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30% ou 3,5%: Quanto Bolsonaro cortará nas universidades federais? Entenda

Mirthyani Bezerra*

Do UOL, São Paulo

11/05/2019 04h00

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, trouxe na última quinta-feira (9) uma porcentagem diferente da que vinha sendo apresentada pela pasta sobre o corte no orçamento destinado às universidades públicas. Em transmissão ao vivo feita pelo Facebook, Weintraub usou três bombons e meio, de uma quantidade de 100, para mostrar que "apenas" 3,5% dos valores destinados às universidades só poderão ser "comidos" depois de setembro. E reforçou o cálculo em vídeo divulgado pelo Twitter na tarde de ontem.

Foi a primeira vez que o governo apresentou esse índice desde que o contingenciamento na educação foi anunciado no final de abril. Naquela ocasião, tanto o ministro quanto o secretário de Educação Superior do MEC, Arnaldo Barbosa de Lima Junior, disseram que o corte seria de 30%.

Toda a polêmica teve início quando Weintraub afirmou que cortaria 30% dos recursos da UnB (Universidade de Brasília), UFBA (Universidade Federal da Bahia) e UFF (Universidade Federal Fluminense), por que elas estariam promovendo "balbúrdia" nos seus campus.

Depois, Lima Junior informou que o ministério estendeu o corte a todas as universidades federais. "[Será] 30% de forma isonômica para todas as universidades. No segundo semestre, isso pode ser reavaliado dado o estado econômico positivo que a gente espera", disse em entrevista à TV Globo.

Na última terça, o próprio Weintraub falou sobre os 30% na audiência pública da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado, mas citou que a cifra seria menor se fosse considerado o orçamento total, sem dar detalhes. "De novo, 30% é sobre uma parte pequena do volume total de despesas. Não são 30% sobre o todo", disse.

O detalhamento veio logo após a transmissão de Bolsonaro e Weintraub na quinta-feira, quando o MEC divulgou uma nota falando que o valor bloqueado equivale a "3,4% do orçamento total das universidades neste ano".

No vídeo divulgado ontem pelo ministro, ele diz que o governo está "pedindo para segurar, contingenciar, postergar até setembro 3,5%", dando a entender que não são verdades as porcentagens trazidas "pela imprensa e muita gente mal-intencionada" de que o bloqueio é de 30%, 40% e 50%.

"A verdade do orçamento das universidades que a gente está pedindo para segurar, contingenciar, postergar até setembro, é 3,5%. Essa é a verdade e os números estão disponíveis", disse, usando lousa e caneta para reforçar a conta.

Afinal o bloqueio é de 3,5% ou de 30%?

Na conta feita pelo governo, os "3,5%" levaram em consideração o orçamento total das universidades federais, que dividem os seus gastos em despesas vinculadas e despesas discricionárias. Porém apenas as discricionárias são passíveis de alteração pelo MEC.

Especialistas em educação ouvidos pelo UOL argumentam que a conta deveria levar em consideração somente o valor estimado para as despesas discricionárias e não o orçamento total, o que daria os "30%" divulgados em um primeiro momento pelo próprio governo.

A despesa discricionária diz respeito aos gastos que a universidade tem para custear suas atividades (água, luz, telefone, etc) e investir na sua estrutura. No total, as universidades federais sofreram bloqueio de R$ 2 bilhões correspondentes a esses gastos.

Já a despesa vinculada inclui recursos que não podem ser bloqueados pelo MEC porque dizem respeito ao pagamento de pessoal, com salários para professores e funcionários, e benefícios para inativos e pensionistas, entre outros itens. O governo é obrigado a gastar, por determinação legal, esses valores, que tomam quase 80% do orçamento total do MEC.

"O que acontece? Tem despesas que são protegidas pela legislação [as de pessoal] e o governo não tem poder de alterar. Ele tem margens sobre as despesas não obrigatórias [discricionárias], sobre essa ele aplicou 30%", diz Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

"Ponto concreto é: 30% continua sendo um corte que inviabiliza o funcionamento das universidades", explica.

Especialistas destacam estratégia do governo

Professor e cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mauricio Fronzaglia destaca que a divulgação dos "30% e dos "3,5%" pode ser considerada uma estratégia do governo frente à reação negativa da medida.

"O Weintraub foi nomeado para um ministério que não tinha nenhum plano, não tinha referência, mas tinha um discurso eleitoral, ideológico. Então, veio a história da 'balbúrdia' e das ameaças aos cursos de humanas. Vamos pensar esse corte, ou contingenciamento, nesse contexto. O que me parece é que não se trata de uma decisão técnica, porque o ministério não joga aberto com todos os dados, não explica por que a educação precisa entrar nessa conta", diz. "Pensando assim, não dá para descartar que essa medida seja uma resposta, um castigo para as universidades", destaca.

O professor Salomão Barros Ximenes, docente de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC), avalia que é falso dizer que o corte nas universidades é de 3,5%, porque as instituições têm autonomia orçamentária, garantida pela Constituição. "Há uma intenção de confundir, porque cada universidade é uma unidade orçamentária autônoma e nessas unidades o corte foi de no mínimo 30% [sobre recursos que podem ser cortados ou congelados]", analisa.

Na própria situação hipotética apresentada pelo ministro da Educação no vídeo postado no Twitter, tirar R$ 3,5 milhões dos R$ 12 milhões que sobrariam para o reitor pagar gastos com manutenção e investimento corresponderia a uma redução de 29,1% do valor.

Para 37 das 68 federais, o congelamento inclusive superou os 30%. Há universidades como a do Sul da Bahia e do Mato Grosso do Sul o bloqueio foi da ordem de 54% e 52%, respectivamente, porque algumas têm mais recursos a serem gastos com despesas discricionárias que outras.

Ministro diz que cortes em universidades equivalem a 3,5 bombons em 100

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Então por que falar em 3,5%?

Ximenes diz não ser possível saber qual a intenção do ministro da Educação em passar esse novo valor, mas que há uma sensação de que o MEC tenta minimizar os efeitos práticos dos cortes no funcionamento da universidade. Segundo ele, isso é um "equívoco técnico" porque essa é uma questão que não pode ser amenizada.

"Me parece que há uma tentativa explícita de retirar de cena o real impacto do funcionamento, que é o impacto dos 30% de substitui-lo por um percentual que seria de 3,5% muito menor do ponto de vista da impressão geral", diz.

Daniel Cara também destaca que a estratégia pode ter sido premeditada. "A intenção do governo foi de fazer com que a imprensa e a oposição incorressem nesse argumento", avalia.

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A reforma da Previdência pode acabar com bloqueio?

No Senado, Weintraub relacionou a aprovação da reforma da Previdência com uma possível liberação das verbas no futuro. "É contingenciamento. Se a gente conseguir passar a Previdência e voltar a arrecadação, volta o orçamento", disse.

"Sim, eu acredito realmente que, se a gente passar a aprovar a nova previdência, é da água para o vinho", acrescentou.

Para os especialistas ouvidos pelo UOL, essa relação não faz sentido. Ximenes explica que a reforma não traria receita orçamentária imediata, porque ela prevê um período de transição e que as propostas sobre capitalização podem inclusive vir a trazer despesas.

Em sua opinião, o discurso repete uma estratégia feita no governo Michel Temer para obter a aprovação da PEC do Teto e da reforma trabalhista. "Dados mostram que nada que foi dito se realizou na prática. Me parece que estamos em um déjà vu, em um prazo curto de três anos. A mesma conversa, a mesma estratégia de convencimento...É como se os recursos da educação estivessem sequestrados e só serão entregues mediante a aprovação da reforma", afirma.

Cara chama de chantagem o discurso do ministro. "Não pode chantagear sobre a vida de estudantes e professores, especialmente de estudantes. O direito à educação não deve ser usado como moeda de troca".

* Colaborou Luciana Quierati, do UOL, em São Paulo