Agonia na cruz: qual foi a causa da morte de Jesus Cristo?

Estudos forenses apontam que Jesus pode ter morrido de choque hemorrágico, e não por asfixia, como se pensava.

O que aconteceu

A morte dele foi consequência direta de sua atuação política e religiosa contra o Império Romano. A avaliação é do historiador André Leonardo Chevitarese, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ouvido pela BBC News Brasil. Segundo ele, o "reino de justiça" que Jesus anunciava era uma ameaça ao domínio de César.

A crucificação, então comum, era usada contra escravos e rebeldes. A prática é descrita pelo cientista político Gerardo Ferrara, da Pontifícia Universidade da Santa Cruz (Roma), como "tão cruel e humilhante que não era reservada aos próprios romanos".

A ciência forense buscou entender o que de fato ocorre com um corpo preso a uma cruz. O médico legista norte-americano Frederick Zugibe, ex-patologista do Instituto Médico Legal de Rockland County (NY), realizou testes com voluntários suspensos em réplicas de cruzes. Ele descreve, no livro "The Crucifixion of Jesus: A Forensic Inquiry" (A Crucificação de Jesus: Uma Investigação Forense, em tradução livre), que os indivíduos apresentavam cãibras, colapso muscular e dificuldade respiratória intensa.

Durante décadas, a hipótese mais aceita era a de asfixia progressiva. Nessa visão, o esforço constante para manter o corpo erguido na cruz causava o colapso dos músculos respiratórios. A cada inspiração, o condenado precisava se apoiar nos pés cravados e nos braços estendidos, até perder completamente a força —e morrer sufocado.

O cirurgião francês Pierre Barbet popularizou essa tese em 1950, no livro "A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo Segundo o Cirurgião". Para ele, a posição de crucificação causava compressão do diafragma e insuficiência respiratória. A hipótese ainda é levada em conta por parte da comunidade médica, mas foi rebatida por Zugibe, que considerou seus métodos pouco precisos e experimentou novas abordagens empíricas.

Zugibe concluiu que Jesus morreu por choque hipovolêmico, causado por hemorragia maciça. A perda de sangue por causa dos açoites e da fixação com cravos teria levado a uma parada cardíaca. Essa hipótese é reforçada por artigo publicado na National Library of Medicine, em 2021, que destaca a hipovolemia como uma das três causas mais prováveis de morte por crucificação, ao lado da asfixia e do infarto.

A arqueologia trouxe evidências raras, mas cruciais, sobre o método de execução. Em 1968, arqueólogos israelenses encontraram, em Jerusalém, o osso do calcanhar de um homem chamado Jehohanan, atravessado por um prego —uma descoberta considerada, pela revista Biblical Archaeology Review, como a única evidência física clara de crucificação romana.

Outro achado ocorreu em 2021, em Cambridgeshire, no Reino Unido. Arqueólogos britânicos identificaram um esqueleto com marcas de crucificação datadas do século 4, conforme noticiado pela Smithsonian Magazine. As descobertas ajudam a confirmar o uso da crucificação como punição comum fora dos relatos bíblicos.

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Posição dos cravos

A posição dos cravos foi reinterpretada à luz de estudos anatômicos. Segundo Ferrara, os pregos eram cravados nos pulsos, não nas palmas das mãos, para suportar o peso do corpo. Zugibe, por sua vez, defendia que os pregos podiam atravessar a região abaixo do polegar, sem romper a estrutura óssea.

Os pés teriam sido pregados lado a lado, e não sobrepostos. Essa hipótese é sustentada tanto pelas experiências de Zugibe quanto pela evidência arqueológica de Jehohanan. A dor causada pelas perfurações em áreas com nervos intensamente sensíveis teria sido contínua e insuportável.

O instrumento de tortura inicial era o azorrague, um chicote com pontas de metal e osso. Zugibe reproduziu o modelo descrito nos Evangelhos e afirma que, com 39 chicotadas e três tiras por golpe, Jesus teria recebido 117 perfurações, resultando em hemorragias internas e danos hepáticos e pulmonares.

Coroa de espinhos

A coroa de espinhos também foi objeto de estudo científico. Zugibe cultivou arbustos do Oriente Médio e concluiu que a planta mais provável é o espinheiro-de-cristo-sírio, cujos espinhos podem atingir nervos da cabeça, causando sangramentos e dores agudas.

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A versão bíblica do sepultamento é questionada por alguns historiadores. Chevitarese sustenta que crucificados não eram enterrados, mas deixados para apodrecer em público, como forma de exemplo. "[Crucificados] passavam dias na cruz, expostos a aves de rapina e cães", diz o professor.

A ausência de restos mortais seria coerente com o costume romano de apagar a memória do condenado. Isso explicaria, segundo o historiador, por que não existem cemitérios identificados com vítimas da crucificação e reforçaria a tese de que o enterro de Jesus foi uma necessidade teológica —e não um fato histórico verificável.

* Com informações de matéria publicada em 01/04/2021.

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