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Cartilha argentina guia estudantes que ocupam escolas paulistas

Roberto Parizotti/ Secom CUT
Imagem: Roberto Parizotti/ Secom CUT

24/11/2015 20h09

Um manual com sugestões práticas para a ocupação de escolas como forma de protesto, criado por estudantes argentinos em 2012, está orientando a atuação dos adolescentes que ocupam pelo menos 110 colégios estaduais em São Paulo.

O guia Cómo Tomar un Colegio (ou "Como Ocupar um Colégio", em tradução livre) foi lançado em Buenos Aires logo após o anúncio de um plano de reorganização das escolas técnicas locais – situação semelhante à que ocorre agora em terras paulistas, onde os estudantes reagem ao projeto que prevê fechamento de 92 colégios e transferência de pelo menos 300 mil alunos pela gestão Geraldo Alckmin (PSDB).

Lá, como cá, adolescentes decidiram ocupar seus colégios alegando não terem sido consultados durante a elaboração do projeto, com o qual discordavam.

Segundo os estudantes brasileiros, a cartilha criada pelos vizinhos sul-americanos tem ajudado principalmente na organização de comissões dentro das escolas, como as que tomam conta de limpeza, segurança e relações com a imprensa.

De acordo com o governo paulista, parte das escolas será fechada e terá futuro incerto, podendo dar lugar a creches ou colégios de ensino técnico e adulto. Outras passarão a oferecer apenas um ciclo de ensino (Fundamental 1 e 2 ou Médio) – o que resulta na transferência de estudantes de outras etapas.

O objetivo, diz a Secretaria Estadual de Educação, é evitar que salas de aula sejam subutilizadas.

Alunos entrevistados pela BBC Brasil contaram que o manual foi impresso e distribuído durante manifestações de rua realizadas em outubro contra a reorganização.

Em seu texto de apresentação, o guia traduzido se propõe a "tentar deixar mais fácil o caminho dos companheiros que estão começando suas lutas agora". Seus criadores dizem que o manual não traz regras definitivas, mas sugestões e "princípios básicos".

"Não existe fórmula secreta nem perfeita para ocupar um colégio. Simplesmente é necessário seguir alguns princípios básicos, ter clareza sobre como se organizar e ajeitar o que foi planejado."

'Sério?'

O guia de ocupação escolar, traduzido pelo coletivo de estudantes secundaristas O Mal Educado, no final de 2013, voltou a circular em blogs e redes sociais às vésperas das primeiras ocupações de escolas paulistas, quando os estudantes protestavam nas ruas contra a medida.

"Já pensou se fizéssemos igual em São Paulo?", dizem as postagens anteriores às ocupações paulistas. "Para aprendermos com nossos companheiros de outros países, traduzimos alguns trechos."

Para uma aluna do terceiro ano do ensino médio, porta-voz do Grupo Autônomo de Secundaristas (GAS), a cartilha ajuda "os estudantes no sentido de como dar os primeiros passos de organização, que são essenciais para a ocupação se manter".

"Eles também dão dicas de preservar o espaço limpo e organizado, porque isso é algo que ajuda a legitimar o movimento", afirma a porta-voz do GAS.

Outra estudante, representante de O Mal Educado, diz acreditar que o guia contribuiu "bastante para a preparação das ocupações em alguns colégios".

A BBC Brasil também conversou com membros da Frente de Estudiantes Libertarios, que criou o manual em 2012 e se define como "organização político-social, composta por estudantes, cujo norte é a revolução social".

À reportagem, eles se mostraram surpresos com a internacionalização do material.

"Sério (que estão utilizando o guia)? Não sabia!". "Está sendo útil?". "Como estão indo as ocupações?".

Assembleias

Descritas como "órgão mais importante durante uma ocupação", as assembleias de discussão são descritas em detalhes – às vezes divertidos.

"Se o conjunto de assuntos é extenso e os debates são chatos e longos, o melhor é colocar um limite de tempo (3 a 5 minutos) para cada intervenção", diz o texto.

No trecho que explica a necessidade de atas que descrevam por escrito as decisões da assembleia, os alunos fazem a ressalva: "como é chato e entediante, esse posto pode ser rotativo".

"É importante que se incentive a participação de todos os estudantes, e não só dos mais experientes", lembram os estudantes. "As decisões mais importantes devem passar por ela (assembleia) e ser discutidas nela."

Seis comissões básicas são propostas: comida, segurança, imprensa, informação, limpeza e relações externas.

A segurança, "carregada de cuidar do patrimônio da escola e dos ocupantes", é descrita como "das mais importantes".

O texto prega a proibição "do uso de álcool, drogas, armas ou qualquer outro elemento proibido pela assembleia" e o "uso de métodos fraternais" para apartar eventuais discussões entre ocupantes.

Segundo a imprensa brasileira, um possível acordo entre estudantes e governo estadual poderia dar fim às ocupações escolares nesta terça-feira. À BBC Brasil, no entanto, a secretaria de educação e a Procuradoria-Geral do Estado disseram que nenhum consenso foi atingido.