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Ação contra fraude em cota na UnB analisou traços físicos e levou três anos

13.mar.2020 - Estudantes usam máscara protetora na Universidade de Brasília (UNB), pois está fechada por cinco dias após relatos de coronavírus em Brasília - Adriano Machado/Reuters
13.mar.2020 - Estudantes usam máscara protetora na Universidade de Brasília (UNB), pois está fechada por cinco dias após relatos de coronavírus em Brasília Imagem: Adriano Machado/Reuters

Alex Tajra

Do UOL, em São Paulo

18/07/2020 04h00

Resumo da notícia

  • UnB expulsou 15 alunos por fraudes nas cotas raciais; outros dois ex-alunos tiveram seus diplomas cassados
  • Universidade diz que usou critérios fenótipos (características físicas) para tomar as decisões
  • Expulsões alimentam debate sobre comissões e como as universidade têm de lidar com as fraudes

As recentes expulsões da UnB (Universidade de Brasília) por conta de fraudes nas cotas raciais basearam-se no critério do fenótipo — a totalidade das características observáveis de um indivíduo — e voltaram à jogar luz no debate sobre como as universidades têm de lidar com alunos que burlam essas ações afirmativas, levando em consideração a autodeclaração das pessoas e a autonomia universitária. Nesta semana, a USP também registrou um caso de expulsão por fraude, inédito nos seus mais de 80 anos.

O critério que analisa traços físicos como cor da pele e textura dos cabelos foi uma orientação do STF (Supremo Tribunal Federal) em 2017, quando o tribunal considerou constitucional a lei de cotas nos serviços públicos federais. O Supremo classificou como legítima a adoção de "critérios subsidiários de heteroidentificação", como as bancas avaliadoras dos casos da UnB e da USP.

No caso da UnB, a investigação teve início em 2017, após a universidade receber denúncias do movimento negro sobre fraudes. Em novembro daquele ano, uma comissão foi formada. Foram averiguadas as situações de mais de 100 alunos, e 73 foram descartados de início porque atendiam aos critérios fenotípicos ou não ingressaram por cotas. No total, 25 alunos foram punidos.

A reitora Márcia Abrahão assinou a expulsão de 15 estudantes. Dois ex-alunos que cursaram Direito tiveram seus diplomas cassados (eles podem acionar o Conselho Universitário, colegiado máximo da instituição). Outros oito alunos que estavam afastados da universidade tiveram seus créditos anulados.

Direito e Medicina, com quatro alunos expulsos cada, foram os cursos que mais tiveram registros de fraude comprovada.

Critérios e tempo de apuração

As expulsões trouxeram mais uma vez o debate sobre os critérios e o tempo da apuração. Há quem defenda que critérios como ancestralidade e ascendência sejam levados em consideração. No Brasil, no entanto, há consenso entre estudiosos do tema de que o fenótipo está diretamente ligado ao racismo e à violência contra a população preta e parda.

À reportagem, a universidade afirmou que a comissão investigadora utilizou como base o critério das características físicas "por entender que o racismo estrutural presente no país está associado a isso". Nesse caso, os alunos se autodeclararam pretos, pardos ou indígenas, se matricularam, cursaram as aulas e depois a universidade constatou que eles não pertenciam a estes grupos.

"Para tentar evitar esse problema, em que a pessoa já está lá, cursando e você expulsa, a vaga fica ociosa e o estado perde dinheiro, as universidades estão criando comissões para analisar as vagas para cotistas durante o processo seletivo, antes de a pessoa fazer a matrícula", diz a pesquisadora Anna Venturini, do Afro-Cebrap (Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial).

Universidades como a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) adotaram comissões de análise prévia da autodeclaração dos candidatos. Mas, se por um lado há receio com as fraudes, por outro os críticos apontam que o país optou por uma política pública que leva em consideração o que cada indivíduo pensa sobre si próprio. Uma comissão analisando essa declaração poderia violar esse princípio.

Na Unicamp, mais de mil candidatos que se autodeclararam pretos e pardos no vestibular 2020, e fizeram opção pelas cotas, foram convocados para a banca de averiguação. Destes, 270 —quase um quarto— não compareceram diante da banca, e outros 69 tiveram sua autodeclaração invalidada, mesmo após recursos. A universidade considera exclusivamente dados fenotípicos.

Já a UFRJ começou a usar o sistema de heteroidentificação a partir do primeiro semestre deste ano. Nos resultados que envolveram as inscrições por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), 128 alunos foram considerados "não aptos" para as cotas e outros 153 não compareceram na banca.

Esse tipo de comissão "inibe qualquer tentativa de não respeitar o critério da autodeclaração. Isso aconteceu no nosso processo, ao longo dele um número considerável de pessoas foi desistindo", diz o professor Juarez Xavier, que preside a Comissão Central de Averiguação da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Acaba sendo depurador do sistema, porque ajuda na execução da política pública e inibe qualquer expectativa de não seguir o rito adequado para autodeclaração
Juarez Xavier, professor

Outro ponto relativo às expulsões é se o Ministério da Educação não deveria regulamentar esse tipo de comissão, mas a normativa poderia esbarrar no princípio da autonomia universitária. "Acho interessante que cada universidade tenha seus mecanismos porque elas também aprendem com as suas próprias experiências internas", diz a pesquisadora Anna Venturini.

Vagas ociosas

Outra discussão que envolve as fraudes é o que deve ser feito com as vagas que ficam ociosas, e se a demora no processo não prejudica os alunos que acabaram preteridos por conta de quem não respeitou o sistema de cotas.

A UnB informou que "não há mecanismos específicos para preencher as vagas que ficam desocupadas em quaisquer formas de desligamento. As vagas abertas entram na conta da evasão." "Quando se fala de quatro expulsos do curso de Direito ou quatro de Medicina, por exemplo, não são quatro vagas ocupadas de forma fraudulenta no mesmo processo seletivo. Em um curso de 10 semestres, estamos falando em média de menos de uma fraude a cada dois processos seletivos", diz a universidade.

Xavier, da Unesp, diz que a universidade tem de se esforçar para garantir que a vaga fraudada seja disponibilizada e preenchida por quem tem direito à cota no ano em que essa pessoa presta vestibular. Ele afirma, no entanto, que ainda não conseguiu implementar esse modelo na institução em que atua.

"Depois que a pessoa entra, ela já tem direito àquela vaga, e a universidade inicia um processo administrativo, que costuma ser moroso como um processo judicial. Precisa se garantir a ampla defesa, o contraditório. Para contornar esse problema, estão sendo criadas as comissões para analisar durante o processo seletivo, antes de a pessoa fazer a matrícula", diz Venturini.

Para ela, mesmo com algumas críticas, como no caso dos gêmeos idênticos Alan e Alex da Cunha em 2007 —no qual o primeiro foi considerado preto pela Unb e o segundo branco—, o modelo misto, que junta autodeclaração e a heteroidentificação, é mais seguro para conter as fraudes. Ela cita que, além dessa discussão sobre as comissões, a política de cotas tem outro gargalo: o fato de a política afirmativa racial estar dentro do espectro das escolas públicas, se tornando uma "subcota".

A cota racial acabou se tornando uma subcota, a inclusão de alunos pretos e pardos poderia ser bem maior, e no escopo geral acaba não sendo. Se tivéssemos uma cota só racial, ela proporcionaria uma inclusão maior e mais rápida, mas optamos por essa política pública
Anna Venturini, pesquisadora