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Advogados questionam legalidade de reintegração de posse do Paula Souza

6.mai.2016 - Policial empurra estudante durante reintegração de posse no Centro Paula Souza - Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo
6.mai.2016 - Policial empurra estudante durante reintegração de posse no Centro Paula Souza Imagem: Newton Menezes/Futura Press/Estadão Conteúdo

Bruna Souza Cruz

Do UOL, em São Paulo

11/05/2016 10h39Atualizada em 11/05/2016 14h55

A manhã da última sexta-feira (6) foi marcada pela reintegração de posse da sede do Centro Paula Souza, autarquia responsável pelas Etecs (Escolas Técnicas Estaduais de São Paulo).

A execução da ordem judicial para a desocupação do prédio gerou polêmicas quanto à ação da PM (Polícia Militar) e decisão do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

Advogados e o Conselho Estadual de Direitos Humanos ouvidos pela reportagem do UOL acreditam que a ação não assegurou o direito pleno dos estudantes adolescentes já que nenhum representante do Conselho Tutelar acompanhou a reintegração de posse - a Defensoria Pública do Estado e alunos que participavam da ocupação confirmaram que não houve participação do órgão.

Para Ariel de Castro Alves, advogado membro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), o fato de o Conselho Tutelar não ter participado da execução da ordem judicial pode ser considerado uma ilegalidade, já que foi uma das condições impostas pelo juiz Luis Manuel Fonseca, da Central de Mandados, para a execução da ordem judicial e que foi mantida na decisão final.

“Se trata de uma grave violação de direito dos adolescentes. [A ação] Não cumpriu a própria ordem judicial que tratava da necessidade de presença do Conselho Tutelar e descumpriu o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), já que os adolescentes foram alvos de uma ação ordenada por meio de uma decisão judicial, mas estavam desacompanhados de seus pais, responsáveis e do Conselho Tutelar”, argumentou.

Segundo ele, na iminência de sofrerem um despejo com ação de policiais armados, os adolescentes estavam em situação de risco e o ECA determina que é responsabilidade do Conselho Tutelar atender os menores nesse caso.

“Ele [Conselho Tutelar] deveria acompanhar a ação para impedir qualquer descumprimento da ordem judicial. É papel dele [segundo o ECA] zelar pelos direitos deles”, acrescentou Alves.

“Isso é uma prerrogativa ilegal. O não acompanhamento do Conselho Tutelar é ilegal", disse uma advogada que representa os secundaristas. Ela pediu para não ser identificada.

O TJ-SP explicou que a decisão final recomendava o acompanhamento de representantes do Conselho Tutelar e que a “eventual ausência de representante do Conselho deve ser comunicada nos autos para avaliação do juízo responsável pelo processo”.

Descumprimento do ECA

O advogado Ariel Alves acrescenta que a forma como a PM agiu – arrastando os estudantes para fora do prédio – também feriu o estatuto, por se tratar de abuso de autoridade. 

“Os adolescentes foram constrangidos, foram ameaçados, sofreram pressão psicológica. Submeter adolescentes a vexame e a constrangimento, inclusive, é crime”, explicou.

De acordo com o artigo 232 do estatuto, a pena é de detenção de seis meses a dois anos.

“A Tropa de Choque entrou e a gente sentou no chão, deu os braços e fez um cordão. Aí, fui arrastada para fora. E acho que a minha retirada foi uma das mais leves. A pressão psicológica foi grande. Minha opinião é que a polícia não está se importando com os direitos humanos”, comentou N.M., 16, estudante do primeiro ano do ensino médio na Etec Professor Basilides de Godoy. Segundo ela, havia entre 15 a 20 pessoas no local e a maioria delas era menor de idade.

Lucas Koka, 19, aluno da Escola Estadual Caetano de Campos, também participou da ocupação do Centro Paula Souza e disse que não viu ninguém se apresentando como representante do Conselho Tutelar. “Fizeram uma reintegração de posse muito conturbada. Eles foram bem violentos com a gente”, lembrou.

A Secretaria de Segurança do Estado enviou uma nota dizendo “que a reintegração de posse do Centro Paula Souza, na última sexta-feira (6), aconteceu dentro dos parâmetros estabelecidos pela liminar concedida pelo Tribunal de Justiça na quinta-feira (5).”

Entenda esse caso e outras polêmicas

A sede do Centro Paula Souza foi ocupada por estudantes no dia 28 de abril. Eles protestavam por melhorias na merenda e contra os cortes nas verbas para educação.

No dia 1º, o juiz Fernão Borba Franco, da 14ª Vara da Fazenda Pública, determinou a reintegração de posse do prédio. No dia seguinte, a Força Tática da PM entrou no local sem que os estudantes tivessem sido notificados da decisão judicial. Com isso, um juiz do TJ-SP considerou ilegal a entrada, sem autorização, e exigiu que eles se retirassem do Centro Paula Souza.

Em nota, a Secretaria de Segurança do Estado informou que "a PM ingressou para acompanhar e garantir a segurança de funcionários e professores que chegaram para trabalhar no prédio administrativo, que não estava invadido".

Na quarta-feira (4) o juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da Central de Mandados, presidiu uma reunião de conciliação entre estudantes e representantes do governo Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Ela terminou sem acordo e ele então autorizou a reintegração de posse determinando cinco condições para sua execução. (uma delas foi a presença do Conselho Tutelar).

O Estado recorreu dessa decisão e conseguiu uma liminar - concedida pelo desembargador Rubens Rihl – que derrubou duas dessas exigências: a presença e o comando do secretário de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, e a proibição do uso de qualquer tipo de armamento pelos policiais.

A PM cumpriu a ordem de desocupação do prédio na manhã de sexta (6). 

O Centro Paula Souza estima ter tido um prejuízo de ao menos R$ 80 mil com a ocupação de estudantes à sede administrativa do prédio. Foram furtados 21 notebooks, 10 telefones móveis, duas webcams, além de HDs externos e pen drives.