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Garoto da periferia de São Paulo estudará violoncelo na terra de Mozart

Premiado como violoncelista, ele quer voltar ao Brasil depois dos estudos e dar aula - Roberta Borges
Premiado como violoncelista, ele quer voltar ao Brasil depois dos estudos e dar aula Imagem: Roberta Borges

Paula Adamo Idoeta

Da BBC Brasil em São Paulo

19/08/2015 10h06

Durante a sua adolescência, Matheus Posso, 19, atravessou todos os dias a cidade de São Paulo para estudar música. São mais de 40 km que separam sua casa em Guaianazes, no extremo leste paulistano, do Centro, onde ele frequentou aulas de violoncelo e ensaiou com a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo.

A partir do mês que vem, bastarão alguns minutos de caminhada para chegar ao seu destino final: a Universidade Mozarteum, em Salzburgo (Áustria), terra natal do compositor Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), onde fará quatro anos de bacharelado.

Destacando-se na prática do violoncelo nos últimos anos, ele tornou-se fã dos compositores Bach e Brahms, venceu um prêmio de R$ 15 mil destinado a jovens músicos e foi aprovado, em junho, no processo seletivo da centenária e conceituada universidade austríaca.

Mas, até alguns anos atrás, Matheus não sabia nada de música clássica.

O primeiro contato com os sons ocorreu na igreja, quando ele foi convidado a tocar violino e não sentiu afinidade nenhuma com o instrumento.

Pouco depois nasceu o interesse em se dedicar profissionalmente à música: aos 12 anos, Matheus entrou no projeto Guri, programa de inclusão musical que atende cerca de 13 mil crianças e adolescentes na capital e na região metropolitana de São Paulo, e descobriu o violoncelo.

"Até então não tinha acesso, nem sabia o que era música clássica. Em Guaianazes a música era funk e forró", ri. "Pelo Guri é que eu comecei a pesquisar e entender. Até então a minha vida era o bairro – jogar bola, empinar pipa, rodar peão. Mas eu realmente me identifiquei com aquilo e pensei: quero ser músico."

Em 2012, passou a integrar como bolsista a Orquestra Jovem do Estado de São Paulo e, no ano passado, entrou na Unesp (Universidade Estadual Paulista) para cursar o bacharelado em violoncelo.

"Foram os três anos que mais renderam na minha vida, porque aprendi muita coisa. Quando você tem uma prática de orquestra com até 120 pessoas, faz muitas amizades. É muito legal fazer música em conjunto e se comunicar pela música."

Mas de Guaianazes ao campus da Unesp são mais de duas horas de viagem em transporte público.

"Transportar o grande violoncelo nos vagões lotados sempre foi a parte mais difícil: as pessoas ao lado sempre se queixavam que eu ocupava um lugar a mais", diz. Para tornar a vida mais fácil, mudou-se para o Centro da cidade com alguns amigos – antes de saber que seria aprovado para estudar em Salzburgo.

"Como a cidade é muito pequena, vou morar ao lado da universidade Mozarteum. E isso já é uma realização muito grande, não tem preço – penso no tempo que eu perco no transporte público... Agora vou poder ficar totalmente focado nos estudos."

Despedida

Matheus fez neste mês sua apresentação de despedida com a Orquestra Jovem, na imponente Sala São Paulo, principal sala de concertos da cidade, e embarcará no mês que vem rumo à Áustria.

Ele quer fazer mestrado e doutorado na Europa e depois voltar para o Brasil, onde sonha em "ter um grupo de câmara bem reconhecido, dar aula em uma boa universidade e fazer solos com orquestras. Não compensa guardar o que você aprendeu apenas para si em um país que precisa tanto de cultura."

A bolsa que custeará seus estudos lhe garante também uma viagem anual a São Paulo, para rever os pais e o irmão mais novo – que talvez não consigam visitá-lo na Áustria.

"Minha família não tem muita condição de viajar, ninguém tem passaporte. Mas minha mãe está guardando dinheiro."

Todos ainda estão se acostumando aos voos alçados por Matheus.

"Nunca imaginei que seguiria esse rumo. Sempre tive o sonho de ir para fora do Brasil, algo que foi realizado quando fiz turnê com a Orquestra Jovem. E daí o sonho foi crescendo. A música deu uma dimensão muito grande para a minha vida. É algo que exige muita disciplina, me ensinou a sentar e estudar. Mas o lugar de onde eu vim não pode morrer. Vou sempre ser o brasileiro de Guaianazes que até os 12 anos só brincava na rua. O bom que é a música me trouxe até aqui."