escola Sem Partido, eu não estou preocupada com o professor, eu estou preocupada com o aluno. Estou preocupada com a criança, que é vulnerável. E com os pais, que estão tendo o seu direito de educar os seus filhos de acordo com a sua moral e a sua crença negado pelos professores, que estão abusando. A proposta do Escola Sem Partido é parar os molestadores de crianças.

Bia Kicis pergunta para Talíria Petrone: Qual dos 6 deveres dos professores que estão estampados no cartaz [previsto no projeto de lei do Escola Sem Partido] ela acha que está errado? Peço que ela aponte um dever do professor que está estampado no cartaz que ela ache que não é dever do professor.

Até o fechamento deste texto, a deputada Talíria Petrone não havia respondido a questão.