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USP pode ganhar Bom Prato em troca de inclusão de alunos da rede pública

Em São Paulo

17/11/2015 11h08

Em troca de mais inclusão de alunos da rede pública, o governo paulista negocia com as três universidades estaduais um reforço nas verbas de permanência estudantil. A ideia é ajudar com o pagamento de bolsas e até instalar nos câmpus restaurantes populares Bom Prato - que ficariam sob gestão do Estado. A contrapartida seria um esforço maior de USP, Unicamp e Unesp para ter ao menos metade dos calouros vindos da escola pública já em 2017.

Desde que as três instituições entraram em crise, no começo do ano passado, esse é o primeiro aceno de ajuda financeira do governo. A principal fonte de receita das universidades é uma parcela de 9,57% da arrecadação estadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A maior parte das políticas de permanência - como construir moradias, manter bandejões e pagar bolsas - é bancada por esse repasse.

Em 2014, os reitores haviam pedido ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) e aos deputados estaduais para elevar a cota de ICMS de 9,57% para 9,907%. O pedido, porém, não foi atendido. O Palácio dos Bandeirantes continua sem intenção de aumentar essa parcela. "Não adianta dar o curso aos meninos, se muitos não têm condições de se manter", diz Márcio França, vice-governador e secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, pasta a que estão ligadas as universidades. "O Estado tem de assumir isso (a manutenção do aluno). A universidade tem é de ensinar", acrescenta.

Ainda não há definições sobre o valor ou o total de bolsas nem sobre a construção de unidades Bom Prato. França pediu aos reitores que apresentassem as demandas e sugestões ainda em 2015, com o objetivo de colocar a ideia em prática já no ano que vem. Alunos das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) também devem ganhar auxílio.

A proposta também é uma tentativa de ponte com grupos da comunidade universitária tradicionalmente contrários ao governo. "Seria uma aproximação com o movimento estudantil", afirma o vice-governador.

Inclusão

A taxa de 50% de calouros da rede pública em 2017 seria um norte, mas não uma obrigação, de acordo com França. A Unicamp já trabalha com esse objetivo. USP e Unesp calculam atingir esse patamar apenas em 2018.

O reitor da Unesp, Júlio Cezar Durigan, no entanto, cogita até antecipar a meta. "Se esse repasse (para permanência) for suficiente, podemos colocar a cota de 50% em 2017", afirma.

Pelo cronograma da Unesp, no vestibular deste ano 35% das vagas vão para a rede pública. Em 2017, seriam 45%. "Fizemos de modo escalonado porque sabíamos que seria difícil absorver esses alunos", explica Durigan. Nos cálculos da reitoria, a inserção desses calouros, entre 2014 e 2018, significa uma demanda extra de R$ 50 milhões.

A Unesp foi a única a aprovar as cotas para candidatos da rede pública, com reserva para pretos, pardos e indígenas proporcional ao registrado na população paulista. USP e Unicamp usam bônus na nota do vestibular para esses dois públicos. Em 2012, Alckmin havia proposto a adoção de cotas nas três, mas o plano não avançou. Já as 63 universidades federais foram obrigadas, por lei, a adotar 50% de cotas até 2016.

Para Marco Antonio Zago, reitor da USP, a proposta também alivia as responsabilidades de gestão. "Restaurantes e creches, que não são tipicamente de gestão da educação, poderiam ser feitos de outras formas", defende ele, também presidente do conselho de reitores das universidades estaduais. "Assim, poderíamos nos dedicar mais ao ensino, à pesquisa."

Sobre as metas de inclusão, Zago afirma que mudanças dependerão do resultado do próximo vestibular. Neste ano, a USP adotou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para preencher parte das vagas, a maioria reservada a alunos da escola pública. "Minha expectativa é de que o número de unidades que aderiram ao Enem aumente", diz. "E a discussão sobre cotas não está afastada."

Em nota, a Unicamp classificou a ideia como "positiva". Disse ainda que essa medida ajudaria o caixa das universidades.

Críticas

Professores, funcionários e alunos das universidades estaduais defendem o reforço nas verbas para permanência estudantil, mas fazem críticas à proposta. Os riscos, segundo eles, são aumentar a dependência em relação ao governo e piorar a qualidade dos serviços, como nos restaurantes.

"O ideal seria aumentar a parcela de ICMS", argumenta Paulo Cesar Centoducatte, presidente da Associação de Docentes da Unicamp. "Assim, as universidades teriam mais flexibilidade para decidir gastos e os reitores não ficariam à mercê do Estado, que pode tirar as bolsas a qualquer momento", diz.

Magno de Carvalho, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP, critica a possibilidade de terceirizar o bandejão. "Isso faz parte de um processo de sucateamento da universidade, que já vem sendo feito." Funcionários dos refeitórios têm se queixado de sobrecarga de trabalho neste ano, após a saída de parte dos servidores em um plano de demissão voluntária.

Marcela Carbone, do Diretório Central dos Estudantes da USP, também vê com ressalvas a oferta de bolsas. "Seria uma vitória do movimento estudantil, que luta para que a universidade fique menos elitizada. Mas depende muito do valor. O que é pago pela USP de auxílio moradia, R$ 400, é insuficiente", afirma a aluna de Artes Cênicas, de 23 anos.

Vindo do interior e sem condições de se manter sozinho na capital, o estudante de Ciências Sociais Rafael Bedoia é um dos que tiveram problemas para se instalar no começo do curso. "Não consegui vaga no Crusp (moradia universitária) e estava difícil alugar um quarto com os R$ 400", conta ele, de 19 anos.

Com a valorização imobiliária na região do Butantã, zona oeste da capital, teve de alugar um quarto pequeno, com mais duas pessoas. "Houve um momento em que achei que teria de desistir", afirma. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.