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Fazenda atribui insustentabilidade do Fies à inadimplência de alunos

Fernando Nakagawa e Luci Ribeiro

Brasília

06/07/2017 16h28

Horas depois de o governo anunciar regras mais duras para o crédito universitário através do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), o Ministério da Fazenda publicou relatório em que destaca a preocupação do governo com a inadimplência do programa. O custo com o calote projetado de acordo com o comportamento dos alunos que ingressaram no programa entre 2010 e 2016 pode chegar a R$ 11,1 bilhões em 2024. Para a Fazenda, a insustentabilidade do Fies é gerada por risco de crédito, subsídio e governança.

"Utilizando-se os fluxos financeiros dos contratos de beneficiários que ingressaram no programa entre o primeiro semestre de 2010 até o segundo semestre de 2016, (eles) indicam que o impacto desse conjunto de contratos no patrimônio público, pelo efeito conjugado de perdas por inadimplência, subsídio implícito e despesa administrativa, alcançará valores significativos no período 2017-2030, atingindo o valor expressivo de R$ 11,1 bilhões em 2024", cita o documento publicado pelo governo.

No relatório, os técnicos do Tesouro avaliam que a insustentabilidade fiscal do Fies pode ser atribuída a três razões diferentes: risco de crédito, subsídio implícito, e governança do programa.

No risco de crédito, a Fazenda nota que a operação começa sem o devido esclarecimento sobre o risco do aluno ao ingressar no programa. "Decorre da pouca clareza do estudante financiado pelo Fies sobre a natureza do crédito que está recebendo: de que se trata de um financiamento, e não de uma bolsa ou de um empréstimo a fundo perdido", cita o texto. "Este fato, atrelado à menor importância desta dívida frente a outras, como a imobiliária, a conta de luz ou a do cartão de crédito, devido às consequências do não pagamento sobre sua vida, tende a elevar a inadimplência do financiamento educacional", completa o relatório.

Outro problema é a concentração do risco na União. Segundo o governo, as instituições de ensino contribuem com menos de 10% dos recursos usados para garantir o seguro do Fies. O restante do valor é pago direta ou indiretamente pelo governo. "Esta concentração de risco pode ser caracterizada como um risco moral das instituições de ensino, na medida em que retira os incentivos de tais instituições tanto na seleção do aluno com potencial de aprendizagem, como na oferta de um curso de qualidade". Nesse trecho do documento, o Tesouro Nacional nota que o "Fies pode ser substituído/complementado por atores privados".

Por fim, o documento também nota que a inadimplência considerada pelo Fies é "claramente subestimada". "Quando se considera o número de contratos com alguma inadimplência frente ao número total de contratos, ambos em fase de amortização, o porcentual sobe para 46,5% para os contratos a partir de 2010 e para 51,4% para todo o estoque", cita o documento. "Dessa forma, a perda esperada do programa tende a ficar próxima a 50%".

Sobre a gestão do programa, o governo diz que "observa-se ausência de planejamento fiscal de médio prazo relacionado à oferta de vagas". "O passado recente indica crescimento abrupto e a necessidade de que a tomada de decisão seja compartilhada com os outros entes, considerando o espaço e risco fiscais existentes e as diversas outras políticas com as quais eventualmente possua sobreposição", cita o relatório.

Além disso, o grupo responsável por conceder o crédito tem representantes das instituições de ensino e dos alunos, "partes interessadas no financiamento". Sobre a instituição financeira, ela "não tem responsabilidade em verificar a renda familiar declarada pelo aluno, atendo-se a avaliar o fiador, quando este é necessário".

"Esse desenho, em que a aplicação dos recursos é direcionada e decidida pelos próprios beneficiários, facilita que a família subdeclare a renda, o que reduz a coparticipação do aluno no pagamento da mensalidade e eleva o valor financiado, diminuindo a focalização do programa e os recursos disponíveis para os estudantes que pertencem a famílias de fato mais vulneráveis", cita o documento.