Derrota do Brasil na Copa: faltou futebol, não educação
A derrota da Seleção Brasileira na Copa é exclusivamente resultado da incompetência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Virou lugar comum. Todos os traumas nacionais têm sido explicados pela falta de educação pública de qualidade. Até mesmo o fracasso na Copa do Mundo.
O argumento parece atraente e está razoavelmente assentado na correta ideia de que a consagração do direito à educação é central para o desenvolvimento do país. Como bem ensinou Paulo Freire, "se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a sociedade muda".
Ainda assim, sem desconsiderar os problemas históricos da educação pública brasileira, a derrota da Seleção na Copa foi, exclusivamente, esportiva. A verdade é que o futebol brasileiro está em xeque.
Contudo, para negar o óbvio, os dirigentes lançam mão de qualquer desculpa. Dias atrás, o jornal "O Estado de S. Paulo" repercutiu aspas do presidente eleito da CBF, Marco Polo Del Nero, após a derrota do Brasil para a Alemanha.
Depois de afirmar que "a escola é a base de tudo", o futuro mandatário do futebol nacional cometeu dois erros básicos.
Primeiro, demonstrou total desconhecimento sobre os objetivos da educação física. Segundo, atribuiu mais uma tarefa para as unidades escolares, como se elas já tivessem poucos desafios.
Ele disse: "O governo precisa dar maior prioridade para o esporte na rede pública. Os clubes não podem fazer tudo. Parte desse trabalho de base [formação de atletas] precisa ser construído pelas escolas". Del Nero assumirá a presidência da CBF em abril de 2015.
Não há dúvida de que é necessário e desejável reforçar a educação física nas escolas públicas brasileiras. Apenas 16% das unidades escolares possuem quadras poliesportivas cobertas, segundo o Censo Escolar de 2011. Além disso, muitos professores não contam com formação adequada e faltam materiais pedagógicos tanto para a prática esportiva como também para uma ampla e desejável gama de manifestações corporais e culturais, todas essenciais para a boa formação dos estudantes, como ensina o professor Marcos Neira (USP).
Além disso, é evidente que o acesso à educação pública de qualidade ajudaria o Brasil a ter cidadãos mais preparados e, consequentemente, jogadores com melhor preparo psicológico e maior repertório cultural. Isso facilitaria aos atletas, inclusive, a leitura tática do jogo. Mas a verdade é que as contribuições formativas da boa educação, o que inclui a boa educação física, não devem se preocupar com resultados no esporte.
O acúmulo de conquistas esportivas depende de trabalhos metódicos, alicerçados em conhecimento científico e organizados para colher frutos no longo prazo.
Para não insistir nos exemplos do futebol – e nos títulos mundiais exemplares de Espanha (2010) e Alemanha (2014) –, os atletas africanos se tornaram maratonistas quase imbatíveis, bem como os jamaicanos são velocistas quase mitológicos. O próprio Brasil tem ótimos exemplos de sucesso, como é o caso do vôlei masculino e feminino.
As vitórias, nesses casos, estão baseadas em uma seleção criteriosa de jovens promessas, somada a extensos trabalhos de preparação, muitas vezes fundamentados no tratamento individualizado dos futuros atletas, mesmo nos casos dos esportes coletivos.
Mas nem tudo é meritório nas fábricas de campeões. Nem todas as crianças e adolescentes se convertem em superatletas. E independentemente de terem sucesso ou não, não é raro serem expostas a inaceitáveis processos de pressão psicológica, entre outros abusos. Nesse caso, é preciso de regulação pública. Algo quase inexistente nas categorias de base (boas ou ruins) daqui e de outros países do mundo.
Em suma, a derrota brasileira na Copa foi fruto de má gestão esportiva. Resta o alerta para que o fracasso no Mundial não tente ser solucionado por meio de programas mirabolantes dedicados a reinventar as aulas de educação física, como se fosse papel dessa disciplina e das escolas brasileiras a formação de futuros craques.
Daniel Cara
Coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, bacharel em ciências sociais e mestre em ciência política pela USP.