Topo

Com mesmo nível de provas passadas, Enem 2018 exige mais que interpretação, dizem professores

Eduardo Lucizano e Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

04/11/2018 19h14

A redação do Enem 2018 evitou tratar de minorias sociais, como nos anos anteriores, mas deixou para a prova de ciências humanas e linguagem os temas relacionados a direitos humanos: mais difícil do que no ano anterior, o teste precisou mais do que interpretação de texto. Ele citou o presidente militar Ernesto Geisel, o chargista progressista Henfil e tratou de temas como feminismo e preconceito racial.

"A prova seguiu o que se esperava dela. Exigente em conteúdo. O aluno bem preparado conseguiu ir bem na prova. Se não estudou, teve dificuldades", afirmou Vinicius de Carvalho Haidar, coordenador do Curso Poliedro.

Coordenador pedagógico do Objetivo, Giuseppe Nobilioni, considerou que a prova deste ano foi 'de nível médio' e 'manteve a dificuldade dos outros anos'. Já o professor José Maurício Mazzucco, que leciona filosofia, geografia e sociologia no Objetivo, considerou o teste “equilibrado” e “honesto”.

- Confira a correção comentada e o gabarito extraoficial do 1º dia de provas do Enem 2018

"O Enem mantém a proposta original de interpretação de texto, mas a prova é carregada de conteúdo, textos ricos, com texto, mapas, gráficos", disse Mazzucco.

Haidar acredita que quem estudou em escola pública e não se preparou com ajuda de curso preparatório "provavelmente" foi mal na prova. "Se o aluno treinou com a prova do ano passado, talvez tenha tido menos dificuldade, porque ela seguiu o mesmo padrão."

“Manteve o nível e estilo do ano passado, vem se transformando, mais conteúdo do que em outros anos, mas é de interpretação, manteve o mesmo estilo do ano passado”, disse Mazzucco.

Leia também

O teste de 2018, no entanto, foi um pouco mais difícil do que no ano anterior. "Foi uma prova interpretativa, mas em menor grau em comparação com o ano passado. O teste cobrou coisas específicas para português, história e geografia, como conhecimento sobre revoluções e questões climáticas."

O professor afirma que o Enem deste ano trouxe muito texto, "um pouco cansativo". "Mas só com interpretação de texto não seria suficiente."

Direitos Humanos

Assim como nos anos anteriores, a prova de 2018 tratou de direitos humanos. Uma das ilustrações escolhidas para a prova mostra o desenho de uma cartilha do período do Estado Novo (ditadura que vigorou entre 1937 e 1946) em que o então presidente Getúlio Vargas conversa com duas crianças sobre patriotismo.

Em outra questão, quem aparece é o General Ernesto Geisel em uma carta escrita pelo cartunista Henfil em 1969, no auge da ditadura militar. "Eles conseguiram trabalhar bastante a questão de preconceito de gênero, raça com textos e ilustrações", diz Haidar. "Esse posicionamento era esperado porque é a mesma linha adotada do ano passado."

A prova cita um dos maiores símbolos da luta contra o racismo nos Estados Unidos ao mencionar a história de Rosa Parks, que, em um ônibus, decidiu se sentar em um dos assentos reservados aos brancos, na parte dianteira do veículo.

Em Linguagens, a prova apresentou questões sobre violência contra a mulher, feminismo, racismo, Hino Nacional e Declaração Universal dos Direitos Humanos. Uma das questões, por exemplo, ilustrou um cartaz divulgado em Porto Alegre com um número telefônico para denunciar violência cometida contra mulheres.

O teste ainda citou o clássico livro “1984”, de George Orwell, que conta a história de um mundo em que todas as pessoas estão sob vigilância das autoridades.

Redação

O tema se relacionava com a redação, cujo tema foi a "Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet". "Dá para o aluno trabalhar esse assunto também. É bastante abrangente. Foi um tema diferente do ano passado [sobre educação para surdos], mais fácil para os alunos tratarem por que a internet faz parte do cotidiano deles.”

A proposta foi acompanhada de quatro textos para orientar o aluno. Três deles são trechos de reportagens, como “O gosto na era do algoritmo”, publicado em 2016 pelo jornalista Daniel Verdú, "A silenciosa ditadura do algoritmo", de Pepe Escobar, e "Como a internet influencia secretamente nossas escolhas", de Tom Chatfield.

Ciências humanas

Em história, a prova tratou da conquista espanhola sobre a América ao citar a derrocada dos Astecas. Os alunos também precisaram responder questões acerca do “Elogio da Filosofia”, obra de Maurice Merleau-Ponty.

"A prova foi ótima, ao contrário do ano passado, pouco sobre história geral e praticamente só Brasil, o que é uma tendência do Enem. Do descobrimento até o regime militar", disse Nobilioni.

Mazzucco chamou a atenção para duas questões sobre filosofia. "Ambas com foco na era medieval, o que é raro, com Tomás de Aquino e Santo Agostinho, sobre a razão", disse.

Em geografia, a prova questionou os alunos a respeito da crise hídrica ocorrida no Brasil, especialmente no estado de São Paulo, em 2014. Os estudantes ainda precisaram responder sobre as causas dos ciclones tropicais, fenômeno típico do hemisfério norte.

"Foi uma prova com muitos elementos gráficos, como mapas. Os assuntos misturaram questões de atualidades e não tão atuais, como a própria crise hídrica", afirmou o coordenador da Poliedro.

Segundo Mazzucco, a prova abordou ainda "cartografia, Oriente Médio, Síria, [Faixa de] Gaza e Cisjordânia, e o quadro natural do Brasil".