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Morte de aluna causa protestos contra humilhações em universidade no México

A jovem María Fernanda Michua Gantus foi encontrada morta no dia 11 de dezembro de 2019 - Reprodução/Redes Sociais
A jovem María Fernanda Michua Gantus foi encontrada morta no dia 11 de dezembro de 2019 Imagem: Reprodução/Redes Sociais

Marcelle Souza

Colaboração para o UOL, na Cidade do México (México)

10/01/2020 04h00Atualizada em 10/01/2020 15h10

Resumo da notícia

  • Jovem foi encontrada morta horas depois de realizar uma prova
  • Alunos de universidade no México dizem sofrer humilhação de professores
  • Estudantes protestaram contra a conduta do corpo docente na instituição
  • "Romantização da cultura do estresse" é questionada por universitários

A morte de uma estudante de Direito e Relações Internacionais do ITAM (Instituto Tecnológico Autônomo do México), na Cidade do México, causou protestos e reacendeu o debate sobre a saúde mental dos universitários. Eles se dizem pressionados a ter alto desempenho acadêmico, além de relatarem humilhações e assédio por parte de professores.

A jovem María Fernanda Michua Gantus foi encontrada morta no dia 11 de dezembro do ano passado poucas horas depois de realizar uma prova oral na universidade. A instituição é privada e reconhecida por ter formado nomes do alto escalão dos últimos governos do México.

13.dez.2019 - Protesto foi realizado na ITAM - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019 - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019
Alunos realizaram protesto após morte de aluna no ITAM
Imagem: Arquivo Pessoal - 13.dez.2019

Segundo colegas, a estudante foi humilhada e reprovada pelo professor que aplicou o exame final de uma disciplina. No México, alguns jornais chegaram a noticiar que ela teria se suicidado, o que foi negado pela mãe da jovem, Maria Fernanda Gantus Paradela. "A causa da sua morte foi um prolongado ataque de epilepsia, a seu corpo não resistiu."

"Foi humilhada"

Em comunicado publicado no dia 19 de dezembro no Twitter, Paradela disse que a filha tinha depressão e sofria de ataques de epilepsia, mas que estava em tratamento médico. Ainda de acordo com a mãe, o ataque foi resultado do grande estresse causado pelos exames finais e pela morte recente da avó da jovem.

"Desde o primeiro dia, [Fernanda] foi ameaçada de que não chegaria a se graduar. Minha filha detestava esse ambiente [do ITAM], onde a empatia e a bondade dos professores era inexistente, a ponto que, no seu último dia de vida, Fernanda saiu chorando de um exame de direito porque foi humilhada por um dos seus professores", relatou a mãe. Para ela, essa situação "detonou o ataque que minha filha sofreu".

Paradela disse ainda que a filha escolheu a instituição "por seu alto nível de exigência acadêmica" e que a jovem "buscava ser a melhor". Os colegas definem Fernanda como dedicada e boa aluna. No Twitter, a mãe contou que "demonstrava sua aversão permanente à forma com que professores zombavam e humilhavam os alunos."

No dia seguinte à morte da jovem, um grupo de estudantes se reuniu no pátio principal da instituição para prestar-lhe uma homenagem, que acabou em um protesto que durou cerca de cinco horas. Na manifestação, houve relatos de violências e assédios que alunos teriam sofrido na instituição.

"Romantização do estresse"

"Uma aluna levantou e disse que não era normal essa romantização da cultura do estresse, de viver todo o tempo com medo de ser reprovado, de tomar ansiolíticos para conseguir estudar", conta um aluno de 22 anos, que preferiu não se identificar. "Então, um a um, os estudantes começaram a contar histórias de tentativas de suicídio, humilhações, assédio sexual, homofobia e outros casos que aconteceram na universidade."

13.dez.2019 - Alunos exibiram girassóis durante protesto após morte de estudante no ITAM - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019 - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019
Alunos exibiram girassóis durante protesto após morte de estudante no ITAM
Imagem: Arquivo Pessoal - 13.dez.2019

Alunos dizem, por exemplo, que não saber responder a uma questão em classe pode tirar até 40% da nota de um aluno. "Na semana das provas finais, há uma tensão em toda a universidade", contou um estudante ao UOL.

Eles contam que dois universitários da instituição se suicidaram e outros dois teriam tentado se suicidar em 2019. O número não é confirmado pela reitoria.

"Nós sabemos que não é algo isolado. Mas se o aluno já tem um problema e se sente altamente pressionado na universidade, isso pode acontecer porque, dentro de um contexto ruim, tudo se amplifica", disse outro aluno, que também não quis se identificar com medo de represálias.

Por conta do ocorrido, eles ameaçaram fazer uma greve, e a universidade se comprometeu a revisar alguns dos seus procedimentos.

O caso também desencadeou uma onda de denúncias contra professores de outra instituição mexicana, o CIDE (Centro de Investigação e Docência Econômicas). Segundo um dos relatos, no primeiro dia de aula, um professor teria dito a uma aluna que seria melhor que ela estudasse História da Arte. "Nesse mesmo semestre fui testemunha de uma tentativa de suicídio", continua a estudante. "Minha experiência no CIDE não começou nada bem", dizia o relato.

"Precisamos de uma discussão permanente sobre o modelo de 'excelência' e deixar de normalizar esse tipo de maus-tratos", afirma outro aluno, em um dos relatos impressos e pendurados em uma espécie de varal de reclamações na universidade.

13.dez.2019 - Cartazes na porta da universidade dizem que o ITAM tem "sangue nas mãos" - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019 - Arquivo Pessoal - 13.dez.2019
Cartazes na porta da universidade dizem que o ITAM tem "sangue nas mãos" e que estudante lutam por saúde mental
Imagem: Arquivo Pessoal - 13.dez.2019

Universidades respondem

O ITAM, que foi criado na década de 1940, tem aproximadamente 5.000 alunos, e é uma universidade focada nas áreas de economia, administração e negócios. É reconhecido pelo alto nível acadêmico e por formar políticos e ex-ministros, como o ex-presidente Felipe Calderón Hinojosa (2006-2012) e José Antonio Meade Kuribreña, candidato à presidência em 2018 pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional) e ex-ministro de pastas como Finanças, Desenvolvimento Social e Energia.

Questionado pelo UOL, o ITAM não respondeu se há uma apuração específica sobre o caso de Fernanda, já que colegas e a mãe da jovem relatam que ela teria sofrido humilhações por parte de um professor.

Diante dos protestos, a reitoria do ITAM anunciou medidas como

  • a criação de um centro para "desenvolver estratégias para a melhora pedagógica de todo o instituto";
  • uma declaração de princípios e valores, que deve incluir respeito, honestidade, equidade, não discriminação, liberdade de pensamento e de expressão;
  • a realização de um estudo para avaliar a saúde mental dos alunos da instituição; e a capacitação de profissionais contra assédio sexual;

A universidade também criou espaços de atenção emocional e psicológica para os estudantes.

Em nota, o CIDE afirmou que há anos tem desenvolvido ações para apoiar o bem-estar dos alunos. "Todas as denúncias pontuais têm sido atendidas institucionalmente, com recomendações de melhora e, quando necessário, com a imposição de sanções", informou.

Problema atinge outros países

De acordo com uma pesquisa publicada na revista científica "Nature" em 2012, os principais sinais de depressão entre universitários são:

  • inabilidade de assistir às aulas ou de fazer pesquisa;
  • dificuldade de concentração;
  • diminuição da motivação;
  • aumento da irritabilidade;
  • mudança no apetite;
  • dificuldades de interação social;
  • problemas no sono;

Estudos indicam que as taxas de depressão dobraram entre estudantes da graduação nos Estados Unidos nos últimos 15 anos e a incidência de comportamento suicidas triplicou no período. Na Inglaterra, estudantes criaram a página Students Against Depression (Estudantes contra a Depressão), que reúne histórias de quem já passou pelo problema e dicas de como procurar tratamento.

Em 2018, a USP (Universidade de São Paulo) criou um Escritório de Saúde Mental, depois de registrar quatro casos de suicídio em dois meses. Os alunos dizem que a carga horária, a pressão por alto desempenho e dificuldades de relação com professores, orientadores e colegas estão associados a uma piora nos quadros de depressão.

Qualquer pessoa em sofrimento mental pode procurar apoio nos canais do CVV (Centro de Valorização da Vida), ligando 188 ou pelo site da instituição.

Meditação para fortalecer a sua saúde mental

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