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Entenda as acusações contra a vida acadêmica do novo ministro da Educação

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

27/06/2020 18h15Atualizada em 29/06/2020 14h23

Recém-nomeado ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli da Silva é alvo de uma série de acusações que envolvem indícios de plágio e fraude em sua vida acadêmica.

Decotelli foi nomeado para comandar o MEC (Ministério da Educação) na última quinta-feira (25). De lá para cá, informações que o próprio ministro havia incluído em seu currículo lattes passaram a ser colocadas sob suspeita.

A primeira delas foi um doutorado na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina, título que acabou questionado pelo próprio reitor da instituição, Franco Bartolacci. Segundo ele, Decotelli teve a tese de doutorado reprovada.

Ontem, o MEC apresentou um certificado de que Decotelli cursou a carga horária total de disciplinas necessárias para o doutorado na Argentina, mas o documento não comprova a defesa e a aprovação da tese, etapa que é obrigatória para a obtenção do título de doutor.

Também foram encontrados indícios de que o novo ministro copiou trechos de outros trabalhos acadêmicos em sua dissertação de mestrado, sem dar a devida citação aos autores originais — incorrendo, portanto, em plágio. O MEC ainda não se manifestou sobre estas acusações. Entenda o caso:

Doutorado na Argentina

Ao anunciar a indicação de Decotelli para comandar o MEC, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) divulgou, nas redes sociais, um breve currículo do ministro.

"Decotelli é bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, Mestre pela FGV, Doutor pela Universidade de Rosário, Argentina e Pós-Doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha", escreveu o presidente. As informações também constavam do currículo cadastrado pelo ministro na plataforma Lattes, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

O reitor da universidade argentina, no entanto, desmentiu a publicação feita pelo presidente e o próprio currículo do ministro. Em uma rede social, ele respondeu ao post de Bolsonaro e escreveu: "Nós vemos na necessidade de esclarecer que Carlos Alberto Decotelli da Silva não obteve nenhuma titulação de doutor na Universidade Nacional de Rosário, mencionada nesta comunicação".

Em nota, a assessoria do MEC informou que o novo ministro concluiu, em fevereiro de 2009, todos os créditos do doutorado (isto é, completou a carga horária das disciplinas) em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas e Estatística da Universidade Nacional de Rosário.

A pasta enviou um certificado emitido pela instituição argentina. A obtenção dos créditos, no entanto, é apenas uma das etapas necessárias para a obtenção do título de doutor.

MEC diz que Decotelli concluiu créditos necessários para doutorado na Universidade de Rosário e apresenta certificado emitido pela instituição - Reprodução - Reprodução
MEC diz que Decotelli concluiu créditos necessários para doutorado na Universidade de Rosário e apresenta certificado emitido pela instituição
Imagem: Reprodução

À CNN, Bartolacci afirmou que Decotelli realmente fez o curso de doutorado na instituição entre os anos de 2008 e 2009. Mas, segundo ele, a tese apresentada pelo novo ministro foi reprovada.

Decotelli, por sua vez, deu ainda uma outra versão sobre a falta da tese necessária para o doutorado. Em entrevista ao jornalista César Tralli, da GloboNews, o ministro declarou que não fez a defesa de tese porque não tinha mais interesse em ficar na Argentina.

Currículo alterado

Após a declaração do reitor da Universidade Nacional de Rosário, feita no início da tarde de ontem, o ministro editou o seu currículo na plataforma Lattes.

Na edição, Decotelli retirou o título da tese, anteriormente informada como sendo "Gestão de Riscos na Modelagem dos Preços da Soja", e o nome do orientador, que seria Antonio de Araujo Freitas Júnior, pró-reitor da FGV (Fundação Getulio Vargas).

No lugar, ele deixou apenas "créditos concluídos" e "ano de obtenção: 2009". No campo sobre o orientador, Decotteli escreveu: "Sem defesa de tese".

26.jun.2020 - Curriculo Lattes do ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, com modificação - Reprodução - Reprodução
26.jun.2020 - Curriculo Lattes do ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, com modificação
Imagem: Reprodução

Freitas Júnior, que teria sido o orientador do trabalho de doutorado segundo Decotelli, não informa ter realizado nenhuma orientação na Universidade Nacional de Rosário em seu currículo lattes, cuja atualização mais recente data de 15 de maio de 2020.

O nome de Decotelli também não consta na relação de bancas de trabalhos de conclusão de doutorado que tiveram a participação do pró-reitor da FGV.

Esta foi pelo menos a segunda edição feita por Decotelli em seu currículo no mesmo dia, já que, na manhã de ontem, constava que a atualização mais recente do documento havia sido realizada na mesma data.

Indícios de plágio em mestrado

Além das suspeitas levantadas contra seu título de doutor, logo surgiram indicações de que o novo ministro teria plagiado sua dissertação de mestrado, apresentada à FGV em 2008.

Os indícios foram apontados pelo professor Thomas Conti, do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa). Em sua conta no Twitter, ele publicou trechos da dissertação apresentada por Decotelli e de um relatório administrativo do Banrisul na CVM (Comissão de Valores Imobiliários) que são praticamente idênticos. Em nenhum momento, no entanto, o texto de Decotelli diz se tratar de referência ou citação.

Um levantamento realizado pelo UOL mostrou ainda que Decotelli copiou ao menos quatro trechos de diferentes trabalhos acadêmicos de forma literal, sem indicar a referência ou fazer citações.

Ao UOL, Conti afirmou que decidiu investigar o mestrado do novo ministro depois que um seguidor do Twitter abriu a dissertação e apontou que no resumo em inglês havia erros gritantes e palavras em vermelho.

"Isso é o tipo de problema que nós que orientamos trabalhos acadêmicos e participamos de bancas já ficamos em alerta de que o trabalho foi, no mínimo, mal feito e mal revisado", disse.

Procurada pelo UOL, a Fundação Getulio Vargas informou que "vai apurar os fatos referentes à denúncia de plágio na dissertação do Ministro Carlos Alberto Decotelli". "A FGV está localizando o professor orientador da dissertação para que ele possa prestar informações acerca do assunto."

Ministro nega plágio

Em nota divulgada hoje pelo Ministério da Educação, o ministro nega ter cometido plágios e afirma que, se houve omissões, trata-se de "falhas técnicas".

"O ministro refuta as alegações de dolo, informa que o trabalho foi aprovado pela instituição de ensino e que procurou creditar todos os pesquisadores e autores que serviram de referência e cujo conhecimento contribuiu sobremaneira para enriquecer seu trabalho. O ministro destaca que, caso tenha cometido quaisquer omissões, estas se deveram a falhas técnicas ou metodológicas", disse o MEC.

Dacotelli informou que revisará o trabalho "por respeito ao direito intelectual dos autores e pesquisadores citados".