Criança desmaia em escola: "Chorei ao notar que era fome", diz professora
Um aluno de oito anos desmaiou de fome na última segunda-feira (13) em uma escola do Cruzeiro, no Distrito Federal. Ele é um dos estudantes carentes que moram no Paranoá Parque e que, todos os dias, viajam 30 km - quase sempre sem comer - para estudar na região.
A criança, que frequenta a Escola Classe 8, mora em um empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Deste local, 250 alunos são transportados diariamente para uma unidade de ensino no Cruzeiro.
“Assim que os alunos chegam, eu cumprimento um a um”, relembra ao UOL Ana Carolina Costa, professora do 2º Ano Fundamental. “Mas quando chegou a vez do menino, percebi que chorava”. Segundo a professora, o menino estava com a mão no peito, coração disparado, passando mal. “Levei para a direção. Por duas vezes ele apagou. Não reagia.”
A professora acionou o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e chamou os três irmãos do garoto, que também estudam na escola. “Eles ficaram calados, com caras de assustados.” Questionados, disseram que não tinham comido nada no domingo e que naquela segunda tinham tomado mingau de fubá (fubá, água e sal) antes de sair de casa.
“Quando a gente percebeu que era fome, eu saí de perto para chorar. O rapaz do Samu me olhou com uma cara de 'que realidade é essa?'. E eu disse que é sempre assim. Eu tenho dois alunos que todos os dias reclamam de fome”, diz.
Em nota enviada ao UOL, a Secretaria de Comunicação do Governo de Brasília informou que a criança foi atendida por um técnico de enfermagem do Samu que disse que ela estava "molinha", mas que não chegou a desmaiar. Segundo o comunicado, o menino relatou que não comia desde domingo, e lhe foi ofertado um alimento. Depois, ele foi levado para casa pelo pai, e, ainda de acordo com a Secretaria, a escola acionou o Conselho Tutelar para verificar a situação da família.
A Secretaria informou ainda que a família do garoto recebe Bolsa Família (R$ 596) e DF Sem Miséria (R$ 400) e obteve no último dia 6 autorização para receber o auxílio vulnerabilidade (6 parcelas de R$ 408, podendo ser prorrogado por igual período). "Em agosto, a família recebeu uma cesta básica emergencial e hoje foi solicitada outra", conclui a nota.
Obras
A professora reuniu outros membros da escola e foi levar uma cesta básica para a família do estudante. “A mãe nos disse que tinham o suficiente. Mas enquanto a gente conversava, só tinha uma panela de arroz sobre o fogão. A criança mais nova toda hora enfiava a mão na panela para comer. Ter comida para eles em casa é ter fubá”, lamenta.
Ana garante que mais estudantes passam fome em sua classe. “Dos meus 18 alunos, quatro chegam com fome todos os dias. É a metade que não come, mas esses quatro são muito carentes.” Ela, então, vai à cantina, pega uma fruta e leva para uma criança ou outra “para conseguir enganar a barriga deles e conseguir dar aula até o intervalo”.
O Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) já pediu à Secretaria de Educação a construção de uma escola na região do Paranoá Parque. “Se não é possível construir agora, a escola tinha de, no mínimo, oferecer uma refeição na entrada: arroz, feijão e frango, e um lanche à tarde”, disse ao UOL Samuel Fernandes, diretor da entidade.
Ele explica que os alunos que estudam em período parcial recebem apenas um lanche, às 15h30. “Em uma semana, é comida duas vezes por semana e biscoito e suco nos outros três dias. Na outra semana é o oposto. A criança fica até oito horas longe de casa. Até se almoçar às 11h, ela não aguenta”, diz.
Mesmo quando completa, a merenda “não é boa, é pouco nutritiva”, garante a professora. “O feijão é enlatado, com sódio. É uma carne que tem de ferver antes para tirar o sebo que tem em cima. Mas diante da realidade dos meninos, é melhor do que nada.”
Procurada, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) “lamenta que o aluno tenha passado por esta situação”. A pasta diz que “não foi informada formalmente sobre o problema” de merenda e que vai apurar “diretamente na escola, com o gestor da unidade, qual a real situação dos alunos para, em conjunto com a direção e coordenação regional de ensino, encontrar uma solução razoável”.
Ainda segundo a Secretaria, a construção de escolas no Paranoá Parque e no Itapoã consta no plano de obras 2015/2018, mas “não há disponibilidade financeira imediata para as obras”. O órgão dispõe de um terreno para esta finalidade em cada uma das cidades. “No caso do Itapoã, o projeto para a construção de uma Escola Classe já está concluído e aguarda dotação financeira.”
Mas promete que 84 crianças, hoje no 5º ano no Cruzeiro, “irão cursar o 6º ano nos Centros de Ensino Fundamental 03 e 05 do Paranoá, em 2018”.
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