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História do Brasil

Vice-presidentes da República - Café Filho, Jango, Sarney e Itamar fizeram história

Vitor Amorim de Angelo

Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Em países que adotam o presidencialismo como sistema de governo, como é o caso do Brasil, é relativamente comum que o presidente da República ocupe um lugar de destaque no cenário político. Afinal, como chefe de Estado e de governo, o presidente desempenha funções importantes, o que lhe garante poder, influência e, acima de tudo, bastante visibilidade.

Na história brasileira não é diferente. Contudo, se examinarmos a trajetória da República, veremos que, além dos presidentes, os vices também foram personagens-chaves da nossa história política contemporânea. Primeiro na linha de sucessão, compete ao vice assumir a chefia do Poder Executivo em caso de impedimento de qualquer natureza por parte do presidente.

Nas últimas décadas, tivemos quatro vice-presidentes que chegaram ao poder em situações bem distintas: Café Filho, João Goulart, José Sarney e Itamar Franco. Todos eles assumiram a presidência após a morte, renúncia ou afastamento do titular, mas sempre num cenário de intensa disputa política e problemas econômicos. Curiosamente, foram esses políticos que protagonizaram alguns dos momentos decisivos da nossa história recente.

A morte de Vargas

Empossado sob um clima de grande comoção nacional, em razão do suicídio de Getúlio Vargas, Café Filho montou uma equipe de governo formada por nomes de oposição ao "solitário de Itu", evidenciando sua disposição em seguir um caminho diferente daquele trilhado por Vargas. O envolvimento dos militares no debate político serviu apenas para acirrar as discussões e deixar sempre presente a possibilidade de um golpe de Estado, como o que viria a ocorrer em 1964.

O governo Café Filho ficou marcado pela crise política aberta com a morte de Vargas e, sobretudo, com a eleição do governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, para presidente da República. Em meio às pressões vindas tanto da oposição civil quanto militar, que exigiam de Café uma posição contrária à posse de JK, o presidente ausentou-se do cargo em circunstâncias até hoje mal explicadas: foi internado às pressas num hospital do Rio de Janeiro.

Carlos Luz, presidente da Câmara dos Deputados e primeiro na linha de sucessão, foi quem assumiu a Presidência da República. Contrário à posse de Juscelino, Carlos Luz decidiu não autorizar o ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott, a punir um coronel do Exército que se manifestara a favor do impedimento de JK. Lott, então, depôs o presidente em exercício, que ainda ensaiou uma frustrada resistência. Ao mesmo tempo, impediu o retorno de Café Filho, subitamente recuperado da sua enfermidade.

A renúncia de Jânio

A intervenção do marechal Lott, portanto, teve um peso decisivo na manutenção da constitucionalidade e na garantia da posse de JK, no início de 1956. O vice de Juscelino, João Goulart - o Jango -, seria o personagem central de mais uma crise política.

Em 1960, Goulart disputou novamente a vice-presidência; dessa vez, na chapa encabeçada pelo marechal Lott, apoiado por JK. A disputa, que permitia a eleição em separado do presidente e do vice, deu a vitória a Jânio Quadros e, para vice-presidente, a Jango. Formava-se, assim, a dupla "Jan-Jan".

Em agosto de 1961, com apenas 7 meses de governo, Jânio renunciou ao cargo, alegando que "forças terríveis" o teriam obrigado a deixar a presidência. A renúncia abriu uma grave crise política, pois João Goulart, que nem sequer estava no país, era visto pela oposição civil e militar como herdeiro da política varguista e próximo ao comunismo. Coincidência ou não, quando o presidente renunciou, Jango estava em visita oficial à República Popular da China, chefiada por Mao Tsé-Tung.

Diante do impasse causado pela renúncia do titular e pela resistência da oposição, foi aprovada a emenda constitucional que instituía o regime parlamentarista no Brasil. Em 7 de setembro de 1961, dia da Independência, Jango tomou posse como chefe de Estado, função que ocuparia até janeiro de 1963, quando, através de um plebiscito, foi restabelecido o regime presidencialista.

O acirramento político, entretanto, evoluiu de maneira vertiginosa durante o governo João Goulart. A crise econômica, consequência do grande volume de investimentos feitos no governo JK - especialmente para a construção de Brasília -, apenas agravou a situação. Em 31 de março de 1964, apoiados por setores da sociedade civil, os militares deram um golpe de Estado, depuseram João Goulart e assumiram a presidência da República, onde ficariam pelos 21 anos seguintes.

Início da Nova República

Em janeiro de 1985, após 5 governos militares, o Brasil finalmente elegeu - ainda que pela via indireta - seu primeiro presidente civil desde o golpe de 1964. Tancredo Neves, que havia sido primeiro-ministro durante a fase parlamentarista do governo Jango, foi escolhido pelo Colégio Eleitoral, derrotando o candidato apoiado pela ditadura, Paulo Maluf.

Um dia antes da posse, contudo, Tancredo foi internado às pressas. A evolução do seu estado de saúde não permitiu que ele tomasse posse, em abril daquele ano, tarefa que coube ao vice, José Sarney - nome forte do regime militar, que passara para o lado da oposição por conta de divergências com Maluf. O impedimento de Sarney foi defendido pela oposição mais radical, especialmente pelo PT, que o acusava de ter apoiado a ditadura militar.

Seu governo, sobretudo após 1987, foi marcado pelo conservadorismo e pela guinada à direita. Com o agravamento da crise econômica iniciada em 1980, a inflação chegou a patamares impressionantes: no final do seu governo, por exemplo, terminou em 1.800%. As mobilizações contra Sarney, evidentemente, não demoraram a ocorrer. Sua passagem pela presidência ficou marcada também pela truculência com que tratou os movimentos sociais - especialmente o operário.

Impeachment de Collor

Apesar das turbulências, Sarney conseguiu passar a faixa presidencial para seu sucessor, Fernando Collor de Mello. Era, sem dúvida, uma vitória da democracia: afinal, desde JK, nenhum presidente civil completara integralmente o mandato. Collor, que havia derrotado o candidato do PT - Luiz Inácio Lula da Silva - no segundo, apresentou-se como o "caçador de marajás", sensível aos problemas dos "descamisados".

A crise política aberta com as denúncias de corrupção, somadas aos problemas econômicos e à queda na popularidade de Collor, levaram ao afastamento do presidente, acusado de desvio de verbas. Em seu lugar, assumiu o vice, Itamar Franco. Restando pouco mais de um ano para o fim do mandato, coube a Itamar conduzir o país em meio à crise deixada por Fernando Collor de Mello.

Itamar Franco conseguiu, pelo menos no início do seu governo, conciliar as diversas forças políticas da época, incluindo os partidos de esquerda. Foi na economia, porém, que realizou seu maior feito: com o lançamento do Plano Real, conseguiu estabilizar a economia e diminuir radicalmente os problemas que afligiam o país desde a década anterior.

Balanço dos vice-presidentes

Entre Café Filho e João Goulart, de um lado, e José Sarney e Itamar Franco, de outro, esteve a ditadura militar instalada em 1964. O contexto em que os dois primeiros vice-presidentes assumiram a vaga do titular, porém, foi bem diversa da conjuntura em que Sarney e Itamar tomaram posse na presidência da República. Em comum, talvez, só mesmo a coincidência da crise política e econômica e a grande comoção causada pela morte de Vargas e Tancredo.

Desde 1994, com a posse de Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda de Itamar, nunca mais um vice-presidente assumiu o cargo do titular em definitivo. Pelo contrário, FHC não apenas elegeu-se novamente como também, ao final de oito anos de mandato, transmitiu o cargo a um político de esquerda oriundo de uma camada social historicamente excluída. A reeleição de Lula, em 2006, foi mais uma evidência de que a democracia brasileira havia amadurecido, apesar das turbulências políticas registradas desde então.

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