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Enem dá chance a mais de 2.400 presos disputarem vaga em faculdades em SP

Marina de Morais César estudou muito e passou no Enem - Kelma Jucá/SAP
Marina de Morais César estudou muito e passou no Enem Imagem: Kelma Jucá/SAP

Paula Maria Prado

Colaboração para o UOL

21/05/2021 04h00

Os olhos de Marina de Morais César, 25, se enchem de lágrimas quando ela fala sobre o futuro.

A jovem que, grávida aos 14 anos, se viu obrigada a largar os estudos na adolescência, afirma ter voltado a sonhar ao ser um dos 263 presos do Vale do Paraíba aprovados na última edição do Enem PPL (Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade), realizado em fevereiro.

No estado de São Paulo, segundo a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária), 2.444 presos tiveram média igual ou acima de 450 pontos e não zeraram a redação.

Com isso, estão aptos a concorrer a uma vaga no ensino superior no segundo semestre deste ano, a partir do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), do ProUni (Programa Universidade para Todos) ou do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil).

Reclusa no Centro de Ressocialização Feminino de São José dos Campos, Marina sabe o que quer: "Direito", cravou ela, que concluiu o ensino médio em 2018 e encarou junto das colegas uma longa jornada de estudos: de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h.

A aprovação foi uma surpresa. Estou feliz. É minha oportunidade de recomeçar, mas agora do jeito certo.
Marina de Morais César, que passou no Enem PPL e visa estudar direito

Recomeço é o substantivo usado também por Taiane Ferreira Silva, 34. Após 17 anos longe dos estudos, a jovem conta que descobriu no cursinho que é possível escrever uma nova história.

Não vou esquecer o passado, mas quero ser melhor. E vou conseguir. Se aqui eu tenho força de vontade, por que seria diferente aí fora?
Taiane Ferreira Silva, que quer cursar serviço social

Novidade

Estudo - Kelma Jucá/SAP - Kelma Jucá/SAP
Parceria no sistema dava materiais complementares, listas de exercícios diários e treinos em redação
Imagem: Kelma Jucá/SAP
Para treinar os candidatos, a SAP ofereceu um curso preparatório entre os dias 25 de janeiro e 22 de fevereiro, com 160 horas/aula à distância, nas quatro áreas do conhecimento que são objeto da prova: ciências humanas, ciências da natureza, matemática e linguagens.

Foram disponibilizados ainda materiais complementares, com listas de exercícios diários e redação.

A medida foi possível graças a uma parceria do CRSC (Grupo de Capacitação, Aperfeiçoamento e Empregabilidade da Coordenadoria de Reintegração Social) da pasta com o instituto SEB. "O resultado foi excelente e trouxe satisfação a todos os envolvidos", afirmou Willy Moretzsohn de Carvalho Pereira, diretor do CRSC.

Prova igual à regular

Taiane Ferreira Silva - Kelma Jucá/SAP - Kelma Jucá/SAP
Após 17 anos longe dos estudos, Taiane vê chance de recomeçar
Imagem: Kelma Jucá/SAP
De acordo com o MEC (Ministério da Educação), a estrutura e o grau de dificuldade das provas do Enem PPL e do Enem regular são iguais. Inclusive, participantes da prova regular que, por algum motivo, têm direito à sua reaplicação, fazem o PPL. A diferença entre as provas, portanto, está no processo de inscrição e aplicação.

"No Enem PPL a inscrição é feita pelo coordenador pedagógico das instituições que aderem ao exame. E a aplicação ocorre em dias úteis, seguidos, e não em dois domingos consecutivos. Os resultados são divulgados em conjunto", informou a nota.

Se em 2010 foram 14.478 inscritos, em 2020 foram 41.864. "Para o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), a educação constitui um meio para a redução da reincidência criminal e da exclusão social."

Oportunidade

Presas - Kelma Jucá/SAP - Kelma Jucá/SAP
Taiane Ferreira Silva (cabelo solto) e Marina de Morais César (com tranças), reclusas no Centro de Ressocialização Feminino de São José dos Campos, no interior de São Paulo
Imagem: Kelma Jucá/SAP
No Centro de Ressocialização Feminino de São José, onde estão Marina e Taiane, o Enem PPL faz parte da rotina há 15 anos. Foram, desta vez, 20 inscrições. "No entanto, apenas 19 prestaram as provas, pois uma, no decorrer do processo, obteve sua liberdade", contou Luciana Ribeiro Carvalho, diretora-geral da unidade.

Segundo ela, por lá, ainda não houve uma participante —que no momento cumpra pena— que tenha ingressado pela nota do Enem na universidade. O Censo da Educação Superior não traz informações específicas acerca de alunos com restrições de liberdade.

O Enem está inserido num contexto social e educacional que vai além da conquista de uma vaga na faculdade. Acreditamos que ele representa a reinserção e a inclusão da pessoa egressa ou privada de liberdade a ter uma oportunidade de iniciar ou retomar os estudos.
Luciana Ribeiro Carvalho, diretora-geral do Centro de Ressocialização Feminino de São José

Após a divulgação dos resultados, cada candidata recebeu seu boletim de desempenho. Via Sisu, no caso de São José, todos os cursos disponíveis pertencem à área de exatas. "Não houve interesse", disse Luciana.

O próximo passo será as inscrições para o Prouni. "Acreditamos que elas terão mais chances de conquistar uma vaga para cursar a tão sonhada universidade."

No Vale, participaram do Enem PPL reeducandos de dez unidades prisionais:

  • Centro de Detenção Provisória Dr. Félix Nobre de Campos de Taubaté;
  • CDP de Caraguatatuba;
  • Centro de Ressocialização Feminino de São José dos Campos;
  • Penitenciária 1 AEVP Jair Guimarães de Lima;
  • Penitenciária 2, de Potim;
  • Centro de Progressão Penitenciária Dr. Edgard Magalhães Noronha;
  • Penitenciária Feminina 1 Santa Maria Eufrásia Pelletier;
  • Penitenciária Feminina 2 Santa Maria Eufrásia Pelletier;
  • Penitenciária 1 Dr. Tarcizo Leonce Pinheiro Cintra;
  • Penitenciária 2 Dr. José Augusto César Salgado, em Tremembé.