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Resgate da cultura indígena

Lucila Cano

25/09/2015 06h00

Imagine o leitor que, afora o português, expressões regionais e gíria, o Brasil reúne cerca de 160 línguas indígenas. E, se isso parece surpreendente em um primeiro momento, mais surpreendente ainda é saber que há muito mais línguas indígenas no país.

Segundo João Pedro Gonçalves da Costa, presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), 305 povos indígenas habitam o Brasil mas, até o momento, o trabalho de catalogação de nossas muitas línguas envolveu 135 povos.

A preservação das línguas e culturas indígenas decorre de uma parceria entre a Funai, o Museu do Índio e a Unesco no Brasil. Assim surgiu o Programa de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, que busca formar pesquisadores indígenas e não indígenas, além de criar arquivos digitais e centros de documentação em aldeias e no Museu.

O resultado dessa parceria são kits do programa que foram entregues a lideranças indígenas e demais convidados em 21 de setembro, durante cerimônia no Museu do Índio, no Rio de Janeiro.

Sete anos de trabalho

Agora, os kits serão distribuídos a comunidades e escolas indígenas, como fonte de pesquisa e aprendizagem. Representam o primeiro estágio de um trabalho abrangente de registro e salvaguarda do patrimônio cultural indígena, que durou sete anos, envolveu 30 mil indígenas de 35 etnias e estendeu-se por 14 Estados.

A amplitude da iniciativa pode ser medida em números. Cerca de 200 pesquisadores e muitos professores indígenas trabalharam no projeto. Eles realizaram 331 oficinas e produziram 70 mil fotografias digitais. As filmagens somaram 1,6 mil horas e as gravações de áudio chegaram a 425 horas. O produto final dessa maratona rendeu 32 filmes, 42 publicações, 14 dossiês linguísticos, 30 galerias virtuais e 25 exposições temporárias.

Tal resgate cultural é muito importante para o país e ocorre em boa hora, pois das línguas indígenas já estudadas, 30 estão em perigo de extinção porque não são mais passadas de uma geração para outra.

Etnias premiadas

No mesmo 21 de setembro, data em que a Unesco comemora o Dia Internacional da Paz, a ONU anunciou os ganhadores do Prêmio Equator 2015, que reconhece iniciativas cidadãs para reduzir a pobreza, proteger o meio ambiente e conter os efeitos da mudança climática.

Dois grupos indígenas brasileiros estão entre os 21 vencedores. Cada um recebe prêmio de US$ 10 mil e poderá enviar representante para uma reunião comunitária que será realizada durante a Conferência do Clima 2015, em Paris, em dezembro próximo.

Um deles é o Instituto Raoni, fundado pelo povo indígena Kayapó, que protegeu 2,5 milhões de hectares de floresta por meio do projeto “Guerreiros do vídeo”, no qual os Kayapós documentaram a extração ilegal de madeira na Amazônia.

O outro grupo vencedor foi o Movimento Ipereg Ayu que se mobilizou para bloquear a construção de uma represa no Rio Tapajós que, concluída, poderia submergir o território habitado pela etnia.

Sobre o Dia Internacional da Paz, Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, divulgou mensagem em que diz: “A paz deve ser construída nas mentes das mulheres e dos homens, com base nos direitos humanos e na dignidade, por meio da cooperação em educação, ciências, cultura, comunicação e informação. A solidariedade e o diálogo são os fundamentos mais fortes para a paz, orientados pela igualdade, pelo respeito e pela compreensão mútua”.

Sobre nossos indígenas, repito o fecho da coluna que escrevi no início deste ano a respeito de alguns deles que passaram no vestibular e ingressaram em uma faculdade: “Os indígenas brasileiros são capazes de superar dificuldades e serem bem-sucedidos. No entanto, as carências de estudo, assistência médica, saneamento, integração social e trabalho digno ainda são imensas. Nossos índios, assim como outros tantos milhões de brasileiros, clamam por mais atenção e melhores condições de vida. Na verdade, é disso que todos precisam: condições para viver, produzir e prosperar”.

* Homenagem a Engel Paschoal (7/11/1945 a 31/3/2010), jornalista e escritor, criador desta coluna.