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Noções linguísticas - O que é linguagem?

Suely Aparecida Amaral, Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação

Linguagem digital, arquitetônica, matemática, da moda, da mímica, em braile, da internet, dos elefantes, dos gestos, eletrônica, da fotografia, do futebol, das formigas, musical, dos movimentos, de Hollywood, Java, visual, da pintura, coloquial, dos quadrinhos, de programação... Existem diversos tipos de linguagens. Mas o que é mesmo linguagem?

A preocupação em compreender esse fenômeno vem desde os gregos, que se perguntavam, no século 5 a.C: a linguagem tem relação direta com as coisas do mundo, ou não? Se existe o mundo dos objetos, das pessoas e das situações, cada um dos elementos existentes nesse mundo teria uma palavra exata e adequada para exprimi-lo? Se assim fosse, teríamos o mundo das coisas e seres vivos e a linguagem seria apenas um reflexo imperfeito desse mundo.

Para pensar essa questão, imagine:
 

  • uma fruta. Redonda. Cabe na mão. Amarela. Casca rugosa, cheia de furinhos. Tem gomos.

    Existirá uma palavra que, ao ser pronunciada, indique uma relação direta com essa fruta, por relação natural? Se você respondeu que é laranja, um leitor que fale inglês poderia ter respondido que se trata de orange e poderemos ter um número imenso de palavras denominando o mesmo objeto, como no exemplo a seguir:

    Cavalo (português)Cheval (francês)Horse (inglês)Pferd (alemão)

    Sabemos hoje que os nomes são arbitrários, isto é, não "estão grudados na coisa", não têm relação direta com cada objeto, pessoa ou situação que representam. Eles podem ser impostos à vontade, de acordo com a história de cada grupo social, que os inventaram em algum lugar e tempo, como nós mesmos inventamos palavras frequentemente, de acordo com as nossas necessidades, como deletar, e-mail, Cd-ROM e tantas outras.

    Mas a linguagem não se compõe de um repertório de palavras soltas, pois se fosse assim, para aprender qualquer língua, bastaria decorar um dicionário. Já pensou?

    Por volta dos séculos 3 e 2 a.C., fizeram uma distinção interessante entre o logos (um enunciado significativo dirigido pelo pensamento racional) e o phoné, o enunciado considerado como mero som, a voz.

    Os filósofos da Grécia chamavam a atenção para o fato de que a linguagem não resulta do exercício natural dos órgãos fonadores ou de nenhum outro órgão, como a respiração ou a caminhada, que constituem a razão de ser dos pulmões ou das pernas. Mostraram ainda que as unidades que compõem uma língua - as palavras - têm que ter necessariamente um significado, que é resultado da razão humana e não da natureza.

    No século 20, estudos na área da linguagem possibilitaram chegar a um consenso: a linguagem é uma faculdade humana e depende de um sistema organizado de signos.

    Um signo é uma unidade dotada de sentido em um código. Pode ser decomposto em um elemento material, que pode ser percebido - pela audição, pela visão, pelo tato e até pelo gosto - e em um elemento conceitual: a ideia. Veja os exemplos:

    Estamos escrevendo a palavra mesa. O leitor é capaz de ver quatro letras grafadas:

    M E S A


    Esse conjunto de letras, desenhadas na sequência acima indica o elemento gráfico, ele pode ser visto. Se, ao contrário, essa palavra tivesse sido dita por alguém, o ouvinte teria percebido concretamente os quatro sons, em sequência. Trata-se do significante. Esse significante remete a um significado, a um conceito "objeto constituído por uma superfície plana, apoiado em quatro pés". A pronúncia de um mero conjunto de sons, por exemplo syflyty, não é um signo, porque não remete a significado nenhum, não é palavra, pelo menos não em português.

    Outras linguagens Saber que a linguagem se compõe de signos e que signo é a união de um significante e de um significado não é suficiente para resolver os problemas do ser humano com a linguagem. Os bebês, por exemplo, não falam, não se apropriaram ainda dos signos existentes na sociedade em que estão. Pode-se falar em linguagem de bebês?

    Os bebês choram. E as mães sabem diferenciar cada choro: de fome, de dor, de necessidade de troca etc.

    Pode-se falar em linguagem dos animais? Os cães latem. E seus donos sabem se diferenciar um latido que indica que chegou um estranho ou se o cachorro quer sair para passear.

    Há comunicação entre bebês e os adultos que cuidam deles, entre os cães e seus donos, entre os animais e seu grupo? Sim. As abelhas mantêm um sistema de comunicação complexo, que intrigou muita gente, durante muito tempo, pois uma abelha pode comunicar às outras o encontro de comida, conseguindo por uma espécie de dança informar, inclusive, a distância em que o alimento se encontra. Existe comunicação, sem dúvida. Mas existe linguagem?

    Sabe-se que não há semelhança entre a comunicação das abelhas e a linguagem humana, porque:
  • não existe diálogo.
  • a informação recebida não pode ser retransmitida.
  • a informação não pode ser alterada. Os sinais são fixos, para cada informação há um tipo de sinal.
  • os sinais não podem ser decompostos, ou seja, não podem ser compreendidos em pedaços menores.

    Por isso, os estudiosos concluíram que as abelhas não têm linguagem, mas apenas um código de sinais. Um código é um conjunto organizado de sinais, que permite a comunicação, mas é mais restrito que a linguagem, permite um conjunto de significados muito reduzido.

    O modo como as abelhas se comunicam é chamado, na fala corrente, de linguagem, mas é uma expressão em sentido figurado. Assim como linguagem dos bebês e a linguagem dos animais. A linguagem verbal, o uso da palavra, é o que chamamos de linguagem propriamente dita; as palavras podem determinar com maior precisão uma significação ambígua, esclarecer significados. Pode-se expressar conteúdos por meio de música, de dança, por desenhos ou fotos, por mímica, mas é a linguagem verbal humana consegue traduzir informações com maior especificidade e precisão. São as palavras que fixam e veiculam os significados de todos os outros códigos.

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