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Líder de fraude em vestibulares passou um ano e meio foragido em Goiás

Gabo Morales/Folhapress
Imagem: Gabo Morales/Folhapress

Rafael Moro Martins

Colaboração para o UOL, em Curitiba

11/07/2017 04h00

Preso na quinta-feira passada (6) pela Polícia Civil de Goiás sob a suspeita de comandar um grupo que fraudava vestibulares de medicina de quatro faculdades particulares em dois Estados e no Distrito Federal, Rogério Cardoso de Matos, 49, já responde na Justiça a uma ação penal pelo mesmo crime.

O processo é desdobramento de operação da Polícia Federal batizada de "Gabarito", que, em novembro de 2015, prendeu quatro estudantes da PUC-GO (Pontifícia Universidade Católica de Goiás), suspeitos de burlar provas do vestibular para o curso de medicina da instituição.

A investigação da PF apurou que eles atuavam para Cardoso de Matos num esquema idêntico ao desmontado na semana passada pela Polícia Civil de Goiás, inclusive com fraudes repetidas nas mesmas instituições.

As duas investigações mostram fraudes nos processos seletivos de seis locais --nalgumas delas, o esquema atuou em mais de um vestibular-- em Goiás, Minas Gerais e no Distrito Federal. 

O suspeito de liderar o grupo de fraudadores era um dos alvos de mandado de prisão na operação da PF em 2015. Porém, só foi preso em abril de 2017 --e liberado, dias depois, por um habeas corpus emitido pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Como e onde Cardoso de Matos passou quase um ano e meio escondido enquanto mantinha o esquema em funcionamento ainda é um mistério para a polícia goiana.

O delegado Cleybio Januário Ferreira, que comandou a ação da quinta-feira passada, chegou a fazer a pergunta ao suspeito, mas ouviu como resposta que ele só falará em juízo.

"Não é usual que um mandado de prisão leve tanto tempo a ser cumprido", falou Ferreira. Na quinta passada, o empresário foi preso no apartamento em que vivia, em Goiânia --o imóvel está em nome de uma ex-mulher dele, segundo a polícia.

A investigação da PF na "Gabarito" foi concluída e, entregue ao Ministério Público Federal. Por isso a assessoria da superintendência da PF em Goiás disse que não comentaria o caso.

O processo tem ainda como réus dois filhos dele, que também foram alvos da operação da semana passada e são considerados foragidos: Rodolfo e Ricardo Gomes Matos. 

A reportagem do UOL não conseguiu localizar a defesa de Rogério Cardoso de Matos e de seus filhos para que comentassem o caso.

O que diz a denúncia

Rogério Cardoso de Matos era conhecido na organização por alguns codinomes --"Pai", "Velho", "Roger", "Moreira" ou "Marcelo", segundo o MPF (Ministério Público Federal). 

Era ele "o principal líder na cadeia hierárquica do grupo criminoso, cabendo-lhe a distribuição de tarefas dos demais membros, a captação de novos 'clientes', a negociação os valores e a forma de pagamento diretamente com os pais dos vestibulandos, bem como por reunir os gabaritos das provas respondidas pelos pilotos e repassá-los posteriormente, via telefone celular, aos candidatos enquanto estes dedicavam seu tempo de prova exclusivamente para a elaboração de suas redações", escreve o procurador Mário Lúcio de Avelar na denúncia oferecida à Justiça Federal goiana em 29 de maio passado.

Cardoso de Matos também "controlava, administrava e efetuava o repassasse e a distribuição da vantagem ilícita aos 'pilotos', bem como organizava as viagens deles, selecionando as instituições de ensino superior que teriam seus vestibulares fraudados". "Piloto" era o nome usado pela quadrilha para se referir aos estudantes que faziam a prova para produzir os gabaritos.

Dois deles, presos em 2015, firmaram acordos de delação premiada com o MPF. A partir delas, "descortinou-se uma associação criminosa dedicada a fraudes em vestibulares de instituições de ensino superior, mediante a divulgação indevida das respostas da prova", afirma o procurador Avelar.

"Apurou-se que os líderes da associação criminosa se valiam de pessoas especializadas em cada disciplina do edital, as quais, mediante remuneração, se inscrevem regularmente no certame e comparecem para responder apenas às questões de determinadas matérias, deixando o local nas primeiras três horas após o início das provas. Em seguida, ainda durante a aplicação das provas, os 'pilotos' repassam o gabarito aos 'clientes' por intermédio de mensagens de aparelhos celulares, providenciados pelo grupo e fornecidos aos estudantes na véspera", prossegue o MPF goiano.

Um dos filhos de Cardoso de Matos, Rodolfo, 24, que a polícia considera foragido, é estudante de medicina da PUC-GO.

Por conta disso, lê-se na denúncia, a função dele "no esquema criminoso era aliciar estudantes para atuarem como 'pilotos', em geral os colegas da própria universidade, valendo-se da facilidade do contato pessoal".

Apesar de a investigação ter se originado no vestibular da PUC-GO, o MPF afirma que o grupo liderado por Cardoso de Matos também fraudou vestibulares de medicina em outras quatro instituições entre o segundo semestre de 2015 e o primeiro de 2016. São as seguintes: Universidade Católica de Brasília (UCB), Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (Faciplac, no DF), Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas, em Minas Gerais) e Faculdade Mineirense (Fama, em Goiás). 

O MPF pede que Cardoso de Matos, seus dois filhos e outras oito pessoas sejam condenadas pelos crimes continuados de associação criminosa e utilizar ou divulgar conteúdo sigiloso de processo seletivo.

Grupo faturou R$ 5 milhões em seis meses

Na nova investigação, da Polícia Civil de Goiás, o grupo comandado por Rogério Cardoso de Matos é suspeito de fraudar os vestibulares de medicina de pelo menos quatro faculdades.

O esquema rendeu um faturamento estimado em pelo menos R$ 5 milhões em apenas seis meses, decorrentes da venda de gabaritos a 52 alunos aprovados nos concursos.

O cálculo é do delegado Cleybio Januário Ferreira, que na semana passada prendeu cinco integrantes do grupo, entre eles o próprio Cardoso de Matos.

"Identificamos 110 estudantes que usaram esse esquema para fraudar vestibulares apenas entre setembro de 2016 e maio deste ano. Deles, 52 foram aprovados e já estão frequentando os cursos. Nesta segunda-feira (10), outros 15 fariam matrículas", ele disse ao UOL. Apenas dos aprovados se cobrava o uso do esquema --uma taxa que variava de R$ 80 mil a R$ 120 mil.

A polícia goiana investigou a atuação do grupo apenas a partir de setembro passado. Nesse período, o grupo atuou nos vestibulares de medicina de quatro instituições. 

Três delas já haviam sido alvos da fraude investigada pela Polícia Federal a partir de 2015: Universidade Católica de Brasília, Faciplac e Unifenas --o que mostra que nem mesmo a investigação anterior intimidou o grupo. A outra é a Universidade de Rio Verde (UniRV, em Goiás). 

Segundo a polícia de Goiás, dois estudantes universitários --os "pilotos", no jargão da quadrilha-- faziam as provas e enviavam os gabaritos a Cardoso de Matos, via mensagens de celular. Ele organizava as respostas e as enviava, também via SMS, a seus "clientes".

Para fazer as provas e indicar as respostas certas, os estudantes recebiam de R$ 15 mil a R$ 20 mil. Um deles, preso na semana passada, é formando em engenharia civil na Universidade Federal de Goiás. O outro está sendo procurado pela polícia.

Para entender a tática do grupo, o delegado Ferreira se passou por fiscal de provas em dois vestibulares, com conhecimento da direção das instituições --Faciplac e UniRV. "Eu queria entender como eles conseguiam passar os gabaritos por celular", explicou. 

O delegado descobriu que tanto os responsáveis por entregar as respostas certas as provas quanto os "clientes" usavam celulares simples, antigos, que, por serem pequenos e leves, passam incólumes por detectores de metais e possíveis revistas. "Havia até mesmo um horário definido para que o pessoal fosse ao banheiro conferir as respostas", contou o delegado.

Segundo Ferreira, os 110 estudantes que usaram o esquema serão indiciados por fraude em certame de interesse público. O crime tem pena de até quatro anos de prisão, no caso de faculdades privadas, ou seis, no caso da prova da UniRV, que é uma fundação pública.

"Além disso, certamente as instituições vão expulsar e processar os que já estavam cursando a faculdade, pois as vagas que eles ocupam não poderão ser preenchidas", afirmou.