Contos Amazônicos

Obra interessante, mas menos conhecida do autor de "O Missionário"

Publicado originalmente em 1893, os "Contos Amazônicos", de Inglês de Souza (1853-1918), chegam afinal à sua terceira edição. A iniciativa, da Editora Martins Fontes, com certeza merece aplausos e por diversas razões.

O principal motivo é o valor histórico e literário dos "Contos Amazônicos", um livro injustamente colocado em plano secundário pelos críticos e historiadores da literatura brasileira. Quando se fala na obra de Inglês de Souza, menciona-se principalmente - quando não de modo exclusivo - o romance "O Missionário" (1891), devido ao fato de ele se inserir no estilo de época predominante no Brasil da segunda metade do século 18, o naturalismo.

Entretanto, o que há de pior em "O Missionário" é justamente o seu caráter naturalista, marcado tanto pelo esquematismo determinista na interpretação da realidade psicológica e social que põe em foco, quanto pelos excessos retóricos e descritivos que truncam ou se sobrepõem à narração propriamente dita, tornando o romance indigesto, em particular para o leitor contemporâneo.

Ao contrário, nos "Contos Amazônicos", Inglês de Souza conseguiu escapar à fôrma do naturalismo, produzindo uma obra original e de leitura ainda hoje agradável. Uma obra de cunho regional que antecipa o melhor da nossa prosa regionalista de meados do século 20: José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Guimarães Rosa.

A linguagem dos nove textos que compõem o volume é objetiva e bastante concisa, caracterizando-se por uma oralidade simpática e extremamente adequada, pois os contos reproduzem "causos" que diversos narradores estão trocando entre si, numa espécie de sarau narrativo, que o leitor vai pressentindo por pequenas indicações dadas pelos próprios narradores, a partir do segundo conto do volume.

Essa oralidade, por sinal, atinge seu ápice no conto "O gado do Valha-me Deus", que tem por narrador um vaqueiro, o Domingos Espalha, cuja sintaxe cheia de idas e voltas e o rico vocabulário popular e regional evocam pioneiramente a linguagem do Riobaldo de "Grande Sertão: Veredas".

Além dessa requintada elaboração estilística, em termos de linguagem literária, também cabe observar o brilhantismo com que Inglês de Souza maneja o gênero conto. Em especial aqueles que se situam no terreno da literatura fantástica, como "A feiticeira", "Acauã", "Amor de Maria" e "O baile do judeu", além de "O gado do Valha-me Deus" já mencionado.

Em todos eles, o autor soube elaborar literariamente personagens e situações sobrenaturais extraídas do folclore ou do imaginário popular regional, criando narrativas que, além do final surpreendente, têm um clima denso e assustador.

Mas também têm o mesmo impacto os outros contos do livro, que abordam temas ligados à história do Brasil e denunciam o descaso do governo nacional, do Império e da primeira República, com a região amazônica. "O voluntário", por exemplo, revela como eram recrutados "a pau e corda" os "voluntários da pátria" durante a Guerra do Paraguai.

"O donativo do capitão Silvestre" reflete os ânimos da região, quando da eclosão da Questão Christie. Finalmente, "O rebelde" - que por sua extensão é mais uma novela do que um conto propriamente dito - tematiza a revolta da Cabanagem, ocorrida no Pará entre 1835 e 1840.

Indicações

Ensino Médio. Para o professor de literatura brasileira que deseje oferecer uma visão menos padronizada da literatura brasileira. O livro também cria a possibilidade de trabalhos interdisciplinares com a área de história do brasil.
 

Contos Amazônicos

Inglês de Souza

Editora Martins Fontes

205 págs.

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