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Uerj: candidatos 'pegam carona' em crise para aprovação em vestibular

Vestibular 2018 da Uerj registrou queda da relação candidato/vaga - Bruna Prado/UOL
Vestibular 2018 da Uerj registrou queda da relação candidato/vaga Imagem: Bruna Prado/UOL

Marcela Lemos

Colaboração para o UOL, no Rio

15/07/2017 04h00Atualizada em 16/07/2017 13h57

A Uerj (Universidade do Estado do Rio) realiza neste domingo (16) o primeiro exame de qualificação para candidatos que desejam ingressar na instituição no ano que vem. Mesmo em crise e com possibilidade de atraso no começo das aulas de 2018, há quem veja na situação a oportunidade de ingressar em uma faculdade pública. Isso porque o vestibular 2018 tem uma das menores relação candidato/vaga de seus cursos já verificada devido à redução no número de inscritos.

A Uerj neste ano recebeu apenas 37 mil inscrições para a primeira prova --um exame de múltipla escolha com 60 questões que bonifica os candidatos com pontuações diferentes para a segunda fase do vestibular. O número de estudantes interessados na universidade é menos da metade do registrado em 2016 e em 2015, quando a Uerj recebeu 80 mil e 88 mil inscritos, respectivamente.

A estudante Janaína Pires, 21, diz que resolveu fazer novamente o vestibular imaginando que muitos estudantes desistiriam da Uerj neste ano.

“Foi justo a crise que me fez olhar para a Uerj. Pensei que muita gente ia desistir do vestibular e resolvi arriscar. No meio da minha faculdade de Letras, percebi que o mais indicado e com maior possibilidade de trabalho seria ter cursado Pedagogia, mas não tinha como largar tudo e começar do zero por uma questão financeira. Então, achei que poderia tentar a Uerj. Sabia que poderia ter mais chances. Sabia que muita gente ia desistir”, conta a universitária.

O estudante Marcos Filipe Muniz, 17, compartilha da mesma opinião de Janaína. Ele deseja cursar Medicina e diz acreditar que vai concorrer com menos candidatos neste ano.

“Vou fazer o vestibular da Uerj, sim. Acredito que a baixa procura vai amenizar a disputa pelas vagas. Acredito também no potencial da universidade e nos educadores que lá trabalham, são de renome e de grande potencial. Eu espero que a Uerj se recupere. Sei que essa melhora não vai ser rápida, será lenta e gradual, mas ela vai voltar a ser a universidade de grande porte que sempre foi”, avalia o aluno do ensino médio.

Já José Roberto das Neves Melo, 17, que vai tentar ingressar no curso de Engenharia Civil, conta que pensou em não se candidatar.

“A crise me fez pensar em desistir sim, mas sei que a Uerj é uma das principais faculdades do país e tenho esperança de que a situação melhore. Espero passar pelo baixo número de candidatos”, disse o aluno.

Apesar de muitos estudantes ainda desejarem ingressar na instituição, houve também quem desistisse por medo do cenário de incerteza para o próximo ano.

Leonardo Guimarães Mansur, 18, fez o primeiro vestibular da Uerj no ano passado. Mesmo tendo tirado conceito “A” no exame de qualificação de 2016 --maior pontuação que pode ser obtida na primeira fase do exame--, ele resolveu não se candidatar este ano.

“A situação da universidade preocupa muito. É difícil saber que você pode entrar para uma faculdade e ficar sem previsão para se formar. Medicina leva no mínimo seis anos. Escolher viver com essa imprevisão é difícil. Resolvi não fazer a prova e focar os esforços para o Enem e tentar ingressar numa federal”, conta o estudante.

Quem também não irá fazer a prova é o estudante Guilherme Villas Boas, 18. Esse ano será o segundo vestibular dele e, mesmo assim, Guilherme decidiu não fazer a prova da Uerj.

“Decidi não fazer depois que conversei com amigos que entraram para o curso de Ciências Econômicas. Eles estão atrasados. Enfrentam greves e reclamam da falta de estrutura. Decidi focar no Enem. A Uerj pode virar um problema no futuro. É uma sensação de insegurança: você entra e não sabe quando vai concluir. É triste”, avalia.

Menor relação candidato x vaga

Em entrevista ao UOL, o professor Gustavo Krause, diretor do vestibular da Uerj, confirmou que a relação candidato/vaga será menor para todas as profissões, mas afirma que isso não vai permitir o ingresso de alunos sem qualidade.

“O vestibular da Uerj é conhecido por valorizar a habilidade de leitura. Por isso, muitos alunos chamam a prova de democrática, pois iguala as pessoas de escolas diferentes. A Uerj já está acostumada a trabalhar com alunos de classes sociais mais baixas. Foi a primeira universidade a adotar a política de cotas, e isso não prejudica a qualidade do trabalho desenvolvido de maneira nenhuma. O grupo que mais desistiu do vestibular da Uerj com certeza foi de escola particular, cujas famílias têm condições de pagar ensino privado”, concluiu o diretor.

O diretor de Ensino do curso PH, um dos mais procurados por pré-vestibulandos, Vicente Delorme, observa a redução de interesse de estudantes de outros Estados pelo vestibular da Uerj.

Ele explica que a escola todo ano recebe alunos de São Paulo para uma revisão de conteúdo, dias antes do exame da Uerj. São alunos que chegam ao Rio no final de semana da prova, que acontece normalmente aos domingos, e assistem aulas no PH. De acordo com Delorme, este ano nenhum aluno procurou pelo serviço.

“Ano passado, tivemos 30 alunos interessados no vestibular da Uerj vindos de São Paulo. Somente no nosso curso. Este ano não tivemos grupo de estudo. E observamos também que aumentou o número de alunos do Rio interessados em prestar vestibular para universidades como Fuvest e Unicamp, universidades paulistas”, destaca o professor.

Alunos vivem incerteza do 2º semestre

No dia 6 deste mês, professores da Uerj decidiram em assembleia iniciar uma nova greve no dia 1º de agosto, caso o pagamento de salários não seja normalizado.

As reitorias da Uerj, da Uenf (Universidade do Estado do Norte Fluminense) e da Uezo (Universidade do Estado da Zona Oeste) enviaram carta à Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia alertando que não há condições de as aulas serem retomadas.

Os salários de professores e demais funcionários estão atrasados. Os profissionais ainda não receberam o décimo terceiro de 2016 nem a primeira parcela do décimo terceiro de 2017, paga sempre no mês de julho. O salário referente ao mês de abril só foi depositado na última quarta-feira (12) e os vencimentos de maio e junho seguem sem previsão de depósito.

Para o diretor de vestibular, Gustavo Krause, os docentes têm inúmeros motivos para paralisar as atividades. No entanto, ele diz acreditar que a decisão só vai piorar a situação da universidade.

“Os motivos são legítimos, mas a greve não vai adiantar. Infelizmente, essa decisão vai acabar piorando a situação da universidade. Otimistas acham que depois de voltar à normalidade, a Uerj vai demorar de cinco a dez anos para ser o que era novamente”, ressaltou.

O orçamento da Uerj em 2017, conforme a LOA (Lei do Orçamento Anual), é de R$ 1,113 bilhão. Neste ano, a Secretaria de Estado de Fazenda repassou apenas R$ 420,3 milhões para a universidade. Procurada, a pasta disse que o governo fluminense reconhece a importância da Uerj e tem concentrado esforços na busca de soluções para a superação das dificuldades enfrentadas pela instituição.

Por meio de nota, a secretaria ressalta que o decreto de calamidade financeira não impediu repasses de custeio à universidade que totalizaram R$ 767,4 milhões em 2016, sendo R$ 189,2 milhões em custeio e R$ 578,2 milhões em pagamento de pessoal.

O orçamento da Uerj em 2016 foi de R$ 1,1 bilhão. Os repasses não ocorreram na sua totalidade devido à crise nas finanças estaduais, provocada pela significativa queda na receita de tributos em consequência da depressão econômica do país, do recuo na arrecadação de royalties e da redução dos investimentos da Petrobras, diz o comunicado.

Vestibular começa neste domingo

O primeiro exame de qualificação está marcado para as 9h deste domingo (16) e terá duração de quatro horas. A prova consiste em 60 questões de múltipla escolha e serão abordados assuntos de Linguagens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Humanas. Os alunos serão contemplados com conceitos A, B, C, D ou E, de acordo com o número de acertos.

Para obter conceito “A”, o candidato precisa ter acertado mais que 70% da prova. Ele acumula 20 pontos;

Para obter conceito “B”, o candidato precisa ter acertado mais que 60% e menos que 70%. Ele obtém 15 pontos a mais;

Para obter o conceito “C”, o candidato precisa ter acertado mais que 50% e menos de 60%. São dados 10 pontos;

Para obter “D”, o estudante precisa ter acertado mais que 40% e menos de 50%. Esse desempenho garante 5 pontos para a segunda fase.

Quem obtiver conceito “E” será eliminado.

Uma nova prova de primeira fase será realizada em setembro. Trata-se de uma segunda chance oferecida aos estudantes.

Na segunda fase, o candidato vai encontrar o dobro de questões de português e haverá ainda uma separação entre os conteúdos de ‘Língua Portuguesa e Literatura’ e ‘Redação. Para a realização das duas fases, o estudante terá que ter lido:

  • 1º exame: "Primeiras Estórias", de João Guimarães Rosa (os contos “A terceira margem do rio” e “O espelho”)
  • 2º exame de qualificação: "A hora da estrela", de Clarice Lispector

 

  • Exame discursivo, na prova de Língua Portuguesa: "Dom Casmurro", de Machado de Assis
  • Exame discursivo, na prova específica de Língua Portuguesa e Literaturas: "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto, e "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago.

A interdisciplinaridade também ganhou espaço na prova. O exame terá oito questões sobre um determinado tema. Esse assunto estará presente no enunciado das questões de todas as matérias: Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Ciências da Natureza.