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Vendendo amendoim, ambulante muda de vida e ganha bolsa para cursar direito

Jhone Vicente dos Santos, 29, vende amendoim em avenida de Maceió e ganhou uma bolsa para cursar a faculdade de direito - Carlos Madeiro/UOL
Jhone Vicente dos Santos, 29, vende amendoim em avenida de Maceió e ganhou uma bolsa para cursar a faculdade de direito Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

20/07/2017 04h00

Quando Jhone Vicente dos Santos deixou a cidade de Palmeira dos Índios, no semiárido alagoano, para morar em Maceió após problemas familiares, em 2008, foi em busca de refazer a história marcada por problemas na juventude.

Hoje vendedor de amendoim na avenida Fernandes Lima --a principal de Maceió--, o rapaz de 29 anos conseguiu bancar com seu trabalho de ambulante todo o curso superior da mulher em Recursos Humanos. A ideia era que ela, depois de formada, arrumasse um emprego, trabalhasse e sustentasse então o sonho do marido: fazer faculdade de direito.

Uma gravidez, porém, mudou os planos da família. Leyla engravidou e deu à luz, há quatro meses, ao segundo filho do casal. 

"Com o filho, ela não ia poder trabalhar. E também queria que ela curtisse mais a criança. Quando completasse seis meses de vida, é que pensaria em distribuir currículos dela por aí", conta.

Mas a vida pregou uma peça em Jhone, que vai antecipar o sonho. No dia 10 de julho, ele teve sua história publicada em uma página do Facebook chamada "Humans of Maceió". A postagem fez tanto sucesso --com mais de 5 mil curtidas e 500 compartilhamentos--, que ele recebeu uma bolsa integral de uma faculdade privada de Maceió.

Se fizesse o vestibular e fosse aprovado, ele teria os estudos totalmente bancados. E Jhone conseguiu. O resultado saiu nesta quarta, e o curso começa no dia 7 de agosto.

Conhecido na engarrafada avenida maceioense, Jhone conta que ficou ainda mais famoso após a publicação. "Depois disso, as pessoas param aqui, me parabenizam pela história", relata o jovem, que admite ter pouca intimidade com as redes sociais. "Não sou muito de mexer."

Como a mulher vai seguir em casa com o bebê, ele já planeja conciliar os estudos com a venda de amendoim. "É com ele que sustento minha família, não tem como parar", diz.

Jhone Vicente dos Santos, 29, vende amendoim em Maceió e ganhou uma bolsa para cursar a faculdade de direito - Carlos Madeiro/UOL - Carlos Madeiro/UOL
"Direito é uma carreira que me encanta porque faz a ligação entre a justiça e o povo. E minha vontade é essa: fazer essa ligação"
Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Juventude difícil

O interesse de Jhone em se formar é bem diferente da época de adolescência. Aos 18 anos, quando cursava o 1º ano do ensino médio, ele decidiu parar de estudar. 

"Na verdade, parei mesmo por questão da juventude, nada de droga ou crime. Achava que o tempo não iria passar. Na época queria saber mais de festa, de jogar bola, não queria muita coisa pela vida", admite.

O jovem conta que chegou a ter oportunidade de estudar gratuitamente em colégios particulares, mas refutou. "Eu me destacava porque jogava bem futebol, tive até a chance de estudar com bolsa, mas não quis. A maioria dos companheiros de que tenho conhecimento estão formados. O único que ficou estagnado fui eu", disse.

A mudança para a capital ocorreu quando tinha 20 anos e estava responsável por sacar o dinheiro da aposentadoria de sua avó --à época internada em um hospital. "Fazia sempre tudo certinho, mas aí teve uma vez que --não sei o que deu-- eu gastei o dinheiro. Foi então que eu vim para cá para casa da minha tia, que me recebeu como se nada tivesse acontecido. Foi aí que o negócio começou a se desenvolver", conta ele.

A avó citada foi a mulher que criou Jhone. Ela morreu em 2011, mas não sem antes chegar a um entendimento com o neto. "Graças a Deus a gente superou, não teve mais nada".

Quando chegou à capital, Jhone começou a trabalhar como servente de pedreiro. Depois, foi atuar em uma empresa de ferro. Em seguida, passou a atuar como motoboy. Foi quando decidiu ser autônomo.

A importância do casamento

Casado desde 2013 com Leyla Gabriele, 20, ele decidiu largar a vida de empregado e vender água de coco nos sinais.

"O casamento veio para me formar o caráter de homem que sou hoje. O que me motiva hoje a estar aqui é minha família", afirma. 

As vendas estavam fracas, e ele, inspirado em um amigo, decidiu vender amendoim. Hoje, sustenta a família vendendo 90 pacotes de "amendoins quentinhos" todos os dias. "Normalmente vendo tudo. Raramente volto com dois ou três para casa. Vendo cada pacote por R$ 2, mas faço três por R$ 5; é uma promoção", conta. "Ganho mais que como motoboy".

No ano passado, Jhone fez um supletivo e conseguiu o diploma do ensino médio, já pensando em cursar direito. Diz que gosta de ler e se informar, e por isso não espera dificuldade no curso de graduação.

Quando se formar, já tem decidido o que quer fazer na vida profissional. "Direito é uma carreira que me encanta porque faz a ligação entre a justiça e o povo. E minha vontade é essa: fazer essa ligação. Pretendo ser advogado na área trabalhista", assegura.