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Ciência desacreditada e conspirações: dicas se esse for o tema da redação

A ciência também é vítima de informações falsas divulgadas como se fossem notícias verdadeiras - Reprodução/iStock
A ciência também é vítima de informações falsas divulgadas como se fossem notícias verdadeiras Imagem: Reprodução/iStock

Carolina Cunha

Colaboração para o UOL

06/12/2019 04h00

Resumo da notícia

  • O recente movimento global "anticiência" tenta colocar a ciência em xeque
  • Na era da pós-verdade, as informações verdadeiras têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais
  • Temas como vacinas, a forma da Terra e aquecimento global são exemplos
  • Assunto pode ser explorado em redação e na segunda fase de vestibulares
  • Fuvest, Unesp e Unicamp aplicarão provas

São cada vez mais comuns a desconfiança e o desprezo pelo pensamento científico. A proliferação de teorias conspiratórias e o negacionismo a temas como a eficiência das vacinas, a origem do vírus HIV, a forma da Terra, a evolução das espécies ou o aquecimento global são exemplos de como, em alguns grupos, as crenças e convicções pessoais passam a ter mais importância que as evidências apresentadas pelos cientistas.

O recente movimento global "anticiência" tenta colocar a ciência em xeque. A ciência também é vítima das fake news, informações falsas divulgadas como se fossem notícias verdadeiras. Informações falsas sempre existiram. Mas com a internet, elas passaram a ser compartilhadas em uma velocidade, ritmo e escala nunca antes visto. Plataformas como Facebook, Twitter e WhatsApp favorecem a replicação de boatos e mentiras.

Em 2016, o dicionário de Oxford elegeu a palavra "pós-verdade" como o termo do ano. A escolha foi divulgada alguns dias após a vitória de Donald Trump. A palavra se refere a uma época em que os fatos objetivos e as informações verdadeiras têm menos influência que os apelos às emoções e às crenças pessoais, com o objetivo de mudar a opinião pública. Se parece bom ou se está de acordo com as crenças, então é verdadeiro.

"A era da pós-verdade se caracteriza pela sobreposição do ponto de vista sobre os fatos. Mesmo ciente da falsidade de uma informação, a pessoa continuará acreditando nela. A sensação se sobrepõe à reflexão ou análise como organizadora das experiências vividas no cotidiano", destaca o professor Rafael Carneiro Vasques, coordenador de Sociologia do Grupo Etapa.

O tema é forte candidato para cair nas provas de redação dos vestibulares. Entenda melhor o que está em discussão e aumente o seu repertório.

Credibilidade científica

Para Vasques, muitas vezes, o volume de informações é maior do que a capacidade da pessoa de refletir sobre elas ou buscar a veracidade. Como consequência, o processo de desinformação aumenta. O professor também relaciona o ataque à credibilidade da ciência a situações em que os resultados científicos não apoiam os interesses de grupos políticos, religiosos e econômicos.

"O questionamento em relação às teorias científicas ocorre desde que elas existem, visto que a ciência aborda as informações do cotidiano de uma forma diversa daquela desenvolvida pelo senso comum. No entanto, quanto mais desenvolvido o conhecimento científico é, mais distante e estranho ele se torna para o indivíduo comum. Além disso, há a utilização política da desconfiança em relação aos dados. A ciência passa a ser vista como apenas um discurso que, por ser incompreensível, é descartado por uma informação mais simples, ou então os cientistas podem ser acusados de ideólogos que mentem por algum suposto motivo escuso", avalia Vasques.

O professor de história Rômulo Braga, do colégio CEL - Rio de Janeiro, relembra a Alegoria da caverna, de Platão. O filósofo dizia que o homem vive preso num mundo de sombras, sem conseguir ver a realidade. Estaria em uma caverna de ignorância. "Não são as fake news as sombras de hoje? É preciso estar atento e forte aos sinais de que estamos apenas vendo aparências de realidade. Tudo que se constrói apenas no discurso é como um castelo de areia: basta um sopro forte, um argumento coeso e um discurso inflamado para destruir".

Para o professor, a solução para o movimento anticiência é buscar a racionalidade. "As sociedades sempre tiveram seus negacionistas ou radicais contra a ciência. Em Atenas, Sócrates morreu por sua crença na verdade. Nos séculos medievais, Galileu foi reprimido. Nesse ambiente, é preciso se agarrar a mecanismos que comprovem estar comprometidos com a verdade; ou, para ser mais pós-moderno, com a verossimilhança. A busca pelo que é objetivo, ou que se pretende pelo menos, deve ser constante".

O pensamento científico

Ciência é o conjunto de conhecimentos empíricos e teóricos sobre a natureza elaborados a partir da observação, descrição, explicação e previsão. A base da ciência, portanto, é a experiência, e após a repetição da ação investigada, faz-se a descrição da ação, têm-se a explicação do evento e a previsão futura do mesmo. Ela é dinâmica e está em permanente construção.

O método científico é a metodologia usada por cientistas na busca do conhecimento, um conjunto de regras para desenvolver uma experiência a fim de produzir novos conceitos, bem como corrigir e integrar conhecimentos pré-existentes.

As concepções de ciência e método científico começaram a ser elaboradas desde o fim da Idade Média, mas só atingiram sua primeira configuração sólida no século 17. Esse momento da história do pensamento científico é chamado por alguns pesquisadores de Revolução Científica.

O desenvolvimento das ciências naturais no Ocidente remonta à Grécia Antiga. Os gregos não viam a ciência como algo separado da filosofia. Os filósofos da antiguidade clássica como Arquimedes, Pitágoras, Tales de Mileto e Heráclito romperam com as explicações míticas sobre a origem do homem e possuíram uma preocupação científica. Eles começaram a buscar na própria natureza os elementos para explicar as coisas e a origem da vida.

Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) afirmava que o conhecimento científico era o saber pela causa. Para ele, o conhecimento acerca do universo era especulativo, embasado na lógica. Ele acreditava que poderia construir um conhecimento científico ao observar o mundo natural e através do bom senso, mas não fazia experimentações. Ele escreveu sobre a origem da vida e defendeu a teoria da geração espontânea, que perdurou por muitos séculos. Também estudou as espécies e propôs uma divisão do reino animal em categorias.

Durante a Idade Média e o no Renascimento, a ciência e a busca do conhecimento foram marcados pela visão da Igreja Católica, que muitas vezes proibiu ou perseguiu ideias que contrariassem as escrituras sagradas.

No Renascimento, diversos pensadores fizeram uma revolução em descobertas e no modo de ver o mundo. Nicolau Copérnico (1473-1543) desenvolveu a teoria Heliocêntrica, defendendo que o Sol era o centro do Sistema Solar, e não a Terra. O matemático Johannes Kepler (1571-1630) estabeleceu a órbita elíptica dos astros. Giordano Bruno (1548-1600) morreu queimado na fogueira da Inquisição porque defendeu que a Terra é que girava ao redor do Sol.

Galileu Galilei (1564-1632) estudou astronomia e matemática e reconheceu que o principal papel dos cientistas não eram explicar os fenômenos, mas descrevê-los. Ele insistia que as teorias tinham que ser testadas e os experimentos deveriam ter medições, o que o torna um dos percursores da ciência moderna.

O século 17 assistiu a grandes inovações no campo da ciência e do pensamento. Essa época viu nascer o método experimental e a possibilidade de explicação mecânica e matemática do universo, que deu origem a todas as ciências modernas.

"A necessidade de estabelecer um método para a ciência surge junto com a convicção da possibilidade de se alcançar um conhecimento senão verdadeiro, pelo menos dotado de algumas certezas. A questão do método como preocupação central a partir da qual a ciência deveria se estruturar ocorre no início da modernidade. Ela não vem sem uma mudança cultural significativa que abre a perspectiva de encarar a realidade natural como sendo a medida do conhecimento humano. Essa transformação foi provocada sobretudo pelo enfraquecimento da visão medieval, que se apoiava na ideia de que toda forma de conhecimento só era possível se sustentada pela fé em Deus", diz Bruno Leonardo Correa, coordenador de Filosofia do Grupo Etapa.

Um sistema lógico para o processo científico no Ocidente foi primeiro apresentado pelo filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), no início do século 17. "Só se pode saber se algo será descoberto pela experimentação, não pelo argumento", dizia Bacon. Para o filósofo inglês, não há conhecimento possível que não seja confirmado pela observação empírica. Em Novum Organum, ele descreve o método científico e mostra seus três pilares: observação, dedução para formular uma teoria que possa explicar o que foi observado e uma experimentação para testar se a teoria está correta.

"Trata-se do método indutivo, isto é, maneira pela qual o cientista induz a natureza a responder suas questões. Como se percebe, há uma crença na capacidade dos sentidos, junto com a avaliação racional de todo processo investigativo regradamente constituído, como fonte de evidencia científica. E foi, por meio dessa convicção, que a ciência foi se estabelecendo como o eixo central da vida moderna", lembra o professor Correa.

O método de Bacon foi reforçado pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650) que apresenta a necessidade de um ceticismo rigoroso e investigação em sua obra Discurso do Método. É a primeira obra a afirmar que todos os têm, por natureza, a mesma razão e a capacidade de pensar com lógica.

O filósofo Descartes cunhou a máxima "Cogito, ergo sum" (penso, logo existo). A obra estuda o método para conquistar a verdade e diz que devemos duvidar sempre daquilo que levanta dúvidas, usando o pensamento e a lógica, além de fazer revisões para certificar-se de que nada foi omitido. Assim, ele funda o racionalismo moderno.

"Descartes, em suas meditações, chega a histórica conclusão: se não são os meus sentidos os tradutores perfeitos da realidade, o único motivo que me faz crer existir é o pensamento. Ainda hoje, essa conclusão pode ser revolucionária para alguns; no século 17, fundou a ciência moderna", diz o professor Rômulo.

Esses pensamentos abriram caminhos para o Iluminismo, fase histórica que se caracteriza por ser um movimento renovado de ideias que sacudiu a Europa do século 18. Sua marca foi a defesa da soberania da razão. "É a partir daí que vai se fortalecer a noção de ciência comprometida com o estabelecimento da verdade. Uma ciência que, apoiada numa concepção de razão autônoma, não se sujeita aos preconceitos sociais e aos interesses políticos, mas se legitima no interior de seu próprio funcionamento; e, portanto, relega à ficção tudo aquilo que não passa pelo seu crivo. Nesse século se busca um esclarecimento que se desdobrará um combate intenso às diversas formas de ignorância e obscurantismo. Na verdade, é possível dizer que se trata de um projeto, conduzido pela razão crítica de emancipação das amarras sociais", avalia Correa.

Um dos maiores filósofos do Iluminismo foi David Hume (1711-1776). O filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou a ideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas. Toda hipótese que não pudesse ser comprovada, segundo ele, seria inválida.

Influenciada pelo Iluminismo, o século 19 viu surgir o cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser colocada como o melhor caminho para os modos do saber. Em seu extremo, ganhou status de religião, em doutrinas como o positivismo. Usando como referência o método de investigação das ciências da natureza, os positivistas procuraram identificar, na vida social, as mesmas relações e os mesmos princípios com os quais os cientistas explicavam a vida natural.

O século 20 viu surgir conceitos como a Teoria da Relatividade, do físico alemão Albert Einstein (1879-1955), que mostrou que matéria e energia moldavam o espaço e o tempo, a teoria quântica, que nos permitiu compreender as moléculas, a descoberta da estrutura do DNA, a teoria tectônica de placas, entre outras. Essas descobertas provocaram inúmeras transformações em conceitos científicos vigentes e proporcionou que fatos importantes, ainda não explicáveis, pudessem ser entendidos.

Nesse século, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou o método da indução, defendido por Bacon. Para ele, a ciência teria limites, pois o método não garante a validade de suas conclusões. Ele afirmou que se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o que foi observado, nunca sobre o que não foi. Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade absoluta ou definitiva.

Para Popper, a possibilidade de uma teoria ser refutada é a própria essência da natureza científica. Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade. Dessa forma, quanto mais tempo a metodologia resistir à teoria da refutação, maior a probabilidade de ser científica.