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Pós-ocupação escolar, secundaristas compartilham aversão à política 'velha'

A partir do alto à esq., em sentido horário, Marcelo Rocha, Lilith Cristina Passos Moreira, Guilherme Oliveira e Ana Paula Lescano - Arte/UOL
A partir do alto à esq., em sentido horário, Marcelo Rocha, Lilith Cristina Passos Moreira, Guilherme Oliveira e Ana Paula Lescano Imagem: Arte/UOL

Diego Toledo

Colaboração para o UOL, em São Paulo

09/09/2017 09h28

Aos 17 anos, Lilith Cristina Passos Moreira já acumula pelo menos dois anos de engajamento político. Em 2015, esteve na linha de frente dos estudantes que ocuparam uma escola estadual na região central de São Paulo.

Mas, apesar de ser filha de uma militante do PT, ela afirma que nunca teve o "apego" da mãe a um partido e que prefere participar das ações espontâneas de movimentos autônomos.

"O movimento secundarista é autônomo. A gente não concorda com política partidária e política institucional, velha", diz Lilith. "É lógico que é mais difícil construir uma luta autônoma, mas é muito mais gostoso, muito mais bonito, sem aparelho, sem acordo, sem negociação nenhuma, só a gente, sobrevivendo por nós mesmos."

Como Lilith, outros integrantes do movimento secundarista resistem à lógica da política tradicional e defendem, nas escolas, modelos mais participativos. O UOL conversou com quatro desses estudantes. Eles questionam quem se apoia nas reivindicações estudantis apenas para conseguir cargos e propõem dar mais voz às necessidades dos jovens, por meio de grupos organizados de forma horizontal, sem hierarquia ou líderes.

"Luta secundarista é acontecimento social histórico"

A experiência de Lilith em movimentos teve os seus altos e baixos. Na época da onda de ocupações de escolas públicas em São Paulo, ela estudava na Escola Estadual Maria José, na Bela Vista.

Do período de um mês em que permaneceu acampada no local com outros colegas, entre novembro e dezembro de 2015, ela se lembra com especial carinho do apoio que os alunos receberam das companhias de teatro que atuam na região. Agora prestes a concluir o ensino médio, a jovem diz estar decidida a tentar entrar no curso de artes cênicas na universidade.

Mas Lilith também tem lembranças menos agradáveis da ocupação: a resistência de muitos professores, a repressão policial e o peso de ter ficado marcada como um dos principais rostos da mobilização na escola. "Eu fiquei muito visada. Todos os problemas, conflitos, eu tinha que responder pela escola. Era pesado, tudo em cima das minhas costas", recorda a jovem.

Por conta dessa pressão, Lilith mudou de colégio no ano passado. Atualmente cursa o último ano do ensino médio em outra escola estadual, a Professor Fidelino de Figueiredo, no bairro de Santa Cecília.

Mas se manteve ativa junto a outros secundaristas e tem participado dos recentes atos contra os cortes no passe livre estudantil anunciados pela Prefeitura de São Paulo. "A gente está voltando novamente a um ápice", afirma. "Temos momentos de conquista e outros de derrota, vai e volta. Todas as lutas têm isso."

A estudante Lilith Cristina Passos Moreira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
A gente não concorda com política partidária e política institucional, velha. É mais difícil construir uma luta autônoma, mas é muito mais gostoso só a gente, sobrevivendo por nós mesmos

Lilith Cristina Passos Moreira, líder estudantil

Na nova escola, inspirada pelo movimento secundarista, Lilith participou da criação de um novo grêmio estudantil autônomo. "É quase a organização de uma ocupação", compara a jovem.

"A gente elege as comissões que vão cuidar de cada área: comunicação, esporte, cultura, meio ambiente... quase os mesmos cargos de um grêmio presidencialista. Mas essas questões não são responsabilidade de uma pessoa só. Isso faz com que mais alunos participem dos assuntos da escola”, acrescenta.

A estudante diz que, com a conclusão do ensino médio dentro de alguns meses, tem dúvidas de qual será o futuro de sua atuação política. Mas afirma esperar que o espírito de mobilização dos secundaristas tenha continuidade nas gerações futuras.

"A luta secundarista não é uma coisa que eu fiz ou que um grupo fez, é um acontecimento social histórico", afirma Lilith. "Daqui 20 anos, quando eu já estiver casada, com filhos, pode acontecer de novo. Talvez tenha um intervalo de uns três anos sem nenhuma mobilização secundarista, mas isso pode acontecer novamente daqui a alguns anos, com novos estudantes."

Manifestação estudantil - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
Manifestação contra a reorganização escolar proposta pelo governo do Estado
Imagem: Lucas Lima/UOL

"O partido está ali para conseguir cargos"

Para Guilherme Oliveira, 16, a mobilização política surgiu a partir da atuação no grêmio da escola onde estudou ainda no ensino fundamental. Em 2015, apesar de ainda não ser secundarista e fazer parte de outro colégio, participou da ocupação da Escola Estadual Doutor Honório Monteiro, na zona sul de São Paulo.

Oliveira mora em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, com um irmão mais velho e a mãe, que trabalha como doméstica. Desde a ocupação no fim de 2015, passou a participar de manifestações com outros alunos, que se articulam pela página Secundaristas em Luta de São Paulo, no Facebook.

Guilherme Oliveira - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Não querem que a gente pense, mas eu vou pensar e vou bater de frente

Guilherme Oliveira, estudante e ativista

"Só de saber que eu posso lutar para uma escola que eu quero, que me ensine a pensar, e não só obedecer, isso me traz à luta", afirma. "Todos os direitos que a gente tem foram conseguidos pela luta. E ainda tem a questão de eu ser uma pessoa negra e de periferia, pobre. Não querem que a gente pense, mas eu vou pensar e vou bater de frente."

Ao projetar o futuro, Oliveira diz que pensa em ser professor e, quando deixar o ensino médio, talvez se junte ao Movimento Passe Livre, que defende a tarifa zero para o transporte público.

Mas ele critica as entidades estudantis mais antigas e os partidos políticos. "Eu vejo que o interesse deles não é uma coisa direta na pauta. É uma briga por cargo político. O movimento autônomo consegue se organizar para lutar pelo que a gente quer. O partido, não. Ele está ali lutando para o interesse dele, para conseguir cargos."

Oliveira conta que, nos atos organizados por secundaristas autônomos, os militantes de entidades estudantis, como UNE (União Nacional dos Estudantes) e Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), são bem-vindos, desde que aceitem não levantar bandeira e ter o mesmo direito a voz de todos os outros participantes da manifestação. "A gente é organizado horizontalmente, não é uma questão de a entidade decidir por nós."

"Vivemos silenciados por muito tempo"

O fotógrafo Marcelo Rocha, 20, é outro participante ativo de manifestações organizadas pelos secundaristas autônomos. Em 2015, quando estava no último ano do ensino médio, foi um dos responsáveis pela ocupação da Escola Estadual Professora Maria Elena Colônia, em Mauá, na Grande São Paulo.

Marcelo Rocha - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
O movimento autônomo vem questionar a política, mas com a disposição de renovar. Engessado dentro de um partido, você não vai poder fazer uma crítica

Marcelo Rocha, fotógrafo e ativista

Hoje, Rocha faz o curso de ciências sociais na faculdade, mas segue participando das articulações dos secundaristas, inclusive por meio do ColetivA Ocupação, um grupo de teatro que reúne estudantes, atores, dançarinos e outros artistas.

"A gente viveu por muito tempo silenciado", diz Rocha, que também milita pelo movimento negro. "Hoje, essa reaproximação da política por parte da juventude faz a gente poder se expressar e fazer parte da democracia, não apenas como eleitor, mas também para construir e fiscalizar a política pública. Fazer com que ela seja efetiva, vinda do povo e para o povo."

Apesar de menos crítico em relação à atuação de partidos e entidades estudantis mais antigas, Rocha afirma que a política tradicional no Brasil precisa mudar.

"O movimento autônomo vem questionar a política, mas com a disposição de renovar. Isso vem como reflexo (dos propostos) de 2013", diz o fotógrafo. "Ele parte do pressuposto de liberdade, então consegue alcançar mais pessoas, por ser algo mais livre. Quando você está engessado dentro de um partido, isso vai causar transtornos, porque você não vai poder fazer uma crítica ali."

"A gente existe e também pode fazer mudanças"

As mobilizações dos secundaristas têm contado principalmente com a participação de alunos da rede pública. Mas estudantes de escolas privadas também têm se articulado para aderir ao movimento por meio de coletivos, como o Inflama - Frente de Ação das Escolas Particulares.

Ana Paula Lescano, 16, é uma das integrantes do grupo, criado no início deste ano. Aluna do Colégio Equipe, na região central de São Paulo, ela conta que a iniciativa nasceu de uma reunião de integrantes dos grêmios estudantis de escolas particulares (além do Equipe, os colégios Oswald de Andrade, São Domingos, Escola da Vila e Vera Cruz) com alunos de escolas técnicas estaduais e secundaristas que ocuparam escolas públicas em 2015 e 2016.

Ana Paula Lescano - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal
Das ocupações de 2015 veio a ideia de que a gente tem força para tocar uma luta, colocar gente na rua e ir contra algo que a gente acha que é prejudicial para todos

Ana Paula Lescano, estudante

"Várias táticas que a gente utiliza nos atos, como os 'trancaços' (bloqueios de ruas e/ou prédios), vieram das ocupações de 2015 e da ideia de que a gente tem força para tocar uma luta, colocar gente na rua e ir contra algo que a gente não concorda e acha que é prejudicial para todos", afirma Ana Paula.

A estudante afirma que o Inflama se organizou inicialmente para participar da greve geral, no final de abril, e permanece mobilizado para protestar contra propostas como a reforma do ensino médio e o projeto Escola sem Partido. O grupo se considera parte do movimento secundarista e se define com autônomo e apartidário.

Ana Paula diz não gostar da política tradicional e da "burocracia enorme" de partidos políticos e entidades mais antigas. "No movimento autônomo, você se organiza de um jeito que é só seu, do seu grupo, sem nenhuma hierarquia", afirma a estudante. "Os movimentos autônomos são importantes para pressionar e lembrar que a gente existe e também pode fazer mudanças, independentemente de partido."

Aula pública - Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo - Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo
Aula pública durante ocupação em 2015 na escola estadual Fernão Dias, em SP
Imagem: Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo

Governo tenta reorganizar discussão da vida estudantil

Principal alvo das ocupações de 2015, por conta de um plano de reorganização escolar rejeitado pelos alunos, o governo estadual tenta buscar formas de reagir ao novo modelo de articulação dos secundaristas.

No ano passado, uma dessas tentativas foi o lançamento do projeto Gestão Democrática, que tem realizado consultas com alunos, familiares e funcionários das escolas para aperfeiçoar e modernizar os três mecanismos de participação da comunidade no cotidiano escolar: as Associações de Pais e Mestres, os Conselhos de Escola e os Grêmios Estudantis.

"Existe uma demanda de que os estudantes não querem mais se organizar em grêmios naquele formato tradicional, com presidente, vice, diretor. Eles querem um grêmio mais horizontal, que não seja algo hierarquizado. Isso é um pouco dos novos ares que a sociedade, como um todo, está vivenciando", diz o chefe de gabinete da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, Wilson Levy.

A busca dos estudantes por uma atuação política mais autônoma, não partidária e não institucional não chega a ser uma novidade, segundo a historiadora Lilian Kellin, que há mais de 15 anos atua na área da educação.

"No início dos anos 2000, por exemplo, o movimento antiglobalização também buscava uma via alternativa e mobilizou bastante os movimentos estudantis, principalmente os universitários", lembra a pesquisadora do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

Para Lilian, os elementos novos são o protagonismo dos secundaristas e a escala que as mobilizações de estudantes atingiram nos últimos anos.

"Uma chave para a gente compreender isso é olhar para o movimento que antecedeu as ocupações, que foram as manifestações de 2013, em torno da discussão do transporte", acrescenta a historiadora. "Há algumas linhas de continuidade, que podem ser por conta de pessoas que estiveram nos protestos de 2013, e nas ocupações de 2015, ou apenas simbólica, com os secundaristas se inspirando em formas mais autônomas de mobilização."