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"Precisamos aprender a não compartilhar desinformação", diz especialista

Miriam Romais, do News Literacy Project - Chris Connelly
Miriam Romais, do News Literacy Project Imagem: Chris Connelly

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

10/02/2020 04h00

Resumo da notícia

  • Cada pessoa deve ter responsabilidade sobre o conteúdo que compartilha, diz especialista
  • Miriam Romais pede que se faça uma análise do conteúdo consumido antes de compartilhá-lo

Se você é usuário da internet, provavelmente já compartilhou um conteúdo falso e, sem saber, contribuiu para a propagação de uma desinformação —isto é, informação deliberadamente falsa, criada para prejudicar algo ou alguém. É o que diz Miriam Romais, gerente de engajamento profissional do News Literacy Project, ONG dos Estados Unidos que trabalha para ensinar estudantes a distinguir informações falsas de verdadeiras.

"Cada um de nós tem responsabilidade sobre isso. Estamos clicando em algo e compartilhando antes mesmo de ler esse conteúdo? Sabemos o que ele diz? São altas as chances de que todos nós já tenhamos feito isso. Achamos algo engraçado na internet e reagimos com um 'haha, você acredita nisso?'", diz ela.

Para Miriam, todos, na sociedade atual, precisam de ajuda para lidar com esse problema no mundo digital. "O perigo é que as ferramentas usadas para a disseminação da desinformação continuam evoluindo", diz.

Em entrevista exclusiva ao UOL, Miriam fala sobre a diferença entre desinformação e "fake news" —termo que ela defende que nem sequer seja usado—, o que pode ser feito para combater a disseminação de conteúdo falso e quais podem ser os reflexos da propagação da desinformação para o processo eleitoral. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

UOL - Qual a diferença entre desinformação e "fake news"?

Miriam Romais - Antes de tudo, "fake news" é uma palavra sem sentido. Porque se o conteúdo é falso, não é notícia. É uma expressão que vem sendo usada nos últimos anos por políticos, muitas vezes para desacreditar outros que estão dizendo algo que talvez eles não gostem [que seja dito].

Para falar sobre as diferenças, é preciso pensar no tipo de informação e na intenção que se tem em disseminar aquele conteúdo. A má informação pode ser um erro honesto, como quando alguém precisa divulgar um acontecimento quente e acaba publicando algo errado no caminho.

Mas a desinformação se espalha muito, e muito rapidamente.

Aí é que está a raiz do problema: sabemos identificar o tipo de informação que estamos vendo ou lendo?

No lugar de falar em "fake news", será que a informação não está propositalmente fora de contexto? Como uma foto real colocada junto a um conteúdo sobre algo totalmente diferente, por exemplo. Ou será que é um conteúdo fabricado, isto é, 100% inventado?

Há também conteúdo "impostor" —o que é muito preocupante—, quando alguém se passa por outra pessoa na internet. Ou uma sátira, que as pessoas às vezes acreditam ser real.

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Existe uma maneira fácil de identificar a desinformação?

Sim. A primeira coisa a se fazer, quando você recebe uma informação, é pensar sobre ela, com calma. Muitas vezes as pessoas veem algo na internet e imediatamente enviam para amigos, postam sobre isso no Twitter ou em algum outro lugar sem nem ler aquilo. É preciso ter certeza de que aquilo é, de fato, uma notícia.

Um primeiro passo é ver como aquilo faz você se sentir. Se é uma coisa que você lê e te deixa muito bravo, ao invés de espalhar aquilo pela internet, porque você não sabe ainda se é verdade, faça uma verificação rápida. Vá até o Google e digite o título daquele conteúdo com um ponto de interrogação ao final para descobrir se aquilo é verdade, procure por várias fontes. Isso não leva muito tempo.

Saber diferenciar notícia de opinião também é muito importante. Acho que as pessoas esqueceram que o jornalismo tem como objetivo lançar luz sobre histórias que não estão sendo contadas, para responsabilizar quem precisa ser responsabilizado. E que ele é feito de maneira ética.

Estamos combatendo a desinformação da maneira certa? Existe uma maneira melhor de se fazer isso?

Eu acho que divulgar informação sobre como evitar a desinformação é fundamental. Esquecendo o cinismo, porque muitas vezes as pessoas erguem as mãos para o ar e dizem "bom, eu não sei no quê acreditar, então não vou acreditar em nada".

O perigo é que as ferramentas usadas para a disseminação da desinformação continuam evoluindo. Agora existem os vídeos deep fake [tecnologia que permite colocar o rosto de uma pessoa no de outra, por exemplo], que ficam cada vez mais difíceis de reconhecer.

E nós temos um papel nisso. Cada um de nós tem responsabilidade sobre isso. Estamos clicando em algo e compartilhando antes mesmo de ler esse conteúdo? Sabemos o que ele diz? São altas as chances de que todos nós já tenhamos feito isso. Achamos algo engraçado na internet e reagimos com um "haha, você acredita nisso?".

Se você descobre que algo é falso, talvez compartilhe essa notícia. Diga que encontrou a fonte, ou aquela foto relacionada a outra coisa completamente diferente.

Neste ano, o Brasil e os Estados Unidos passam por um período de eleições. Quais são os perigos da propagação da desinformação considerando esse cenário eleitoral?

O problema é mundial e pode ser aplicado a qualquer eleição. Acho que um grande problema é que o público acaba desacreditando uma mídia que, na verdade, tem credibilidade. E acaba vendo todas as informações [verdadeiras e falsas] como iguais.

Se eles não conseguem reconhecer o tipo daquela informação, acabam se tornando céticos sobre ela, não se preocupam em tentar entender os problemas e podem nem sequer votar. Porque não sabem em quem votar.

Isso é perigoso para a democracia e para a vida da gente. Especialmente em eleições locais, que podem ter um impacto ainda mais direto nas nossas vidas.

Para o processo eleitoral, quais podem ser os reflexos e consequências do uso da desinformação como uma estratégia política?

Se as pessoas ficam confusas com relação ao que fazer, seja por confusão ou por medo, as emoções podem levá-las a não querer fazer nada. É muito importante votar. No Brasil o voto é obrigatório. Mas as consequências podem ser graves porque nem tudo fica online.

Pode acontecer uma manipulação dos votos, e do processo eleitoral como um todo?

Claro. O que lemos e o que vemos ajudam a moldar o mundo ao nosso redor. Então, se estamos lendo coisas que não são baseadas em fatos, estamos fazendo decisões com base nelas.

O que pode ser feito pela sociedade ou pelos governantes? Quem é responsável por ensinar a diferenciar notícia de desinformação?

Acho que todo mundo está reconhecendo que esse é um problema grande agora. Nos Estados Unidos, muitos estados estão aprovando leis para que a educação midiática seja incluída nos currículos e nas salas de aula.

Mas quanto mais pudermos nos educar e então ajudar a educar os outros, melhor. A News Literacy Project, por exemplo, é muito focada em treinar professores. Esse trabalho é feito em conjunto com jornalistas.

Apesar de existirem a educação midiática e os veículos de checagem no jornalismo, muitas vezes eles acabam não dando conta da quantidade de conteúdo falso que nós temos hoje. O que pode ser feito para diminuir esse vácuo?

Algumas plataformas estão desativando bots, por exemplo. Isso é sempre útil. Mas também há o questionamento sobre a intenção daquele conteúdo? Ele foi feito intencionalmente para espalhar confusão e desconfiança ou derrubá-lo pode se tornar uma censura? É uma pergunta muito complicada, que tem muitas camadas. Não há uma coisa que resolva tudo.

Claramente, todos nós precisamos de ajuda. Os jornalistas precisam fazer o seu trabalho, garantindo que tudo seja verificado antes de ser publicado. Nós, como leitores, precisamos nos informar e não apenas fazer com que tudo seja responsabilidade de outra pessoa.

Somos nós os que estamos compartilhando conteúdos. Precisamos aprender a não compartilhar desinformação.

É difícil, porque ela continua evoluindo —assim que acaba um [método], começa outro. Temos que estar constantemente vigilantes, eu suponho.

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