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"Não acreditaram que iria terminar": idosa conclui ensino médio aos 91 anos

Jéssica Nascimento

Colaboração para o UOL, em Brasília

31/03/2018 04h00

Os cabelos  brancos e as mãos um pouco trêmulas não atrapalharam o desejo da dona Maria Pereira da Silva, moradora do Recanto das Emas, região a 35 km de Brasilia. Aos 89 anos, ela decidiu que era hora de retomar os estudos e buscar o tão desejado "canudo": o diploma do ensino médio. Na quarta-feira (28), a idosa fez a última prova. Tirou  nota 7,5 e se formou, com direito a comemoração em uma pizzaria. Agora, ela não pretende ficar parada não. Quer fazer faculdade e se formar em teologia. O UOL foi até a escola onde ela estudou por dois anos para saber mais sobre seus planos, sonhos e lutas.

UOL —  Dona Maria, como foi a infância da senhora? O seu gosto pelos estudos surgiu logo cedo?

Maria Pereira da Silva — Olha, nasci em uma família bem humilde. Morava com meus pais e duas irmãs, no Rio Grande do Norte. Meu pai foi procurar trabalho, e ficou desaparecido por um ano, nesse tempo eu estudava. Inclusive, entrei muito tarde na escola: com 10 anos. Não tinha colégio por lá. Estudei até a terceira série. Aos 14, tive que parar. Fui dar aula na prefeitura da cidade para crianças mais novas.

Por que você parou de estudar? Gostava do que fazia?

Tinha que ajudar em casa, na renda. Minha mãe não trabalhava, tinha que cuidar dos meus irmãos e também não tinha muita oportunidade de emprego. Eu dava aula de matemática, caligrafia e leitura. Ganhava 40 mil réis. Ralava, mas gostava. Sempre gostei de ler, fazer contas. Era uma forma de me manter no estudos. Depois, me casei e vim embora para Brasília.

Quando a senhora decidiu que era hora de voltar a estudar? Sentia falta do ambiente escolar?

Quando fiz 40 anos, fui matricular meus filhos no colégio. A diretora me incentivou a voltar a estudar. Voltei, terminei o ensino fundamental mas parei de novo. Ficava muito cansada porque tinha que cuidar de filhos, casa e também trabalhava em uma rede de fast food. Aí desisti. Mas, aos 89 anos, um dos meus netos, que sempre me via lendo, perguntou se eu queria voltar a estudar. Fiquei meio pensativa, mas ele foi e me matriculou. Logo depois fomos comprar os materiais escolares.

Como foi a rotina nesses dois anos de supletivo? Tinha alguma matéria que era muito complicada? Às vezes tinha preguiça de ir pra aula?
Minha filha, só faltei dois dias no colégio. Isso só porque fiquei doente.

As pernas incharam demais e não conseguia caminhar. Minha rotina era tranquila, arrumava a casa de manhã e estudava à noite. No sábado era o dia inteiro. Minha filha mais velha me levava e buscava. Se atrasasse, eu brigava com ela mesmo. Gosto de compromisso. Uma matéria que não dá pra mim é inglês. Eu amo matemática, fazer contas. Mas inglês é difícil. Eu mal sei falar o português.

A família é muito grande, né? São 11 filhos, 28 netos, 48 bisnetos e três tataranetos. Como eles reagiram quando a senhora disse que iria se formar?

Alguns não acreditaram que eu iria terminar. Nem eu pensei também. Afinal, pela idade, não sei o que vai acontecer amanhã.

Mas eu consegui e todos ficaram muito felizes, até mais do que eu. Comemoramos na quarta-feira em uma pizzaria, cheguei e tinha balões me parabenizando. Ficou lindo e todos estavam muito emocionados.

E agora? Qual o próximo passo? A senhora disse que pretende fazer uma faculdade teologia. Qual o motivo do curso? Preparada para quatro anos de estudo?
Sim, quero sim fazer faculdade. Sou evangélica, uma leitora assídua da Biblia. Amo estudá-la. Então, esse curso tem mais minha cara. Sei que faculdade precisa de mais esforço, dedicação, espero estar bem para conseguir. Mas tenho vontade sim, viu?

Qual conselho você daria para quem pensa em seguir o seu exemplo, mas acha que não vai conseguir?

Acredite sempre nos seus sonhos. Vale a pena persistir. Não fique pensando no dia de amanhã, faça o que tiver vontade. Quem tem estudos, tem tudo. Ele vale muita coisa, sabe? Quanto mais, melhor.