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Com Lei de Cotas para ser revisada, parlamentares querem excluir negros

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Maria Clara Abreu

Colaboração para o UOL, de Brasília (DF)

09/10/2021 04h00

Ao completar 10 anos, a Lei das Cotas precisará ter seus efeitos revistos. Antes mesmo da legislação que impulsionou a presença de pretos e pardos nas universidades federais atingir este marco, em agosto de 2022, já há 36 projetos de lei tramitando no Congresso, segundo levantamento obtido pelo UOL.

Estas iniciativas tentam desde garantir a continuidade da política pública e ampliar seus efeitos para outros públicos até retirar o teor racial da reserva de vagas no Ensino Superior.

Sancionada em 2012, a Lei 12.711 prevê a reserva de 50% das vagas das universidades e institutos federais de Ensino Superior a estudantes de escolas públicas. Dentro dessa reserva, estipula regras para destinar vagas a alunos de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e com deficiência.

Quando sancionada, a lei já previa em seu artigo sétimo que, após 10 anos de vigência, ocorreria uma revisão. A redação, porém, não estabelecia como esse processo deveria ocorrer, a que critérios obedeceria, se demandaria algum tipo de mensuração de resultados nem que órgão seria responsável por esta análise. Estas incógnitas têm gerado ainda mais debate sobre o tema. Os PLs levantados tentam preencher essa lacuna.

Prorrogação da lei de cotas

Dos 36 PLs, apenas um deles prevê alterar as duas legislações de cotas em vigor. A Lei 12.990 assegura a pessoas negras a reserva de 20% das vagas em concursos públicos. Sancionada em 2014, ela será objeto de revisão só em 2024. O projeto 461/2020 sugere proibir a realização de procedimentos de heteroidentificação racial.

Um dos pontos em comum entre as iniciativas dos parlamentares é que a lei deve ser prorrogada. De autoria do senador Paulo Paim (PT/RS), o PL 4656/2020, estabelece uma espécie de gatilho para a manutenção da lei.

Pela proposta, se o preenchimento das vagas por alunos de escola pública negros, indígenas, pessoas com deficiência e de baixa renda estiver abaixo do percentual de cada grupo no total da população, a cota é automaticamente renovada por mais dez anos. Se o preenchimento das vagas igualar ou superar esse percentual, a política é mantida por pelo menos mais cinco anos. O PL encontra-se parado no plenário do Senado Federal.

"Precisamos garantir que o mínimo já conquistado permaneça"
Paulo Paim, senador pelo PT-RS

Outro PL que vai nessa linha é o 5384/2020, da deputada Maria do Rosário (PT/RS). Ele prevê tornar permanente a reserva de vagas, além de assegurar o direito ao serviço de assistência estudantil como política complementar à reserva de vagas. O projeto aguarda parecer do relator na CDHM (Comissão de Direitos Humanos e Minorias).

Parte significativa dos PLs apresentados busca expandir o público contemplado pela Lei de 2012. Pronto para entrar na pauta da CDH (Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa), o PL 4662/2019, proposto pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB/PB) prevê reserva de vagas direta para idosos, em especial os maiores de 70 anos, em cursos de graduação de instituições federais de ensino superior.

Já o Projeto de Lei 1983/2021, elaborado pelo senador Jorge Kajuru (PODEMOS/GO), sugere destinar um percentual das vagas a estudantes egressos de programa de acolhimento institucional, isto é, adolescentes que não foram adotados. "Defendo a revalidação da lei para que sejam feitas correções, tornando-a mais social e favorecendo sobretudo as pessoas negras", explica. Até o momento não houve designação de comissão para apreciar a matéria do Senador.

Para o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, "a Lei de Cotas precisa existir enquanto o motivo para a sua existência existir". Segundo ele, ainda há uma desigualdade no acesso da população negra a universidades e outras instituições brasileiras. Por isso, diz ele, é preciso mais tempo para que a lei consiga cumprir seu objetivo de inclusão.

É a melhor política pública para impedir a exclusão dos negros, indígenas e estudantes de escola pública do ensino superior, mas jamais teria condições de entregar os resultados necessários em apenas 10 anos
José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares

A divergência do critério racial

Outros projetos, por outro lado, sugerem diminuir as pessoas atendidas pela lei. O ponto que gera maior controvérsia é o teor racial da reserva de vagas, ou seja, o direcionamento para alunos negros ou indígenas.

Entre estes projetos está o PL 1531/2019, da deputada Professora Dayane Pimentel (PSL-BA), ao qual foi apensado o PL 5303/2019, do deputado Dr. Jaziel (PL-CE). A proposta já está na pauta da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara desde março.

Para o deputado Dr. Jaziel, retirar a menção às cotas raciais tornaria a lei mais coerente. Para ele, a lei não contempla quem de fato sofre maior dificuldade, que são os jovens de baixa renda". No entanto, a própria legislação, um decreto e uma portaria normativa do Ministério da Educação já estabelecem como critério para distribuição de metade das vagas reservadas que os alunos contemplados venham de famílias com renda per capita de até 1,5 salário mínimo.

"Não é porque a pessoa é negra que ela é de baixa renda. Essa correlação é falsa no Brasil. Além disso, privilegia uma raça em detrimento da outra, quando o problema não reside na raça da pessoa, mas no modelo educacional brasileiro e sua ausência de ênfase no ensino de base", diz o deputado.

O parlamentar ainda classifica o critério racial como manifestação do racismo. "A lei estimula a criação de verdadeiros tribunais raciais, que são essencialmente a encarnação do racismo e como já aconteceu em algumas universidades brasileiras. Num país miscigenado como o nosso, quais seriam as características delimitadoras que identificam alguém com a raça negra?", opina.

Para o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, não ter a perspectiva racial é tirar o conteúdo e a fundamentação da lei. "A exclusão atinge de maneira diferente pessoas brancas pobres e pessoas negras pobres. Para negros pobres a exclusão é dupla", rebate.

Pressão

O reitor é uma das pessoas que encabeça o Movimento Cotas Sim, lançado nesta terça-feira (5). A iniciativa conta com apoio de dezenas de instituições, como a OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo) e a Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores), empresas como a Natura e personalidades, como a empresária Luiza Helena Trajano, os atores Zezé Motta e Sergio Lorozza, além do sambista Martinho da Vila.

O reitor explica que a iniciativa também visa balancear o debate no Congresso, dominado por parlamentares apoiadores do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), contrário à lei e à manutenção de políticas públicas semelhantes. Em 2018, ainda candidato à presidência, Bolsonaro afirmou à TV Cidade Verde que políticas como a de cotas são "coitadismo". Em maio deste ano, ele afirmou a apoiadores na saída do Palácio da Alvorada que sempre questionou o sistema de cotas.

"Nosso governo tem um olhar equivocado e preconceituoso contra essa questão. Ele [presidente] já deixou claro que é contra essas medidas afirmativas e vai dificultar qualquer negociação para revisão da lei. Por isso, organizamos esta frente de defesa", explica José Vicente.