Educação deve receber R$ 364 bi do pré-sal. Mas poderia ser muito mais
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Pedro Ladeira/Folhapress
10.jul.2013 - André Figueiredo (PDT- CE) lê seu relatório sobre a Lei dos Royalties em sessão da Câmara
Desde que foi sancionada em setembro de 2013, a chamada Lei dos Royalties (12.858/2013) gera muitas dúvidas.
Ainda não se sabe qual o volume de recursos será destinado à educação pública ou mesmo se ele será suficiente para melhorar o salário dos professores -- estratégia fundamental para melhorar a qualidade da educação, além de medida de justiça com esses profissionais. A sociedade brasileira ainda não compreendeu também qual é a interlocução entre essa lei e o PNE (Plano Nacional de Educação), que segue em tramitação no Congresso.
Para responder a essas perguntas e contar um pouco como foi elaborada a primeira lei que vincula receitas petrolíferas à educação pública e à saúde no Brasil, entrevistei o deputado André Figueiredo (PDT-CE), relator da matéria na Câmara dos Deputados.
O parlamentar cearense, que é economista e advogado, apresenta uma previsão de receitas para a educação pública advinda do Pré-sal, fala sobre a importância do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial) no PNE e sintetiza os próximos passos para o alcance da meta equivalente a 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação pública.
Daniel Cara - Qual é a previsão de receitas vinculadas à educação na Lei dos Royalties?
André Figueiredo - Se o leilão do campo de Libra não tivesse sido tão generoso com as companhias petroleiras, o que inclui a Petrobras, haveria mais recursos. Elas ficarão com um percentual muito maior de receitas do que a União. A nossa lei é avançada, decisiva, mas o leilão de Libra não fez jus à legislação que criamos. Aliás, a exploração do petróleo, ao longo da História do Brasil, não tem respeitado o interesse nacional. O petróleo precisa voltar a ser nosso. O que quero dizer, segundo as previsões mais criteriosas da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, é que a educação pública receberá R$ 364,5 bilhões do Pré-sal em 17 anos, mas poderia ser muito mais. Poderia chegar ao triplo disso.
Cara - Quando esse dinheiro começa a ser investido em educação pública e saúde?
Figueiredo - O Pré-sal já é uma realidade. Em 2014 teremos mais de R$ 3 bilhões de reais que serão aportados como recursos adicionais ao orçamento da educação, provenientes dos campos em operação no regime de concessão [para se ter uma ideia, o orçamento do MEC em 2013 foi de 89 bilhões]. Em 2018, quando teremos produção em regime de partilha no campo de Libra, esse número já deverá dar um salto para mais de R$ 30 bilhões por ano e, ainda, crescerá nos anos seguintes à medida que a produção de petróleo na área do Pré-sal aumentar. Mas poderia ser melhor...
Cara - Esse recurso poderá ser utilizado para o pagamento de professores?
Figueiredo - A lei que aprovamos garante que a parcela da educação poderá ser utilizada, também, para o pagamento de professores e demais trabalhadores da educação. Isso é o essencial para a qualidade da educação.
Cara – A Lei dos Royalties foi uma conquista. Mas segundo as previsões, as receitas vinculadas à educação, advindas do campo de Libra, não devem alcançar nem o equivalente a 1% do PIB ao ano [atualmente, R$ 48 bilhões]. O PNE (Plano Nacional de Educação) demanda um volume de quase 4,5% do PIB adicionais no décimo ano do plano. Hoje investimos o equivalente a 5,5% do PIB em educação pública. E precisamos alcançar o patamar de 10% do PIB até 2023. Há outras possibilidades de vinculação de receitas petrolíferas à educação pública?
Figueiredo - Há muitas alternativas e elas são decisivas. Por exemplo, a Petrobras recebeu uma área chamada de cessão onerosa, mas com um teto de exploração de 5 bilhões de barris. Ocorre que pesquisas recentes mostram que há cerca de 10 bilhões de barris nessa área, o dobro do teto. Então, as áreas onde estão esses 5 bilhões de barris extras devem retornar à União, ao Governo Federal. Voltando elas devem ser negociadas e gerar bônus de assinatura, royalties de 15% e excedente em óleo [espécie de lucro de exploração no contrato de partilha da produção]. Isso tudo deve ser depositado no Fundo Social do Pré-sal, indo metade do depósito e do rendimento para educação pública. É um volume importante de receitas.
Cara – Há alguma alternativa além do retorno dessas áreas de cessão onerosa?
Figueiredo – As áreas unitizáveis. Em algumas situações, ainda que tenham sido realizadas diversas análises, somente após o início da exploração e produção é possível identificar que, não raro, blocos adjacentes pertencem a uma jazida única. Constatada a existência de uma só reserva, as empresas concessionárias das jazidas terão que encontrar o melhor mecanismo para operar a jazida em comum. Para a exploração da jazida em comum, as empresas deverão celebrar um acordo de unitização, após os pareceres de diversos setores, tais como contábil, técnico e legal. Esse mecanismo, ao ser implementado, pode aumentar significativamente as receitas da União, pois toda a área será explorada, incluindo as adjacências. As petroleiras gostam de extrair petróleo apenas das áreas mais fáceis. E eu defendo que a destinação das receitas advindas dos acordos de unitização se dê na educação pública. Isso faz jus à intenção dos movimentos educacionais e também da presidenta Dilma.
Cara – Uma dúvida frequente: Estados e Municípios precisam ter leis próprias para vincular suas receitas petrolíferas à educação e saúde?
Figueiredo - Sim, os Estados e Municípios precisam sancionar suas leis com a mesma destinação de recursos da lei nº 12.858/2013. Isso é necessário para poderem receber, prioritariamente, as receitas da União. Temos conhecimento que vários Municípios já tomaram iniciativas nesse sentido. Há, inclusive, Estados tomando esse rumo.
Cara – Como foi a relação com a presidenta da Dilma durante a tramitação da Lei dos Royalties?
Figueiredo - A posição do Palácio do Planalto foi de manter o texto original do PL 5500/2013, que destinava menos de R$ 30 bilhões para a educação no período de 2013 a 2022. Isso ocorreu até a Presidenta Dilma entender o que estava acontecendo. Travamos debates muito duros e intensos com as autoridades do governo, principalmente, com as do setor de energia e educação na época, pautados por uma visão equivocada técnica e politicamente. Felizmente, nossa proposta foi abraçada pela presidenta Dilma, que assim que teve a oportunidade de conhecê-la com mais profundidade, interveio decisivamente no processo. Foi assim que ela neutralizou as resistências de parte poderosa, porém míope, da máquina governamental. Conseguimos romper essa barreira com ela. A pressão dos movimentos [sociais e educacionais] foi fundamental também, inclusive para chamar atenção do erro que seria cometido caso fosse aprovado o original do PL 5500/2013.
Cara – Diante da resistência de setores do Governo Federal, como foi possível aprovar a lei na Câmara dos Deputados?
Figueiredo – A tramitação da Lei dos Royalties pegou embalo mesmo graças às manifestações de junho. Como ensinou Guimarães Rosa, o que a vida quer da gente é coragem. Então fomos conquistando maioria na Câmara dos Deputados aos poucos, respondendo às ruas. Nesse processo, não posso deixar de destacar o papel desempenhado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que exerceu notável liderança junto às entidades da educação, mesmo diante das pressões contrárias à vinculação de metade do Fundo Social do Pré-sal [à educação pública]. Os burocratas das pastas de energia e da educação do Governo Federal resistiam a essa proposta. Mas sem essa vinculação, a Lei dos Royalties não teria trazido dinheiro novo. Quando a presidenta Dilma entendeu isso, minou as resistências dentro da Esplanada dos Ministérios.
Cara – A juventude liderou as manifestações de junho. Como foi o diálogo com os movimentos juvenis sobre a Lei dos Royalties?
Figueiredo – No âmbito do movimento juvenil e estudantil, a JSPDT (Juventude Socialista do Partido Democrático Trabalhista) e a JPL (Juventude Pátria Livre) tiveram o mesmo papel que o da Campanha na Educação. Enfrentaram as barreiras que tentaram ser impostas. Hoje todos os atores sociais, além de todas as forças políticas, defendem a Lei dos Royalties. Isso é bom. O Brasil conquistou uma norma jurídica boa. Foi um bom começo.
Cara - Como a Lei dos Royalties conversa com o Plano Nacional de Educação?
Figueiredo - O diálogo é intenso. O PNE representa a estratégia da educação para os próximos 10 anos. A Lei dos Royalties vem amparar o PNE à medida que garante parte dos recursos necessários para se atingir um investimento equivalente a 10% do PIB para a educação pública, embora não seja suficiente para tanto. Demos um primeiro passo até o momento. Decisivo, inédito, mas um passo. Outros são necessários.
Cara - Você integra a Comissão Especial dedicada a analisar o PNE. Qual é o principal desafio do plano?
Figueiredo - Nossa principal luta no PNE, nesse momento, é a aprovação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e do Custo Aluno-Qualidade (CAQ). Porque o primeiro representa o padrão mínimo de qualidade na educação pública e o segundo o padrão de qualidade, aproximando o Brasil dos países mais desenvolvidos. São formulações da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aprovadas na Conae-2010 [Conferência Nacional de Educação de 2010] e em todas as etapas estaduais da Conae-2014, além do CAQi ter sido normatizado pelo CNE [Conselho Nacional de Educação]. Mas para viabilizar ambos é preciso a participação financeira da União. Por isso, nossa luta é pela retomada da Estratégia 20.10, que diz que cabe ao Governo Federal complementar recursos aos Estados e Municípios que não atingirem os valores do CAQi e, posteriormente, do CAQ. Para isso, está prevista a edição de uma nova lei. Ou seja, é uma medida responsável.
Cara - O relator Angelo Vanhoni (PT-PR) decidiu retomar as estratégias do CAQi e do CAQ no PNE. Como você avalia essa reincorporação?
Figueiredo - Como uma conquista. Graças à pressão da sociedade civil e após os destaques de vários partidos e de inúmeros parlamentares dedicados à área - como meu companheiro de partido, Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), a Profa. Dorinha (DEM-TO) e o Ivan Valente (PSOL-SP) -, o relator Angelo Vanhoni reincorporou a Estratégia 20.10 ao seu texto, além das demais estratégias do CAQi e CAQ [20.6, 20.7 e 20.8], aprovadas pela Câmara dos Deputados em junho de 2012 e prejudicadas no Senado Federal.
Cara - Como pode ser viabilizada a Estratégia 20.10, que trata da complementação da União ao CAQi?
Figueiredo - Em grande parte, por meio de uma maior vinculação de receitas petrolíferas à educação. É preciso analisar de que forma isso pode se dar, mas creio que esse é um caminho, além do imposto sobre grandes fortunas e outros meios. Além do dinheiro novo, sem dúvida a União precisa dividir o bolo arrecadatório, ser mais ativa. Mas isso tudo deve ser feito com critério, para não haver desperdício em Estados e municípios. O Brasil deve ser mais cioso com o dinheiro púbico e o CAQi é um instrumento para isso, pois planeja o financiamento da educação pelos insumos necessários nas escolas, como o piso do magistério, uma política nacional de carreira, formação continuada dos professores e uma infraestrutura adequada, digna.
Cara - Quais os próximos passos para vinculação das receitas do petróleo para a educação pública e a saúde?
Figueiredo - Lutar para garantir o retorno das áreas da União em cessão onerosa à Petrobras e que excedem a 5 bilhões de barris. Esse excedente deve ser explorado no regime de partilha, rendendo mais frutos ao povo brasileiro, desde que o leilão seja responsável. Também precisamos pressionar a ANP para que ela estabeleça meios para a celebração de acordos de unitização. Além disso, é necessário aprovar no Congresso Nacional um marco legal do petróleo visando o interesse nacional. Isso se faz com a vinculação de fatias maiores de receitas para o Estado Brasileiro e não para as empresas, como ocorreu com o leilão de Libra. Outro desafio é vincular na lei os recursos auferidos pela União com bônus de assinatura em futuros leilões de áreas do Pré-sal. Há muito que se fazer e sinto o compromisso de diversos parlamentares em lutar pelos interesses do Brasil e não das petroleiras.
Daniel Cara
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.