Topo

Carência de matemática impede exercício da cidadania, diz premiado

Marcelo Viana (no meio) dividiu prêmio com pesquisador francês (à dir.) - Laurence de Terline
Marcelo Viana (no meio) dividiu prêmio com pesquisador francês (à dir.) Imagem: Laurence de Terline

Daniela Fernandes

De Paris para a BBC Brasil

09/06/2016 15h07

A carência de conhecimentos em matemática no Brasil chega a um nível que "interfere no exercício da cidadania", afirma o diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa) do Rio, Marcelo Viana, que recebeu em Paris na quarta-feira o maior prêmio científico concedido na França.

"O Brasil precisa de matemática", diz o carioca, que citou à imprensa o caso real de uma vendedora de castanhas de caju que oferecia um pacote por R$ 3 e dois por R$ 5, mas se recusava a vender três por R$ 10 por considerar um mau negócio.

"Não estamos falando de profissão tecnológica, e sim de vender castanha de caju. A matemática também entra nesse nível. O país tem que encarar isso como uma prioridade", afirmou após a entrega do prêmio.

Viana recebeu o Grande Prêmio Científico Louis D. por sua obra sobre sistemas dinâmicos - ramo da matemática que estuda fenômenos que se desenvolvem ao longo do tempo -, utilizados em ecossistemas, previsão do tempo, trânsito e movimentos planetários, por exemplo.

A honraria, dada pela primeira vez na área da matemática, é concedida pelo prestigioso Institut de France, que reúne as cinco academias do país, entre elas a de Letras (fundada em 1635), a de Ciências e a de Belas-Artes.

O brasileiro dividirá o prêmio de 450 mil euros (cerca de R$ 1,8 milhão) com o matemático francês François Labourie, da Universidade de Nice, por outro trabalho também na área de sistemas dinâmicos.

Segundo as regras da premiação, 90% do montante distribuído deve ser destinado a pesquisas.

Ensino catastrófico

Para Viana, a matemática no Brasil é "subvalorizada", e o ensino da disciplina é "catastrófico" por causa da má formação dos professores e da falta de incentivos na carreira.

"Primeiro o professor precisa saber matemática. Pode parecer óbvio, mas não é", diz ele, acrescentando que apenas 5% dos formandos nessa área estudaram em universidades públicas e que muitos deles preferem não integrar o sistema de ensino.

A grande maioria, afirma, cursa faculdades privadas, "cujo controle de qualidade é no mínimo duvidoso".

"E mesmo quem, apesar de tudo, decidiu ser professor não terá um salário compensador nem uma carreira motivadora."

Além disso, esses profissionais acabam trabalhando até 70 horas por semana para complementar a renda, diz Viana.

Para ele, o Brasil deveria dar prioridade à situação "muito grave" do ensino da disciplina.

"Temos dados (mostrando) que, ao final do ensino médio, nem sequer 10% dos alunos que são aprovados aprenderam o mínimo desejável."

No último estudo internacional PISA, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), realizado com alunos de 15 e 16 anos, os alunos brasileiros ficaram no 58° lugar em matemática em um ranking composto por 65 países, atrás de lugares como Albânia e Costa Rica.

De acordo com o mesmo estudo, 67,1% dos estudantes brasileiros na faixa etária analisada têm baixa performance na disciplina e poderão, mais tarde, ter dificuldades no mercado de trabalho, o que limita a possibilidade de ascensão social.

‘Bicho-papão’

Para o diretor-geral do Impa, a matemática precisa ser valorizada e se tornar "mais atraente, criativa e próxima das pessoas". Para isso, o papel das famílias é fundamental, diz ele.

"A matemática é um barato. É preciso mostrar isso para a criança desde cedo. Nosso diagnóstico é que o bicho-papão da matemática não existe nos primeiros anos", afirma.

"As crianças gostam de matemática, mas como ela é ensinada nas escolas e a falta de relevância dada pelas famílias faz com que a criança vá se afastando da disciplina."

A área, explica, começa a se tornar um "bicho-papão" para as crianças a partir dos nove anos de idade.

"Pai que diz à criança que ele nunca gostou de matemática está passando o sinal de que não é importante conhecer o assunto", completa.

Olimpíadas de Matemática

O Brasil vai sediar nos próximos dois anos os dois maiores eventos mundiais de matemática, ambos no Rio de Janeiro, que poderão contribuir, na avaliação de Viana, para "mudar a cultura" em relação ao tema e popularizá-lo no país.

A Olimpíada Internacional de Matemática será em julho de 2017. Em agosto de 2018, ocorrerá o Congresso Mundial de Matemáticos, realizado pela primeira vez em um país do hemisfério sul, apesar de existir desde o século 19.

Nesse evento, realizado a cada quatro anos, é entregue a medalha Fields, conhecida como o "Prêmio Nobel da matemática", que o brasileiro Artur Avila, também do Impa, recebeu em 2014.

O Impa irá lançar diversas atividades durante esse período, como o "Festival da Matemática", em abril do ano que vem, "que visa um público amplo", diz Viana.

"Os eventos no Rio vão permitir que alcancemos um público que de outra forma não alcançaríamos."

O pesquisador afirma ainda que acha má-ideia a fusão, pelo governo interino de Michel Temer, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o das Comunicações.

"Não se mexe em time que está ganhando", diz, se referindo ao fato que desde a criação do ministério, há mais de 30 anos, houve uma evolução dos indicadores científicos e tecnológicos no país, que, a seu ver, pode ser atribuída em "boa parte" à ação da pasta.

"Um país que já é uma potência mundial na pesquisa em matemática, como comprovam as muitas conquistas, como a medalha Fields de Artur Avila, precisa tornar-se uma potência mundial também nas salas de aulas e em seus lares", afirma Viana.