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Escolas cívico-militares têm base em argumento enganoso, diz especialista

Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação - Todos Pela Educação
Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação Imagem: Todos Pela Educação

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

24/10/2019 04h00Atualizada em 24/10/2019 17h46

Resumo da notícia

  • Presidente-executiva do Todos Pela Educação diz que defesa do modelo não se sustenta
  • Argumentos são que escolas cívico-militares trazem mais segurança e mais qualidade
  • É a única proposta do MEC para a educação básica

Apresentados pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) como base para a implantação de escolas cívico-militares no país, os argumentos de que esse modelo trará mais segurança para as unidades de ensino e mais qualidade para a educação básica no Brasil são classificados como enganosos por Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação.

"Do ponto de vista técnico, o modelo não se sustenta", diz a especialista. Segundo ela, não há indicadores que apontem para a eficiência das escolas cívico-militares. "A população que faz essa demanda por escolas cívico-militares acreditou em um argumento enganoso de que elas são melhores", afirma.

Na prática, as escolas cívico-militares têm desempenho similar ao de institutos federais com o mesmo perfil de alunos, como mostrou uma reportagem publicada pela Folha de S. Paulo a partir de dados das médias do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) 2017 por escola.

Para Cruz, a proposta não tem "nenhuma outra explicação que não seja atender a um interesse de posicionamento político-ideológico do grupo que está hoje no governo".

Promessa de campanha de Bolsonaro, o modelo de escolas cívico-militares é o único projeto apresentado pelo MEC (Ministério da Educação) para a educação básica até o momento.

Em julho, ao anunciar o programa, o MEC previu que 108 escolas militares aderissem até 2023. O número dobrou no lançamento do programa, no início de setembro, passando para 216 unidades. No Brasil, há 140 mil escolas. Só em 2020, serão gastos R$ 54 milhões para implementação do projeto —cada escola receberá R$ 1 milhão para melhorias e adequações em infraestrutura.

O programa é de adesão voluntária. Segundo o MEC, 15 estados e o Distrito Federal aderiram ao programa —São Paulo, Rio de Janeiro e oito estados do Nordeste rejeitaram a proposta na primeira etapa do programa. Sob gestão de João Doria (PSDB), o estado de São Paulo manifestou interesse após o prazo estabelecido pelo MEC.

Na segunda etapa, destinada aos municípios, 643 prefeituras manifestaram interesse.

Para aderir ao programa, as escolas devem obedecer a critérios como situação de vulnerabilidade social e baixo desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), atender de 500 a 1.000 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e/ou médio e aplicar uma consulta pública à comunidade sobre o modelo.

5.set.2019 - O presidente Jair Bolsonaro, seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, participam do lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares - Marcos Corrêa/Divulgação/Presidência da República - Marcos Corrêa/Divulgação/Presidência da República
Bolsonaro, seu vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, no lançamento do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares em setembro
Imagem: Marcos Corrêa/Divulgação/Presidência da República

Escola militar x escola cívico-militar

Cruz avalia que há uma confusão entre sociedade e governo sobre o que é escola cívico-militar e o que é escola militar.

"As escolas cívico-militares são uma espécie de remendo. Elas são um modelo incompleto das escolas militares, mas são vendidas com o argumento dessas escolas", afirma.

No Brasil, há escolas militares das Forças Armadas, que têm autonomia para montar o currículo próprio e costumam reservar vagas para familiares de militares, além de fazerem os chamados "vestibulinhos". Hoje, o país tem 13 colégios desse tipo.

Há, também, unidades em parceria com o Corpo de Bombeiros ou com a Polícia Militar, cujo modelo varia conforme o estado, mas o currículo é de responsabilidade das Secretarias de Educação.

Nas escolas cívico-militares, a gestão é compartilhada entre civis e militares. O decreto que institui o programa, publicado em fevereiro deste ano, prevê que militares da reserva atuarão tanto na área administrativa como nas áreas pedagógica e educacional, onde serão responsáveis por fortalecer "valores humanos, éticos e morais", além de "promover a sensação de pertencimento no ambiente escolar".

É das escolas militares que se destaca o Ideb de média 7 para alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, enquanto a média nacional das escolas públicas fica em 4,9 para a mesma etapa de ensino.

Para Cruz, o fato de as escolas geridas pelo Exército atenderem em grande parte familiares de militares, com um nível socioeconômico mais alto, é um dos fatores que explica o desempenho desses colégios.

"Essas escolas militares atendem a uma população diferente, de renda muito maior do que a renda da população que frequenta escola pública no Brasil. Então, o nível socioeconômico dessas famílias já é maior", afirma a especialista.

Desigualdade e evasão escolar

Cruz também demonstra preocupação com um possível aumento na desigualdade entre as escolas devido ao maior investimento do governo nas unidades que fizerem parte do programa. Ela diz, ainda, que o modelo pode expulsar alunos que não se encaixem nele.

"De certa maneira, são escolas que acabam lidando só com um perfil de alunos que se encaixam na proposta de escola cívico-militar", afirma. "Então, quem não se adapta simplesmente vai embora para outra escola ou não vai nem para escola nenhuma, o que aumenta a evasão escolar", completa.

É muito ruim ter um governo federal perdendo tempo e recursos públicos --eles que têm dito tanto que têm responsabilidade em relação aos recursos do contribuinte, do pagador de imposto. Esse é um uso equivocado, que não olha para resultado, mas sim para uma plataforma muito mais ideológica e política, já olhando para as eleições municipais e as eleições de 2022. Não tem nada técnico nessa proposta
Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação

Após a publicação deste texto, o MEC informou por meio de sua assessoria que "73% das escolas cívico-militares possuem taxa de reprovação abaixo da média nacional e 85,5% possuem menor taxa de abandono escolar. Mais de 60% das escolas cívico militares possuem IDEB acima de média nacional".

O ministério também disse que "os custos do Programa serão financiados pelo Ministério da Educação e uma contrapartida do estado ou município que desejar aderir".