Invasão do Brasil - Não foi Cabral quem "descobriu" o Brasil
"Pedro Álvares não foi o primeiro português a pisar em terras brasileiras". Em entrevista, o historiador Marco Antônio Villa, professor da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) contesta a versão "oficial" do descobrimento do Brasil e explica como se deu a colonização portuguesa.
Cabral foi o primeiro português a chegar ao Brasil?
Não. Em 1498, dom Manuel 1º, rei de Portugal, incumbiu o navegador Duarte Pacheco Pereira de uma expedição a oeste do Atlântico Sul. Suas caravelas atingiram o litoral brasileiro e chegaram a explorá-lo, à altura dos atuais estados do Amazonas e do Maranhão. A notícia foi mantida em segredo pelo governo português, devido à concorrência espanhola na conquista da América do Sul.
Qual o significado do 22 de abril de 1500, então?
Essa é a data oficial da integração do território brasileiro no sistema econômico mercantilista, em vigor na Europa, e que teve no comércio do ouro e das especiarias sua principal atividade. Também representa a tomada de posse do território brasileiro pelo reino de Portugal, bem como o momento de inclusão do Brasil na história universal.
O que o Brasil representava para Portugal naquele momento?
No século que se seguiu ao desembarque de Cabral, Portugal consolidou a posse da terra, submetendo o Brasil ao seu modelo econômico, erguido a partir das grandes navegações do século 15. Assim, a ocupação e a exploração do território brasileiro - que compreendia inicialmente o litoral de Nordeste a Sudeste - foram feitas em benefício do colonizador: a Metrópole portuguesa. Para ela, a Colônia representava apenas um fornecedor de matéria-prima e metais preciosos.
E para a história do Brasil, o que representa o século 16?
O momento inicial da colonização do território pelos portugueses. O século foi marcado por um processo histórico que começa com o confronto com os índios, pela posse da terra, e com espanhóis e franceses, pelo direito de explorá-la comercialmente. Termina com o estabelecimento definitivo de povoações e estruturas econômicas (agricultura e comércio) na Colônia, além de um sistema político administrativo.
E o pau-brasil, onde entrava nesse contexto?
No início do século 16, os interesses portugueses estavam voltados para o lucrativo comércio das especiarias orientais, que tinha atingido o ápice em 1498, com a viagem de Vasco da Gama à Índia. Assim, não havia motivos para fazer grandes investimentos no Brasil. Por não exigir muitos recursos, a extração do pau-brasil se revelou a melhor alternativa para explorar o território, batizado inicialmente de Terra de Santa Cruz. Até a década de 1560, o pau-brasil, utilizado para o tingimento de tecidos, foi o principal produto da Colônia, dando-lhe o nome definitivo.
De que modo ocorria a extração do pau-brasil?
Em troca do pagamento de impostos e da prestação de serviços, como a construção de fortes e sua manutenção, o rei de Portugal concedia a um comerciante - o primeiro foi Fernando de Noronha, em 1502 - o direito de extrair o pau-brasil. O concessionário organizava a viagem para cá. A princípio, um contato amistoso com os índios garantia sua colaboração na empreitada. Eram eles que localizavam, derrubavam e transportavam as árvores até o litoral. Em troca, recebiam mercadorias: facas, machados e até armas de fogo. A exploração foi tão intensiva que rapidamente levou a uma devastação das matas litorâneas, obrigando os índios a trazerem a madeira de locais cada vez mais distantes. Assim, as dificuldades começaram a tornar o negócio menos lucrativo.
A extração do pau-brasil não obrigava os portugueses a se fixarem aqui. Era chegar, extrair, embarcar e partir. O que motivou a ocupação efetiva de nosso território por Portugal?
Nessa época, as fronteiras criadas na América pelo Tratado de Tordesilhas, de 1494, ainda não estavam claramente definidas. Portugal disputou o litoral brasileiro com navegantes espanhóis e, especialmente, franceses, cuja constante presença levou o novo rei de Portugal, dom João 3º., a organizar expedições de defesa da costa do Brasil. Em 1527, a expedição comandada por Cristóvão Jacques prendeu diversos navios e mais de 200 marinheiros franceses. Mas as dificuldades para organizar as expedições guarda-costas, a decadência do comércio com o Oriente e o medo das ameaças dos franceses levaram o rei a se decidir pela ocupação efetiva do nosso território.
Qual foi a primeira iniciativa nesse sentido?
Foi a vinda de Martim Afonso de Souza, que chegou aqui em 1532. Ele fundou a vila de São Vicente no litoral paulista, que se tornou um centro de expansão portuguesa rumo ao interior. Mas, sem recursos para explorar a Colônia, dom João III criou o sistema de capitanias hereditárias, que constituíram a primeira divisão administrativa do Brasil. A coroa portuguesa doou imensas porções de terra - desde Belém do Pará até a ilha de Santa Catarina - a particulares, os donatários, que tinham a obrigação de protegê-las e povoá-las, em troca do direito de exploração.
Entretanto, esse sistema de capitanias fracassou. O que saiu errado? Por quê?
O desinteresse e a incapacidade financeira de muitos donatários para o empreendimento colonial contribuíram para o fracasso do sistema, que não resolveu o problema da ocupação definitiva do território. Em meados do século 16, a presença de franceses e outros europeus continuava a ameaçar o domínio português na América. Por isso, dom João III resolveu implantar um Governo Geral, que centralizaria a administração e a defesa da Colônia.
Quem foi o primeiro governador-geral e o que ele fez?
Foi Tomé de Sousa, nomeado em 1548. Ele partiu para o Brasil no ano seguinte, acompanhado de mil homens, parte dos quais degredados, além de seis missionários da Companhia de Jesus. Tomé de Sousa deu início à construção e fortificação de Salvador, na Bahia de Todos os Santos, que se tornou a sede da administração da Colônia até o século 19.
A partir daí, os problemas com os franceses terminaram?
Não. O sucessor de Tomé de Sousa, Duarte da Costa, governou o país de 1554 a 1559. Nesse período, ocorreu a primeira tentativa francesa de colonização do país. Em 1555, o almirante Nicolas Durand de Villegaignon, com o apoio do rei francês Henrique 2º., comandou uma expedição com esse objetivo. Fundou um forte e um povoado na baía da Guanabara, mantendo-os por cinco anos, apesar da resistência dos portugueses.
Essa colônia, chamada de França Antártica, incomodou um bocado aos portugueses. Como o problema foi resolvido?
Mem de Sá, o terceiro governador-geral, nomeado em 1559, tomou como prioridade a expulsão dos franceses. Organizou uma poderosa expedição militar, com 2 mil homens, a maioria dos quais aliados indígenas, e atacou Villegaignon, derrotando-o em 1560. Apesar disso, navios franceses continuaram a desafiar os portugueses na Guanabara, até 1565, quando estes fundaram a vila de São Sebastião do Rio de Janeiro, dominando definitivamente a região.
Estamos falando agora da segunda metade do século XVI. A economia brasileira ainda se baseava no pau-brasil?
O pau-brasil perdeu importância econômica e foi substituído pela cultura de cana-de-açúcar, que se tornou o principal produto comercial da Colônia. A economia açucareira desenvolveu-se no Nordeste, especialmente em Pernambuco e na Bahia, que possuíam solo e clima favoráveis. O litoral nordestino também se localiza mais perto dos portos portugueses, o que barateava os custos de transporte.
Como foi o desenvolvimento da economia açucareira no Brasil?
A concessão das terras cultiváveis foi feita pelo rei, por meio de grandes propriedades, os latifúndios. Para trabalhar no plantio da cana, em regime de escravidão, foram trazidos negros da África, que substituíram os índios. Estes resistiam à escravidão para o trabalho agrícola, rebelando-se ou fugindo. A concentração de grandes latifúndios nas mãos de poucos proprietários, a agricultura extensiva e o uso do trabalho escravo se transformaram nas características básicas da economia da Colônia até as últimas décadas do século 19 - mais de 300 anos!
Para terminar, fale um pouco sobre o fim do primeiro século de colonização portuguesa no Brasil.
Nas últimas décadas do século 16, o domínio português sobre o território se consolidou. O reconhecimento do litoral estava concluído, assim como a ocupação de grande parte das terras litorâneas, especialmente no Nordeste. A produção de açúcar não parou de crescer. Entre 1570 e 1585, o número de engenhos - nos quais se processava a cana para extrair o açúcar - dobrou na Colônia. O sucesso da economia açucareira deu a Portugal as condições financeiras para se assegurar da posse do país. Ironicamente, o auge desse processo aconteceu sob o domínio espanhol. Em 1580, na inexistência de herdeiros portugueses ao trono do reino lusitano, o rei Felipe 2º., da Espanha, neto de dom Manuel 1º., herdou a coroa portuguesa. Portugal e suas colônias foram governadas pela corte de Madri até 1640.
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