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Legislação - Mais de 34 mil leis "ordenam" a vida dos brasileiros

Antonio Carlos Olivieri, Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

"A lei, ora, a lei". O uso dessa frase célebre é atribuída ao ditador Getúlio Vargas, que com ela teria manifestado desprezo pelas leis, podendo fazê-las ou mudá-las a seu bel-prazer. Na verdade, como conta o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Domingos Franciulli Neto, a frase foi usada, sim, pelo próprio Vargas - mas em outra ocasião.

Ele não era mais o ditador do país, mas um senador, e a proferiu num comício no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, referindo-se a como grande parte dos patrões pouco se importava com as leis trabalhistas. Independentemente disso, Getúlio Vargas nunca teve mesmo um grande respeito à lei.

Durante o Estado Novo (1937-45), por exemplo, decretou a chamada Lei Terezoca, para permitir que seu amigo, o jornalista Assis Chateaubriand, ficasse com a guarda da filha, Tereza, após separar-se da mulher. O ditador, aliás, chegou a decretar uma lei do divórcio que vigorou por um único dia: tempo suficiente para que um parente seu se livrasse de um casamento a contragosto.

Abusos como esses, porém, devem ser encarados como exceção e não como regra. As leis são coisas seriíssimas. Quando legítimas - isto é, quando garantem o interesse da sociedade e dão respaldo ao Estado de Direito - devem ser respeitadas e obedecidas, em nome do bem comum.



Norma, ordem, regra

Mas você pode se perguntar: afinal, o que é uma lei? No sentido jurídico, a lei é uma norma, uma ordem, uma regra geral de conduta, que exprime a vontade imperativa de um Estado e à qual todos os seus cidadãos devem se submeter, podendo mesmo ser punidos em caso contrário.

Ainda que você desconheça uma lei, isso não lhe dá o direito de desobedecê-la. Precisamente por isso, vale a pena ter alguma noção do que é o ordenamento jurídico brasileiro - ou seja, o conjunto de leis que normatizam nossas vidas. Conhecê-las a fundo é o ofício dos advogados, mas ter um conhecimento mínimo delas é o que permite a qualquer um o bom exercício da cidadania.

Naturalmente, não se trata que uma questão simples, mesmo porque o ordenamento jurídico em vigor, segundo estudo do ministro Ives Gandra Filho, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é composto por 34 mil regras legais. São 10.204 leis ordinárias, 105 leis complementares, 5.834 medidas provisórias, 13 leis delegadas, 11.680 decretos-leis, 322 decretos do governo provisório e 5.840 decretos do poder Legislativo.



Obscuridade e contradições

Para piorar, é um consenso entre os juristas que se trata de milhares de textos obscuros, muitos inconsistentes, vários repetitivos ou contraditórios, com o agravante de existirem polêmicas sobre o que ainda está ou não em vigor, porque os legisladores costumam abusar do célebre "revogam-se as disposições em contrário" ao encerrar o texto de uma lei.

É também em função disso que nossa Justiça é lenta e certas causas podem-se arrastar nos tribunais durante décadas. Sem falar nas diversas brechas que existem nesse ordenamento desordenado, as quais acabam possibilitando a impunidade, um dos mais graves problemas brasileiros. A solução para tudo isso só pode ocorrer gradualmente, com reformas e aperfeiçoamentos da legislação.

É melhor, porém, deixar de lado as divagações e apresentar algumas informações concretas que lhe permitam se situar minimamente no labirinto da legislação brasileira. Existe uma hierarquia legislativa no país, que garante que certas leis têm prevalência sobre as outras. Em primeiro lugar, está a Constituição Federal, que entrou em vigor em 5 de outubro de 1988.



Leis complementares e ordinárias

Abaixo dela vêm as leis complementares, que, como o nome já diz, complementam, explicam ou adicionam elementos às leis da Constituição, quando estas têm um caráter generalizador e precisam de especificações para poderem ser cumpridas. Um exemplo de lei complementar é a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (Lcp nº 101, de 4 de maio de 2000), que visa garantir o equilíbrio das contas públicas, impedindo que os governantes gastem mais do que podem.

A seguir encontram-se as leis ordinárias, ou seja, comuns, que são elaboradas pelo poder Legislativo em sua atividade típica de legiferar, isto é, fazer leis. É o caso da lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, o que dispensa mais explicações sobre seu conteúdo.

Ao lado das leis ordinárias, há também as leis delegadas, que são criadas pelo presidente da República, com autorização do Congresso Nacional, para regular assuntos técnicos administrativos. A lei delegada nº 1, de 26 de setembro de 1962, serviu para criar cargos de ministros extraordinários que integram o Conselho de Ministros.



Medidas provisórias e decretos-lei

Na mesma posição hierárquica, encontram-se as medidas provisórias, um instrumento que permite ao presidente da República legislar sobre assuntos considerados relevantes e urgentes. Estas, entretanto, exigem considerações mais extensas e específicas que podem ser encontradas no artigo Medida Provisória.

A medida provisória é uma herança dos governos ditatoriais, quando os presidentes da República detinham poderes excepcionais e podiam outorgar decretos-leis. Veja, os decretos são normas determinadas pelo chefe do Executivo para disciplinar situações particulares. Estão hierarquicamente abaixo das leis, enquanto os decretos-leis se equiparam a elas ou têm força de leis.

Pela Constituição atual, o presidente já não pode emitir um decreto-lei. No entanto, como já se disse, há mais de 11 mil decretos-leis que continuam em vigor. Um exemplo é o Código Penal, criado pelo decreto-lei nº. 2.848, de 7 de setembro de 1940, no Estado Novo.

Para encerrar, as considerações aqui apresentadas valem para a legislação federal, aquela que vigora em todo o país. Mas convém lembrar que funcionam também, de modo análogo, a legislação dos Estados e dos municípios brasileiros.