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9 possíveis conexões entre as obras literárias da Fuvest para este domingo

Eduardo Anizelli/Folhapress
Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

Carolina Cunha

Colaboração para o UOL

02/01/2020 04h00

Resumo da notícia

  • A prova de Língua Portuguesa da segunda fase da Fuvest acontece no próximo dia 5
  • A relação entre as 9 obras literárias exigidas pelo vestibular é cobrada
  • Candidato precisa conhecer as semelhanças e diferenças entre trechos, personagens, períodos históricos e literário
  • UOL publica resolução comentada domingo e segunda-feira, após a prova

Desde que a Fuvest adotou uma lista de livros para o vestibular da Universidade de São Paulo (USP), a relação entre as obras literárias - semelhanças e diferenças entre trechos, personagens, períodos históricos e literários - é cobrada pela banca. Assim, qualquer conexão entre os textos pode ser apresentada.

A Fuvest 2020 apresenta nove obras em sua lista, que servirá de base para a prova de Língua Portuguesa aplicada neste domingo (5).

A lista de livros é:

  1. Poemas Escolhidos, de Gregório de Matos
  2. Quincas Borba, de Machado de Assis
  3. Claro Enigma, de Carlos Drummond de Andrade
  4. Angústia, de Graciliano Ramos,
  5. Relíquia, de Eça de Queirós
  6. Mayombe, de Pepetela
  7. Sagarana, de Guimarães Rosa
  8. O Cortiço, de Aluísio Azevedo e
  9. Minha Vida de Menina, de Helena Morley.

Veja as possíveis conexões entre essas obras literárias da Fuvest 2020 e os comentários de especialistas.

1. Mayombe e O Cortiço

Publicado em 1980, Mayombe é uma obra que evoca a guerra de independência de Angola (1961-1974), a partir do ponto de vista de diversos guerrilheiros. Como contraponto aos narradores, existe a própria floresta, cujo nome batiza o romance. Cenário central da ação guerrilheira, a selva é um espaço vital para os personagens.

Em O Cortiço, o espaço físico é uma moradia pobre e precária. O cortiço se torna um personagem personificado em diversas passagens do livro. "A diferença entre os dois, é que n´O Cortiço, não há possibilidade de superar o espaço. É como se fosse uma panela de pressão que você entra e não sai. Insuperável. É um determinismo do meio muito grande. No Mayombe, a floresta é vista como se fosse um Deus, existe um atributo do herói de superar o espaço", avalia Nelson Dutra, coordenador de Português do Objetivo.

2. A Relíquia, O Cortiço e Quincas Borba

Três obras da lista foram escritas no final do século 19. A Relíquia (1887), de Eça de Queirós, O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, e Quincas Borba (1891), de Machado de Assis. Apesar de terem sido escritas na mesma época, elas mantêm diferenças importantes relacionadas às escolas literárias. "O próprio Eça de Queirós categoriza A Relíquia em sua fase fantasista, uma espécie de Realismo sem as amarras da escola e com explanações fantasiosas. O Cortiço é o nome mais famoso do Naturalismo brasileiro e Quincas Borba encaixa-se no realismo machadiano", diz Marcelo Maluf, professor de literatura do Oficina do Estudante.

Segundo o professor, apesar destas diferenças, as narrativas dialogam com o fin de siècle (fim do século), tanto em Portugal (A Relíquia) como no Brasil, de modo que críticas à sociedade burguesa (seus padrões e modos de vida) são observadas nas três obras. Além disso, o espaço é descritivo de maneira minuciosa. Os cenários Rio de Janeiro, Lisboa, Egito e Jerusalém tornam-se, também, personagens das narrativas.

Reflexões sobre mecanismos do poder também são desenvolvidas nos três livros: a lógica religiosa e do casamento como estruturas sociais (A Relíquia), a exploração de mão de obra barata e enriquecimento por meio da pobreza sob mando de um português imigrante (O Cortiço), e a utilização da ingenuidade do outro como trampolim social e financeiro (Quincas Borba).

3. Poemas escolhidos de Gregório de Matos e Claro Enigma

Gregório de Matos é um poeta barroco. Carlos Drummond de Andrade, um poeta do Modernismo. Apesar das diferenças temporais, temáticas e de escola literária, os dois se aproximam na estrutura formal da poesia. "A poesia de Claro Enigma é muito marcada por aspectos formais, assim como a poesia barroca. Drummond estava buscando uma outra linguagem nessa obra e parte de seus poemas são sonetos", avalia Diogo Mendes, professor de literatura do Descomplica.

Gregório de Matos, em muito de seus poemas, trabalha com a estrutura fixa do soneto, assim como Drummond em alguns poemas de Claro Enigma. Além disso, a metalinguagem, a metrificação, o jogo de rimas e a utilização constante de figuras de linguagem aproximam os dois poetas. Pode-se perceber ainda temas em comum nas duas obras poéticas, que trazem um certo deslocamento do mundo.

4. Angústia e Sagarana

É possível estabelecer relações entre Angústia (1936), de Graciliano Ramos, e Sagarana (1946), de Guimarães Rosa. Ambas as obras fazem parte do chamado regionalismo brasileiro. "Porém, em Guimarães Rosa, percebemos um regionalismo que vai além daquilo que é regional - linguagem, costumes, espaço, religiosidade -, e alcança a lógica do universal", aponta Marcelo Maluf.

Segundo o professor, os contos de Sagarana, além de dialogarem com a realidade do sertão mineiro, se conectam com aquilo que é propriamente humano: traições, sofrimentos amorosos, amores impossíveis, violências e a busca pelo sagrado, por exemplo. Já a obra de Graciliano Ramos mantém seus personagens e dramas no âmbito local, dificilmente alcançando o universal.

Apesar das diferenças, os dois livros desenvolvem psicologicamente seus personagens. "Outro ponto é que de uma maneira geral, elas condicionam os personagens tendo em vista o meio, de modo que há uma espécie de neo-determinismo nessas obras", diz Maluf.

O professor Diogo Mendes indica ainda um contraponto entre os dois autores. Ambos escreveram sobre o sertão e são associados ao tema do sertanejo. Graciliano Ramos fala do Nordeste. Guimarães Rosa aborda o universo do sertão mineiro. "Nesse aspecto, existe uma diferença de linguagem. A linguagem no Graciliano Ramos é árida e precisa. Ele só escreve o estritamente necessário. Já a literatura do Rosa transborda lirismo e poesia, ele possui uma prosa póetica, que traz neologismos e muita sonoridade".

Além disso, Mendes indica que Angústia explora a decadência de uma oligarquia e o conflito da psique humana, se aproximando de uma temática existencialista. Já Rosa explora em Sagarana a natureza mítica, sendo uma obra mais metafísica.

5. A Relíquia e Minha Vida de Menina

O tema da sociedade de aparências aparece nos livros Relíquia, de Eça de Queiros, e Minha Vida de Menina, de Helena Morley. Para o professor Nelson Dutra, a hipocrisia religiosa é apontada em ambas as obras. "Em A Relíquia, temos uma farsa, uma hipocrisia bem caricatural. Em Minha Vida de Menina, a religiosidade aparece com algumas situações que não corresponde exatamente à religiosidade, é algo mais mundano. É menos visível, você tem que intuir nas entrelinhas".

Outra possível comparação entre as obras é a análise de estruturas sociais. Dutra aponta a figura da matriarca como personagens fortes de ambas as obras, que trazem uma unidade social articulada em torno de uma matriarca por meio de relações de parentesco.

"Nos dois livros existe uma matriarca, que fundo, tem valores patriarcais, que sustenta os agregados e os parentes pobres. E quem está nessa estrutura, tem que rezar conforme a cartilha dela. E no livro Minha Vida de Menina aparece uma senhora muito bondosa, mas ela representa os valores de uma sociedade que conserva toda a tradição ibérica e jesuítica mantendo agregados, os parentes pobres", diz o professor.

6. Quincas Borba e O Cortiço

Em Quincas Borba, Machado de Assis faz uma paródia ao cientificismo e ao evolucionismo da época, bem como ao positivismo de Augusto Comte e à lei do mais forte. O Cortiço, de Aluísio Azevedo também evoca as teorias científicas do século 19. "São escritores da mesma época. Em Quincas Borba, o autor relativiza, de uma forma irônica, todas as teorias do final do século 19. O Cortiço traz um determinismo, o comportamento do homem é fruto do meio, tese a qual o autor adere incondicionalmente", explica Diogo Mendes, professor do Descomplica.

O professor também indica os contrapontos entre as obras. "Ambos os escritores são do Realismo. Só que Machado busca explorar e aprofundar os aspectos psicológicos dos personagens. Já Aluísio Azevedo vai se voltar para os aspectos fisiológicos e instintivos da natureza humana".

7. O Cortiço e Poemas escolhidos de Gregório de Matos

O colonialismo é um tema que aparece nas obras O Cortiço e Poemas escolhidos de Gregório de Matos. "Uma questão que seria muito bonita de comparação é pegar desde o Gregório de Matos, no século 17, poemas que mostram a exploração colonialista do Brasil", afirma Nelson Dutra.

Gregório de Matos diz que "a Bahia é madrasta dos brasileiros e mãe dos estrangeiros", ao falar da exploração econômica de Portugal em relação ao Brasil colonial. Em O Cortiço, personagens portugueses falam que O Brasil serve para ser explorado.

"A visão colonial aparece nas duas obras. Existe uma permanência de uma postura de um país que era colônia para um país que se tornou independente, mas continua sendo nessa visão trágica, um país que é explorado por estrangeiros", avalia o professor.

8. A Relíquia e Quincas Borba

Eça de Queiroz e Machado de Assis eram autores do século 19 e marcados por um estilo realista. Para o professor Diogo Mendes, ambos também se aproximam pela busca de um aprofundamento psicológicos dos personagens.

Outra característica é a crítica às elites e estruturas de poder da época. "Ambos conseguem criticar os problemas estruturais da sociedade. O Eça critica muito o clero. O Machado faz um retrato irônico da elite do Rio de Janeiro do século 19".

9. Poemas de Claro Enigma

Carlos Drummond de Andrade é considerado um dos maiores poetas modernistas do Brasil. Para o professor Nelson Dutra, existe a possibilidade da Fuvest comparar diferentes poemas de Drummond, mostrando a transformação da visão do poeta.

Claro Enigma foi escrito no período histórico do início da Guerra Fria. Na obra, o poeta deixa suas influências modernistas e adota um formato mais clássico. Além disso ele se distancia dos temas sociais e assume um papel mais reflexivo. "Em Claro Enigma, é como se ele estivesse no apagar das luzes", explica o professor Nelson Dutra.

Para o professor, a obra reflete uma trajetória ou identidade do poeta que Drummond estaria renegando. "É um livro com muitas perguntas e nenhuma resposta definitiva. Eu acho que poderia cair Drummond com textos comparando o tema - que tempo é esse que está acabando? Penso que ele está a renegar a si mesmo. O poeta mudou sua estética. "