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Não há propostas e país perde tempo, diz finalista do "Nobel da educação"

Débora Garofalo, professora de São Paulo e finalista do Global Teacher Prize - Divulgação
Débora Garofalo, professora de São Paulo e finalista do Global Teacher Prize Imagem: Divulgação

Vinicius Konchinski

Colaboração para o UOL, em Curitiba

06/04/2019 04h01

A professora Débora Garofalo esteve em Dubai, nos Emirados Árabes, no final de março para a cerimônia de entrega do Global Teacher Prize, considerado o prêmio Nobel da Educação. Ela era um dos dez professores do mundo finalistas na disputa pelo prêmio. Não venceu. Mas teve o reconhecimento do príncipe dos país que recebeu o evento, Hamdan bin Mohammed, e até do astro de cinema Hugh Jackman, que apresentou a cerimônia.

Garofalo, entretanto, sentiu falta de apoio brasileiro na cerimônia. Em entrevista ao UOL, ela disse que o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, havia sido convidado para o evento. Não apareceu. "Como brasileiros, precisamos nos apoiar mais", afirmou.

A falta desse apoio é uma das razões pelas quais nenhum professor brasileiro ganhou o Nobel da Educação até hoje, segundo Garofalo. Já a falta de projetos claros, a respeito de temas verdadeiramente relevantes para a educação, é uma das razões pelas quais, segundo a professora, o ensino não chega ao nível ideal.

"Não há propostas claras", disse ela, em suas impressões sobre o governo federal. "Estamos perdendo um tempo precioso para debater questões infundadas em vez de atacar ações primordiais."

Procurado pela reportagem, o Ministério da Educação não comentou as declarações.

Garofalo é professora de uma escola pública de São Paulo, localizada em uma área de favela. Desenvolveu um projeto para ensino de robótica usando sucata. Disse que o ensino público do Brasil tem mais qualidades do que o retratado pela mídia. Ressaltou, porém, que discussões sobre "Escola sem Partido" e a execução do Hino Nacional tiram o foco do que é importante.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

UOL: Três professores do país já foram finalistas* do "Nobel da Educação". Nenhum ganhou. Isso é um bom sinal, ser finalista, ou um sinal de alerta -- nunca ganhamos?
Débora Garofalo: É uma coisa boa. Temos que levar em consideração o momento histórico. O prêmio leva isso em consideração. Acho que fiquei bem próximo de levar, mas o fato de outras professoras mulheres já terem ganhado e o fato de o professor vencedor [Peter Tabichi, do Quênia] ter valores franciscanos e trabalhar numa comunidade em que crianças realmente passam fome foram decisivos. Agora, acho fundamental que a gente ganhe. É o terceiro ano que a gente leva o Brasil para o ranking internacional. Este ano não levamos o prêmio, mas estivemos lá. E com uma escola de periferia, de favela, com um trabalho comprovado dentro de uma favela. Isso abre caminhos.

* Os outros brasileiros finalistas do prêmio foram Wemerson da Silva Nogueira (em 2017) e Diego Mahfouz (2018).

O que falta para um Brasil ter um professor vencedor do Nobel de Educação?
Não consigo responder isso porque o prêmio leva em consideração o momento histórico, o desenvolvimento do trabalho, o quanto ele trouxe de benefício. Mas, eu acredito que, como brasileiros, precisamos nos apoiar mais. O nosso ministro [da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez] foi convidado para estar lá e não estava. A gente precisa apoiar quem chega lá. Agora, o mais importante não era ganhar, era fazer uma boa campanha. Eu pude ver as pessoas realmente empolgadas com nossa aula. Isso foi sensacional.

Como a senhora avalia a atuação do novo governo no que diz respeito à Educação?

Estamos vivendo um contexto muito complicado. Não há propostas claras para a Educação. Estamos perdendo um tempo precioso para debater questões infundadas em vez de atacar ações primordiais: alfabetização, distribuição de recursos para escolas, infraestrutura, conectividade. Temos que voltar nossos esforços para o que é importante.

O ministro Vélez foi criticado na Câmara dos Deputados por não apresentar projetos claros. A senhora vê algum projeto interessante?
Até agora, estão perdidos.

Não existe uma proposta, de fato, para a Educação. A não ser implantação da questão cívica e moral dentro das escolas, o que acho um retrocesso.

O ministério passa por constantes mudanças em cargos importantes.
Não tem clareza. E, além disso, as pessoas não estão se sentindo confortáveis. Houve demissões. A quebra é muito ruim. Não há continuidade. Cada um entra com uma opinião diferente, uma forma de se fazer. Isso precisa ser revisto.

O ministro indicou que quer reintroduzir nas escolas práticas que pareciam abandonadas. Por exemplo, a execução do Hino Nacional. O que acha disso?
Ele quer retomar uma escola dos anos 70, 80, quando os valores eram diferentes. Não vou dizer que não é importante.

A gente entender e aprender sobre o nosso país, sobre o hino, é essencial. Mas não da forma que está sendo imposta. Isso não está relacionado a um diálogo. É algo imposto. Tudo que é imposto não dá certo. Os alunos aprender de forma diferente. Estamos no século 21.

A forma que isso está sendo colocado não é adequada.

Professora Débora Garofalo e seus alunos na EMEF Almirante Ary Parreiras, na zona sul de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress - Danilo Verpa/Folhapress
Professora Débora Garofalo e seus alunos na EMEF Almirante Ary Parreiras, na zona sul de São Paulo
Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

O governo indicou que vê escolas militares como um modelo. A senhora concorda?
Eu, particularmente, nunca tive contato com uma escola cívico-militar. Não conheço a estrutura. Mas acredito que a gente deva respeitar a vontade e ouvir essa escola. Para tornar uma escola militar, acho que os alunos devem ser ouvidos, a comunidade deve ser ouvida, a gestão e os professores também. Se esse grupo decidir que este é o melhor caminho, tudo bem. Agora, impor e dizer "vamos mudar por questões de indisciplina'', não avalio como uma oportunidade. Vai contra aquilo que eu prego. E o diálogo é sempre o melhor.

O que a senhora acha do projeto "Escola Sem Partido"?
Não me agrada. É só mais um tempo perdido para discussão de assuntos como base curricular, alfabetização, Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação]. Primeiro, não se tem este recurso para fiscalizar professor dentro de sala de aula. A gente já vê por aí que é algo infundado. Depois, eu tenho muitos anos de chão numa escola pública para dizer que ela tem que ser laica, estar aberta ao diálogo. Não vejo com bons olhos a gente ter uma escola sem partido porque eu acredito que o partido de todo mundo deve ser a escola para reinventar a educação.

Quais deveriam ser a prioridades na sua opinião?
Investir em Educação. Não existe nenhuma nação que tenha prosperado sem ter feito esse investimento. Avançamos com a Base Nacional Comum Curricular, que é o primeiro documento feito de forma coletiva. Há um norte para nossa educação. Então, este é o momento de fazer esforços para a gente transformar a nossa educação. Para realmente falar de conectividade, falar de valorização docente, de formação inicial, formação continuada de professores, mas principalmente de tecnologia para dentro de escolas, de alfabetização, do repasse do Fundeb. Este é o momento.

Quando a senhora fala em investimento, é mais dinheiro mesmo?
Mais dinheiro. Mas não só mais dinheiro, de estrutura. O professor precisa ser valorizado. Tivemos três professores que passaram pelo Global Teacher Prize. Qual a prática desses professores foi implementada como política pública, já que uma das premissas do prêmio é que o trabalho seja replicável? Temos que pensar nisso. Estamos falando em "Escola sem Partido", mas temos que falar de valorização docente.

Alguém a procurou para replicar o seu trabalho em outras escolas?
Nós vamos replicar a experiência em escolas do estado de São Paulo. Isso está sendo negociado, mas o secretário de Educação do estado [Rossieli Soares] já mostrou grande interesse. E, na segunda passada (1), eu estive com o prefeito [de São Paulo] Bruno Covas, para que se dê mais autonomia para escolas realizarem o trabalho de robótica. Dentro da rede municipal e estadual, muito se fala sobre o trabalho.

A senhora ensina robótica. Enquanto isso, a educação no Brasil ainda patina em matemática básica. O que a robótica pode ajudar na matemática e vice-versa?
O trabalho de robótica é interdisciplinar. Ele não vai só abordar Matemática, Português, Ciência, Geografia, História. E é uma forma diferenciada de ensinar. O aprendizado passa pelas mãos. O aluno sai da passividade, vem para o centro do processo de aprendizagem e tem oportunidade de ser protagonista. Isso significa que vamos ter alunos mais interessados em desenvolver e aprender. Além disso, a robótica tem como premissa o raciocínio lógico e a resolução de problemas fundamentais nos dias de hoje.

A robótica é uma área estratégica para o mercado de trabalho moderno. A senhora ensina robótica para que seus estudantes consigam emprego ou se tornem cidadãos?
A robótica está nos dois lados. É fundamental o aluno, na educação básica, vivenciar essas questões para futuramente estar preparado. Eu vim da indústria. Eu senti isso na pele, vi o aluno não estar preparado, não ter chance de trabalhar porque a escola não foi capaz de formar esse menino. Por outro lado, a robótica vai trabalhar muito forte as questões socioemocionais. O aluno vai trabalhar a colaboração e a empatia. Ao longo dos três anos de trabalho com as crianças, que têm entre 6 e 14 anos, eu vi claramente essas questões aflorando. Eles estão mais preparados para solucionar problemas.

A gente vê uma maturidade. As minhas crianças começaram a fazer protótipos pensando em algo pessoal, algo que não tinham: um carrinho, um robô, um avião. Depois, comecei a vê-los lidando com soluções de gente grande. Pensando: 'ah, a comunidade sofreu um incêndio. Vamos pensar na estrutura da energia elétrica. Vamos fazer algo mais sustentável'.

Então, a robótica perpassa esses dois caminhos. Ela consegue dar conta dessa formação integral.

Este é o modelo ideal? Ter um balanço da formação para o mercado e humana?
A escola precisa lidar com todos os aspectos. Isso é preparar esses meninos.

A estrutura que a senhora conta numa escola pública hoje contribui ou dificulta o seu trabalho?
Essa é uma questão cultural. Quando eu comecei o trabalho, meus alunos não se achavam capazes de aprender robótica. Eles achavam que era coisa de aluno de escola particular. Isso foi mudando a medida que a gente foi dialogando, saindo às ruas, vendo os primeiros resultados. Então, eu acredito que não é a estrutura. É uma mudança cultural que a gente precisa. O professor não está preparado para lidar com a tecnologia porque não foi formado para isso. E o professor também precisa ter esse brilho no olhar. Além de ter alta expectativa para nossos alunos, precisamos ter alta expectativa para os professores.

O ensino público brasileiro tem uma imagem ligada a uma imagem de sucateamento. O que a senhora acha disso?
Eu vou falar pelas escolas que tive oportunidade de passar. Nessas escolas, eu não vi este sucateamento. Eu vi professores muito preocupados com a educação das crianças. Professores que muitas vezes utilizam dos próprios recursos --eu já fiz isso várias vezes-- para ofertar o melhor. Mas a gente sabe que os problemas existem.

Não dá para jogar debaixo do tapete. Falta professor? Falta. E como podemos resolver? Com políticas públicas. Na rede municipal [de São Paulo], se eu não posso estar aqui, há um professor que me substitui. Isso é uma política pública. Precisamos rever essas políticas para que não tenhamos esse sentimento de que a escola é sucateada. Dentro das escolas públicas, existem excelentes trabalhos, mas nem sempre são divulgados. Sempre o que a mídia pega, de forma geral, são essas questões negativas. Não olha os trabalhos que são realizados.

O que uma escola pública da periferia tem de bom que poucas pessoas acreditariam que tem?
Muita coisa. Na minha comunidade, a única área de lazer que existe é a escola. As minhas crianças passam o Natal e o Ano Novo dentro da escola. Você vê o acolhimento. Aqui, temos vários problemas ligados à violência, muitos pais não estão presentes na vida dos filhos. A escola é este suporte ao menino. É onde ele se sente confiante, em casa, que pode conversar. Isso a escola tem de bom. Outras escolas têm oferecido muitos cursos extracurriculares. Cursos para aquilo que as crianças têm interesse. Então, a escola é rica. Mas, infelizmente, sempre são apontados os problemas.

O ensino privado tem escolas de excelência, caras e que são consideradas "bolhas". É melhor educar numa "bolha" ou conviver com os problemas no ensino público?
Escola ideal não é uma ilha. A escola não pode estar fechada. Tem que conviver com o diferente. A escola pública tem que ter outros atores aqui dentro. Eu já fiz muito isso. Trouxe promotor público para falar sobre trabalho infantil, trouxe promotora para falar sobre bullying. A mesma coisa serve para a escola particular. A gente vê alguns trabalhos de integração de escolas da Prefeitura e escolas particulares que deram muito resultado. A troca é rica para os estudantes. Os estudantes de escola particular têm que ter esse acesso, têm que entender como funciona uma escola pública, por exemplo, justamente para apoiar. Fazendo parcerias, a gente pode ter outros resultados. A universidade também tem que estar mais próximo da escola. Não tem sentido a gente falar de educação e ver uma universidade tão distante. A gente precisa diminuir os espaços e trazer outros órgãos para a escola pública.

A violência está mais presente nas escolas hoje em dia?
A violência é transferida para dentro da escola. Falo isso como professora que trabalha dentro de uma favela. Muitas das coisas acontecem na comunidade e reverberam dentro da escola. Por mais que a gente tenha o trabalho de conversar com os alunos, é algo que é transferido. Como a gente resolve isso? Se a gente conseguir unir esforços dentro de todos os setores da sociedade. Acho que temos que parar de colocar a escola como culpada das ações. A sociedade é muito ampla para só culparmos a escola.